quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Tristeza da Lua



Charles Baudelaire


"Divaga em meio à noite a lua preguiçosa;
Como uma bela, entre coxins e devaneios,
Que afaga com a mão discreta e vaporosa,
Antes de adormecer, o contorno dos seios.

No dorso de cetim das tenras avalanchas,
Morrendo, ela se entrega a longos estertores,
E os olhos vai pousando sobre as níveas manchas
Que no azul desabrocham como estranhas flores.

Se às vezes neste globo, ébria de ócio e prazer,
Deixa ela uma furtiva lágrima escorrer,
Um poeta caridoso, ao sono pouco afeito,
No côncavo das mãos toma essa gota rala,
De irisados reflexos como um grão de opala,
E bem longe do sol a acolhe no seu peito."Parte inferior do formulário

A catapulta


Galeano - 30 de janeiro
 
Em 1933, Adolf Hitler foi nomeado primeiro-ministro da Alemanha. Pouco depois, celebrou um ato imenso, como correspondia ao novo dono e senhor da nação
Modestamente, gritou:
- Eu estou fundando a Era da Verdade! Desperta, Alemanha! Desperta!
e os rojões, os fogos de artifício, os sinos das igrejas, os cânticos e as ovações multiplicaram os ecos.
Cinco anos antes, o partido nazista havia conseguido menos de três por cento dos votos.
O salto olímpico de Hitler rumo ao topo foi tão espetacular como a simultânea queda, rumo aos abismos, dos salários, dos empregos, da moeda e de todo o resto.
A Alemanha, enlouquecida pelo desmoronamento geral, desatou a caça aos culpados: os judeus, os comunistas, os homossexuais, os ciganos, os débeis mentais e os que tinham a mania de pensar além da conta.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013


O amor comeu minha paz e minha guerra.
Meu dia e minha noite.
Meu inverno e meu verão.
Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte."



João Cabral de Melo Neto

No me arrepiento de nada



(Gioconda Belli)

No me arrepiento de nada
Desde la mujer que soy,
a veces me da por contemplar
aquellas que pude haber sido;
las mujeres primorosas,
hacendosas, buenas esposas,
dechado de virtudes,
que deseara mi madre.
No sé por qué
la vida entera he pasado
rebelándome contra ellas.
Odio sus amenazas en mi cuerpo.
La culpa que sus vidas impecables,
por extraño maleficio,
me inspiran.
Reniego de sus buenos oficios;
de los llantos a escondidas del esposo,
del pudor de su desnudez
bajo la planchada y almidonada ropa interior.
Estas mujeres, sin embargo,
me miran desde el interior de los espejos,
levantan su dedo acusador
y, a veces, cedo a sus miradas de reproche
y quiero ganarme la aceptación universal,
ser la "niña buena", la "mujer decente"
la Gioconda irreprochable.
Sacarme diez en conducta
con el partido, el estado, las amistades,
mi familia, mis hijos y todos los demás seres
que abundantes pueblan este mundo nuestro.
En esta contradicción inevitable
entre lo que debió haber sido y lo que es,
he librado numerosas batallas mortales,
batallas a mordiscos de ellas contra mí
-ellas habitando en mí queriendo ser yo misma-
transgrediendo maternos mandamientos,
desgarro adolorida y a trompicones
a las mujeres internas
que, desde la infancia, me retuercen los ojos
porque no quepo en el molde perfecto de sus sueños,
porque me atrevo a ser esta loca, falible, tierna y vulnerable,
que se enamora como alma en pena
de causas justas, hombres hermosos,
y palabras juguetonas.
Porque, de adulta, me atreví a vivir la niñez vedada,
e hice el amor sobre escritorios
-en horas de oficina-
y rompí lazos inviolables
y me atreví a gozar
el cuerpo sano y sinuoso
con que los genes de todos mis ancestros
me dotaron.
No culpo a nadie. Más bien les agradezco los dones.
No me arrepiento de nada, como dijo la Edith Piaf.
Pero en los pozos oscuros en que me hundo,
cuando, en las mañanas, no más abrir los ojos,
siento las lágrimas pujando;
veo a esas otras mujeres esperando en el vestíbulo,
blandiendo condenas contra mi felicidad.
Impertérritas niñas buenas me circundan
y danzan sus canciones infantiles contra mí
contra esta mujer
hecha y derecha,
plena.

Esta mujer de pechos en pecho
y caderas anchas
que, por mi madre y contra ella,
me gusta ser.
 
Hetaira de Cingapur


Devo embrenhar-me por esse caminho? Mas a conclusão que me espera não será demasiado óbvia? A escrita como modelo de todo processo real... e mesmo como a única realidade cognoscível...ou, ainda, a única realidade tout court... Não, não me meterei por esse trilho forçado que me leva longe demais do uso da palavra como a entendo, ou seja, como perseguição incessante das coisas, adequação à sua infinita variedade.
Resta ainda aquele fio que comecei a desenrolar logo ao princípio: a literatura como função existencial, a busca da leveza como reação ao peso do viver.

Italo Calvino, Em Leveza, Seis Propostas para o Próximo Milênio, 1999.