domingo, 24 de fevereiro de 2013

Nos Barracos da Cidade




(Gilberto Gil)

Nos barracos da cidade
Ninguém mais tem ilusão
No poder da autoridade
De tomar a decisão
E o poder da autoridade, se pode, não faz questão
Mas se faz questão, não
Consegue
Enfrentar o tubarão

Ôôô , ôô
Gente estúpida
Ôôô , ôô
Gente hipócrita

E o governador promete,
Mas o sistema diz não
Os lucros são muito grandes,
Grandes... ie, ie
E ninguém quer abrir mão, não
Mesmo uma pequena parte
Já seria a solução
Mas a usura dessa gente
Já virou um aleijão

Ôôô , ôô
Gente estúpida
Ôôô , ôô
Gente hipócrita

Ôôô , ôô
Gente estúpida
Ôôô , ôô
Gente hipócrita
Ôôô , ôô
Gente estúpida
Ôôô , ôô
Gente hipócrita

Uma lição de realismo



Galeano - 24 de fevereiro 
 
Em 1815, Napoleão Bonaparte fugiu de sua prisão na ilha de Elba e fez a viagem de reconquista do trono da França.
Marchava passo a passo, acompanhado por uma tropa crescente, quanto o jornal Le Moniteur Universel, que havia sido seu órgão oficial, assegurava aue os franceses estavam loucos de morrer defendendo o rei Luis XVIII, e chamava Napoleão de "violador à mão armada do solo da pátria, estrangeiro fora da lei, usurpador, traidor, praga, chefe de bandoleiros, inimigo da França que ousa sujar o solo do qual foi expulso", e anunciava: "Este será seu último ato de loucura."
No final o rei fugiu, ninguém morreu por ele, e Napoleão sentou-se no trono sem disparar um único tiro.
Então o mesmo jornal passou a informar que "a feliz notícia da entrada de Napoleão na capital provocou uma explosão súbita e unânime, todo mundo se abraça, os vivas ao Imperador enchem o ar, em todos os olhos há lágrimas de alegria, todos celebram o regresso do herói da França e prometem à Sua Majestade o Imperador a mais profunda submissão".


HILDA HILST

Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas
escomedida
Árdua
Construtor de ilusões
examino-te
sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do
amanhecer.
 


Não aprendi a colher a flor
sem esfacelar as pétalas.
Falta-me o dedo menino
de quem costura desfiladeiros.

Mia Couto

Fonte - I



Um poema de Herberto Helder

Fonte - I


Ela é a fonte. Eu posso saber que é
a grande fonte
em que todos pensaram. Quando no campo
se procurava o trevo, ou em silêncio
se esperava a noite,
ou se ouvia algures na paz da terra
o urdir do tempo ---
cada um pensava na fonte. Era um manar
secreto e pacífico.
Uma coisa milagrosa que acontecia
ocultamente.

Ninguém falava dela, porque
era imensa. Mas todos a sabiam
como a teta. Como o odre.
Algo sorria dentro de nós.

Minhas irmãs faziam-se mulheres
suavemente. Meu pai lia.
Sorria dentro de mim uma aceitação
do trevo, uma descoberta muito casta.
Era a fonte.

Eu amava-a dolorosa e tranquilamente.
A lua formava-se
com uma ponta subtil de ferocidade,
e a maçã tomava um princípio
de esplendor.

Hoje o sexo desenhou-se. O pensamento
perdeu-se e renasceu.
Hoje sei permanentemente que ela
é a fonte.

