domingo, 30 de junho de 2013

O Espírito de Liberdade

“O homem transfere para o ídolo suas paixões e qualidades. Quanto mais se empobrece, tanto maior e mais forte se torna o ídolo. Este é a forma alienada da experiência que o homem tem de si mesmo. Ao cultuar o ídolo, o homem cultua a si mesmo. Mas esse ‘eu’ é um aspecto parcial, limitado, do homem: sua inteligência, sua força física, sua energia, fama etc. identificando-se com um aspecto parcial de si mesmo, o homem limita-se a tal aspecto; perde sua totalidade de ser humano e deixa de crescer. É dependente do ídolo, já que somente na submissão a ele encontra a sombra, embora não a substância de si mesmo.” 
(Erich Fromm, “O Espírito de Liberdade”)


Discurso de posse, em 1994

"Nosso grande medo não é o de que sejamos incapazes.
Nosso maior medo é que sejamos poderosos além da medida. É nossa luz, não nossa escuridão, que mais nos amedronta.
Nos perguntamos: "Quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentoso e incrível?" Na verdade, quem é você para não ser tudo isso?...Bancar o pequeno não ajuda o mundo. Não há nada de brilhante em encolher-se para que as outras pessoas não se sintam inseguras em torno de você.
E à medida que deixamos nossa própria luz brilhar, inconscientemente damos às outras pessoas permissão para fazer o mesmo".

(Discurso de posse, em 1994)
Nelson Mandela

Adorável, irmãos, adorável


Como no terrível Terek os cossacos expulsaram,
Os cossacos expulsaram 40 mil cavaleiros.
E cobriram os campos, e cobriram as praias,
Centenas de pessoas picadas e feridas a tiro.

Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.
Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.

O nosso atamã sabe quem escolhe
"Esquadrão, montar", mas esqueceram de mim
Eles permanecem animados na ação dos cossacos
Me deixaram no chão empoeirado e ardente.

Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.
Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.

E a primeira bala, e a primeira bala
A primeira bala feriu o cavalo na pata.
E a segunda bala, a segunda bala,
A segunda bala me feriu no coração.

Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.
Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.

A minha esposa vai lamentar um tempo, e então casar-se com outro
Casar com meu camarada, esquecer de mim
Apenas lamento pela liberdade no campo amplo
Apenas lamento por meu sabre afiado e por meu cavalo pardo.

Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.
Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.

E minhas tranças castanhas, e meus olhos brilhantes,
A grama, as ervas e o absinto logo irão cobrir.
E meus ossos brancos, e meu coração valente,
Os gaviões e os corvos espalharão pela estepe.

Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.
Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.

~em russo~

Любо, братцы, любо

Как на грозный Терек выгнали казаки,
Выгнали казаки сорок тысяч лошадей.
И покрылось поле и покрылся берег,
Сотнями порубленных, пострелянных людей.

Любо, братцы, любо,
любо, братцы, жить
С нашим атаманом не приходится тужить.
Любо, братцы, любо,
любо, братцы, жить
С нашим атаманом не приходится тужить.

Атаман наш знает кого выбирает,
"Эскадрон, по коням", да забыли про меня.
Им осталась воля да казачья доля,
Мне осталась пыльная, горючая земля.

Любо, братцы, любо,
любо, братцы, жить
С нашим атаманом не приходится тужить.
Любо, братцы, любо,
любо, братцы, жить
С нашим атаманом не приходится тужить.

А первая пуля, а первая пуля,
А первая пяля в ногу ранила коня.
А вторая пуля, а вторая пуля,
А вторая пуля в сердце ранила меня.

Любо, братцы, любо,
любо, братцы, жить
С нашим атаманом не приходится тужить.
Любо, братцы, любо,
любо, братцы, жить
С нашим атаманом не приходится тужить.

Жинка погорюет, выйдет за другого.
За мого товарища, забудет про меня.
Жалко только волюшки во широком полюшке,
жалко сабли вострой да буланного коня.

Любо, братцы, любо,
любо, братцы, жить
С нашим атаманом не приходится тужить.
Любо, братцы, любо,
любо, братцы, жить
С нашим атаманом не приходится тужить.

Кудри мои русые, очи мои светлые,
Травами, бурьяном, да полынью зарастут.
Кости мои белые, сердце мое смелое,
Коршуны да вороны по степи разнесут


RETORNELLO


Nunca mais retornemos ao jardim
como rosas ou lírios ou alegres girassóis
nem como ave celebrando no cipreste
o renascimento infinito da plumagem
em forma de uma flor qualquer.

Soldados armados de ventos uivantes
passariam por lá como nuvens explosivas
e arrastariam nossas almas renascidas
para a invernada dos espinhos.

Retornemos ao jardim em forma
de esperanças e sonhos e quimeras
porque os ventos ceifariam apenas
nossas flores...
Mas não saberiam como levar
as nossas primaveras...

Julis Calderón

(Numa lembrança de Che Guevara)

Vida


Para um destino incerto caminhamos,
Tontos de luz, dentro de um sonho vão;
E finalmente, a gloria que alcançamos
Nem chega a ser uma desilusão!

