quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O Violino de Rothschild

"Sentou-se debaixo do salgueiro e entregou-se às recordações. Na outra margem, onde agora é um lameiro, havia naquele tempo uma floresta de bétulas, e no monte calvo que agora se via no horizonte era antigamente um pinhal velhíssimo. Nesse tempo, andavam lanchas pelo rio. Agora tudo era plaino, na outra margem só se via uma bétula solitária, novinha e esbelta como uma menina, no rio apenas patos e gansos, parecia que nem sequer alguma vez tinham navegado nele as lanchas. Também os gansos pareciam ser menos do que outrora. Iákov fechou os olhos e, na sua imaginação, voavam grandes bandos de gansos brancos, uns ao encontro dos outros.
Não conseguia entender como é que nos últimos quarenta ou cinquenta anos da sua vida não fora uma única vez ao rio e, mesmo que tivesse ido, não reparara nele! É que o rio era grandinho, não um riacho qualquer; podia-se organizar nele a pesca e vender o peixe aos comerciantes, aos funcionários e ao empregado do bufete da estação dos comboios e, depois, depositar o dinheiro no banco; podia-se andar de barca pelo rio, de uma casa senhorial para outra, a tocar violino, e o povo de toda a laia pagaria por isso; podia-se tentar pôr de novo as lanchas a andar – seria melhor do que fabricar caixões; por último, podia-se criar gansos para abate e mandá-los no Inverno para Moscovo; só as penas dariam dez rublos por ano! Que prejuízo! Ah, que prejuízo! E se fosse tudo junto – pescar e tocar violino, andar de lancha, criar gansos, que capital se poderia amealhar! Mas não aconteceu nada disso, nem sequer em sonhos, a vida passou sem proveito, sem prazer, perdeu-se, foi em vão! Uma vida perdida, nem sequer por uma pitada de tabaco; pela frente, nada; olhando para trás, nada além dos prejuízos, tão terríveis que até faziam calafrios. Por que não pode uma pessoa viver de modo a que não haja estas perdas, de modo a evitar prejuízos? Pergunta-se: por que cortaram a floresta de bétulas e o pinhal? Por que está vazia a pastagem? Por que é que as pessoas fazem sempre, precisamente, o que é errado? Por que é que Iákov, durante toda a vida, praguejou, rosnou, se atirou de punhos cerrados às pessoas, ofendeu a mulher? E, pergunta-se: qual a necessidade de ter insultado e assustado ontem o judeu? Por que é que as pessoas, em geral, não se deixam viver normalmente umas às outras? É que, agindo assim, os prejuízos são terríveis! Terríveis! Se não existisse o ódio e a raiva, as pessoas só dariam lucros enormes umas às outras."

TCHÉKHOV, Anton (trad. Nina Guerra e Filipe Guerra), “Contos”, Vol. III, Lisboa, Relógio D`Água, 2002, p.p. 179 e 180.

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