A Montanha Mágica


de Thomas Mann

"Que era a vida? Ninguém sabia. Ninguém conhecia o ponto donde brotava a natureza, e no qual ela se acendia. A partir desse ponto, nada havia na vida que não estivesse motivado ou o estivesse apenas insuficientemente; mas a própria vida parecia não ter motivo. A única coisa que se podia, talvez, afirmar a seu respeito era que sua estrutura devia ser de tal modo evoluída que não tinha, nem de longe, igual no mundo inanimado. Entre o pseudópode da ameba e o animal vertebrado a distância era insignificante, desprezível, em comparação com aquela que existe entre o fenômeno mais simples da vida e a outra parte da natureza que nem sequer merecia ser qualificada de morta, uma vez que era inorgânica. Pois a morte não era senão a negação lógica da vida; entre esta, porém, e a natureza inanimada abria-se um abismo por cima do qual a ciência em vão se empenhava em lançar uma ponte. Alguns esforçavam-se por fechá-lo por meio de teorias, que ele sorvia sem nada perder da sua profundidade nem da sua extensão. Para encontrar um
laço, haviam-se perdido na hipótese contraditória de uma matéria viva sem estrutura, de organismos não organizados, que se reuniriam espontaneamente na solução de albumina, como o cristal na água-mãe – embora, na realidade, a diferenciação orgânica constituísse, ao mesmo tempo, a condição básica e a manifestação de toda vida, e posto que não se conhecesse nenhuma criatura viva que não devesse a sua existência a um ato de procriação. O júbilo triunfante que saudara o protoplasma primevo, pescado nas mais extremas profundezas do mar, rapidamente chegara a transformar-se em consternação."
- In "Montanha Mágica", pág. 370.

A Montanha Mágica (no original em alemão Der Zauberberg) é um livro escrito por Thomas Mann em 1924. Um dos romances mais influentes da literatura mundial do século XX, foi importante para a conquista do Prêmio Nobel de Literatura em 1929 por Mann. É um exemplo clássico da literatura que os alemães classificam como Bildungsroman.

Sobre a obra, Malcolm Bradbury escreve:
"Seria, segundo ele [Mann], uma viagem à decadência; contudo, ele também a qualificou como a busca da ‘idéia do homem, o conceito de uma humanidade futura que vivenciou o mais profundo conhecimento da doença e da morte’...

Thomas Mann iniciou a escrita de "A montanha mágica" em 1912, o mesmo ano em que sua mulher Katharina Mann (Katia) foi internada num sanatório de Davos na Suíça, para se curar de uma tuberculose. O livro teria sido inspirado nesse episódio.

Em 1915, Thomas Mann interrompeu o seu trabalho no manuscrito, indeciso sobre o fim a dar ao romance. Nesta altura, Mann encontra-se em conflito com o irmão Heinrich Mann, um apoiante da França e dos aliados, que desprezava o espírito filisteu, provinciano, totalitário, acrítico dos alemães e de seu Kaiser Wilhelm II, como tinha ficado bem patente no seu romance "Der Untertan" (o súdito), publicado pouco antes do início da Guerra. Thomas Mann era, por contraponto ao irmão, nesta altura, (ainda) um espírito mais arreigado às suas raízes culturais e à sua pátria. Apenas mais tarde, na Segunda Guerra Mundial, Thomas Mann viria a adquirir um espírito mais crítico sobre a sua própria sociedade e cultura. Em "Reflexões de um homem não-político", de 1918, Thomas Mann defende a cultura alemã contra aquilo que ele afirma ser uma ideologia dogmática do ocidente. Como se disse, Thomas Mann iria mudar muito na Segunda Guerra Mundial, onde estará abertamente ao lado dessa suposta ideologia. Thomas Mann continuou a escrever "A montanha mágica" em 1919, já depois da guerra. Terminaria o romance apenas em 1924, ano da publicação. Entretanto, muitas observações dele sobre a experiência da Alemanha na República de Weimar tinham influenciado o livro.