Levanta-se da sombra, entre altos ramos,
Como um fumo a subir, lento, do chão,
A distancia que tanto procuramos,
E os nossos braços nunca atingirão.

Mas um dia, perdidos, hesitante,
A alma vencida e farta, as mãos tateantes,
De repente, paramos de lutar;

E ao nosso olhar, cansado de amargura,
As montanhas têm muito mais altura,
O céu mais astros, e mais água o mar!


- Ronald de Carvalho, no livro “Poemas e Sonetos”, 1919.

O pântano


Podem vê-lo, sem dor, meus semelhantes!...
Mas, para mim que a Natureza escuto,
Este pântano é o túmulo absoluto,
De todas as grandezas começantes!

Larvas desconhecidas de gigantes
Sobre o seu leito de peçonha e luto
Dormem tranqüilamente o sono bruto
Dos superorganismos ainda infantes!

Em sua estagnação arde uma raça,
Tragicamente, à espera de quem passa
Para abrir-lhe, às escâncaras, a porta...

E eu sinto a angústia dessa raça ardente
Condenada a esperar perpetuamente
No universo esmagado da água morta!


- Augusto dos Anjos, in "Eu e outras poesias". 42ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

Cárcere das Almas


Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhões as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza.

Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silêncios solitários, graves,
Que chaveiro do Céu possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!

Ó Formas vagas, nebulosidades!
Essência das eternas virgindades!
Ó intensas quimeras do Desejo...


- Cruz e Sousa, do livro Últimos Sonetos, 1905.
Tira-me a luz dos olhos: continuarei a ver-te
Tapa-me os ouvidos, continuarei a ouvir-te
E embora sem pés caminharei para ti
E já sem boca poderei ainda convocar-te.
Arranca-me os braços: continuarei abraçando-te
Com o meu coração como com a mão
Arranca-me o coração: ficará o cérebro
E se o cérebro me incendiares também por fim
Hei-de então levar-te no meu sangue.

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“Gosta de rosas? Parece-me agora que todas as rosas do mundo florescem para ti e graças a ti – e que apenas uma generosa renúncia tua permite à Primavera mantê-las e fingir que são delas”



-Rilke a Lou Andreas Salomé, Correspondência.

Poética


Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.


- Manuel Bandeira, no livro "Libertinagem e Estrela da Manhã". 14ª ed., Editora Nova Fronteira, 2000, pág. 32-33.
Se tantas vezes te importuno, ó Deus meu vizinho,
batendo forte à tua porta na noite extensa,
é porque te ouço respirar, da tua presença
sei: estás na sala, sozinho.
Se de algo precisares, não há ninguém ali
que possa te trazer um gole d’água sequer.
Vivo sempre à escuta. Dá-me um sinal qualquer.
Estou bem perto de ti.

Entre nós há apenas um muro, coisa pouca,
por mero acaso aliás;
bem pode ser que um grito da tua ou minha boca —
e eis que se desfaz
sem só rumor ou ruído.

Com imagens tuas o muro foi construído.

Diante de ti tuas imagens são como nomes.
E quando um dia dentro de mim esteja acesa
a luz com que te conhece minha profundeza,
será, nas molduras, brilho que se esbanja e some.

E os meus sentidos, que um torpor célere consome,
estão sem pátria, exilados da tua grandeza.


Rilke | O livro de Horas | Trad. José Paulo Paes
Tu, escuridão da qual descendo
de ti gosto mais que da labareda:
ela reduz
o mundo em que reluz
a uma espécie de círculo
fora do qual nenhum ser a conhece.

já a escuridão, em si tudo contém:
formas e flamas e animais, e eu
- assim como também ela reúne
pessoas e potências…

e pode ser isto: uma grande força
a se mover nos subúrbios de mim…

Acredito nas noites.

Trad. Geir Campos

*

Tu, obscuridade de onde emana
meu ser, amo-te mais do que à chama
que o mundo reduz
ao círculo da sua luz:
ali dentro, resplandece;
fora dali, ser nenhum a reconhece.

Mas na obscuridade tudo se contém:
as formas e as chamas, os animais e eu também,
nela que consorcia
existências e energias —

Pode bem ser que uma força sombria
se mova em minhas cercanias.

É às noites que minha alma se confia.

Trad. José Paulo Paes


Rilke | O livro de Horas
Nunca te vi, que não tivesse o desejo de te rezar. Nunca te ouvi, que não tivesse o desejo de acreditar em ti. Nunca te esperei, sem o desejo de sofrer por ti. Nunca te desejei, sem ter também o direito de me ajoelhar à tua frente. Sou para ti como o bastão para o caminhante, mas sem te apoiar. Sou para ti como o cetro é para o rei, mas sem te enriquecer. Sou para ti como a última pequena estrela é para a noite, ainda que a noite mal a distinguisse e ignorasse a sua cintilação.

René


Rilke | "Correspondência Amorosa", Rainer Maria Rilke e Lou Andreas-Salomé | trad. Manuel Alberto, Relógio D'Água Editora.