Enredo
Às vezes apontado como um livro sem enredo, a obra trata da história de um jovem engenheiro naval alemão, de Hamburgo, chamado Hans Castorp. Ele visita o primo Joachim Ziemssen num sanatório destinado ao tratamento de doenças respiratórias localizado em Davos, nos Alpes suíços, pouco antes do começo da Primeira Guerra Mundial. Apesar de ser encaminhado ao sanatório apenas para uma visita e para tratar uma anemia, Hans Castorp vai aos poucos mostrando sinais de que tem tuberculose pulmonar e acaba estendendo sua visita ao sanatório por meses e anos, pois sua saída é sempre adiada por causa da doença.
Nesse período, Castorp, pouco a pouco, afasta-se da vida "na planície" e conquista o que chama de liberdade da vida normal. Desliga-se do tempo, da carreira e da família e é atraído pela doença, pela introspecção e pela morte. Ao mesmo tempo, amadurece e trava contato mais profundo com a política, a arte, a cultura, a religião, a filosofia, a fragilidade humana (incluindo a morte e o suicídio), o caráter subjetivo do tempo (um dos temas mais importantes da obra) e o amor.
O sanatório forma um microcosmo europeu. Os numerosos personagens do livro, muitos com descrições e reflexões detalhadas, são representações de tendências e pensamentos que predominavam na europa do pré-grande-guerra, conhecido como o período dos anos loucos. Em particular os personagens Lodovico Settembrini (humanista e enciclopedista) e Leo Naphta (um jesuíta totalitário) representam o contraste entre ideias liberais e conservadoras, respectivamente.
Também se destacam o hedonista Mynheer Peeperkorn e Madame Clawdia Chauchat, por quem Castorp desenvolve interesse romântico e sutilmente sensual, cujo climax está genialmente descrito por Mann em páginas verdadeiramente universais.
A subjetividade da passagem do tempo abordada por Mann reflete-se na estrutura do livro. A narrativa é ordenada cronologicamente, mas acelera ao longo do romance. Desse modo, os primeiros cinco capítulos relatam apenas o primeiro dos anos de Castorp no sanatório, em grande detalhe. Os restantes seis anos, marcados pela monotonia e pela rotina, são descritos nos últimos dois capítulos. Essa assimetria corresponde à própria percepção distorcida de Castorp quanto à passagem do tempo.
No final da narrativa, inicia-se a Grande Guerra, Castorp une-se às fileiras do exército, e sua morte iminente no campo de batalha é sugerida. Apesar do processo de amadurecimento do personagem ao longo do livro, não está claro, no final, se ele formou uma sólida individualidade, e sua última aparição se dá como um soldado anônimo, entre milhares, em um campo de batalha qualquer da Primeira Guerra Mundial.

"Adeus – para a vida ou para a morte! Tens poucas probabilidades a teu favor. O macabro baile ao qual te arrastaram durará ainda vários anos malignos. Não queremos apostar muita coisa na tua possibilidade de escapar. Para falar com franqueza, não sentimos grandes escrúpulos ao
deixar indecisa essa questão. Certas aventuras da carne e do espírito, sublimando a tua singeleza, fizeram teu espírito sobreviver ao que tua carne dificilmente poderá resistir. Momentos houve em que, cheio de pressentimentos e absorto na tua obra de “rei”, viste brotar da morte e da luxúria carnal um sonho de amor. Será que também da festa universal da morte, da perniciosa febre que ao nosso redor inflama o céu desta noite chuvosa, surgirá um dia o amor? Finis operis"
- in "Montanha Mágica, pág. 956-957.

O Autor
Thomas Mann (Lübeck, 6 de Junho de 1875 — Zurique, 12 de Agosto de 1955) foi um romancista alemão.
É considerado por alguns[quem?] como um dos maiores romancistas do século XX, tendo recebido o Nobel de Literatura de 1929. Foi o irmão mais novo do romancista Heinrich Mann e o pai de Klaus, Erika, Golo (aliás Angelus Gottfried Thomas), Monika, Elisabeth e Michael Thomas Mann. Filho do comerciante Johann Heinrich Mann e da brasileira Júlia da Silva Bruhns,[2] nasceu no estado de Schleswig-Holstein, norte da Alemanha, onde mais de 90% da população é protestante. A família de Thomas Mann detinha ali um negócio havia várias gerações.
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Disponível em pdf - A Montanha Mágica, de Thomas Mann [Traduçao de Herbert Caro - Edição comemorativa - Editora Nova Fronteira, 2006]: http://www.visionvox.com.br/biblioteca/t/Thomas-Mann-A-Montanha-Mágica-(pdf)(rev).pdf

Obs.: As citações são da edição de: A Montanha Mágica, de Thomas Mann [Traduçao de Herbert Caro - Edição comemorativa - Editora Nova Fronteira, 2006].
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