quarta-feira, 16 de setembro de 2009

(...) «Quanto a isso de que o homem tem culpa por todos os homens e por tudo, para além dos seus pecados próprios, o seu raciocínio é muito correcto e é admirável como o senhor conseguiu abranger esta ideia em toda a sua plenitude. Também é uma verdade das verdades que, quando as pessoas compreendem finalmente esta ideia, chegará para elas o reino os céus, não em sonho mas na realidade.» «Mas quando se realizará isso, se é que alguma vez se realiza? Não será apenas um sonho?», exclamei com amargura. E ele: «Já não tem fé nisso, está pregá-lo e, ao mesmo tempo, não tem fé. Saiba, então, que a realização deste sonho está iminente, acredite, embora não seja para já, porque para cada coisa existe a sua lei. É um fenómeno espiritual, psicológico. Para transformar o mundo é preciso que as pessoas enveredem, psicologicamente, por outro caminho. Antes de nos tornarmos irmãos de cada qual não haverá fraternidade. Nunca as pessoas concordarão, com base em qualquer vantagem ou em qualquer ciência, partilhar com justiça a sua propriedade e os seus direitos. Cada qual achará que recebeu pouco, toda a gente se queixará, invejará os outros e exterminá-los-á. Pergunta-me quando se realizará esse sonho. Realizar-se-á, sim, mas primeiro deve acabar o período da solidão humana.» «Que solidão?», pergunto-lhe eu. «A solidão que agora reina por todo o lado, especialmente no nosso século, e ainda vem longe o fim dela. Porque cada um, hoje em dia, deseja isolar cada vez mais a sua pessoa, quer experimentar em si mesmo a plenitude da vida e, no entanto, o resultado é que todos os seus esforços, em vez da plenitude da vida, acabam num suicídio absoluto, porque em vez da plenitude da definição da sua personalidade entra num isolamento total. Porque todos, no nosso século, se separam, cada qual se isolando na sua toca, cada qual se afastando do outro, escondendo-se e escondendo o que possui, acabando por rejeitar os outros e ser rejeitado pelos outros. Acumula a sua riqueza em solidão e pensa: que forte eu sou, que rico... e mal sabe, o louco, que quanto mais acumula mais mergulha na impotência suicida. Porque está habituado a contar apenas consigo e, como unidade, se separou do comum, habituou a sua alma a não acreditar na ajuda dos outros, nas pessoas e na humanidade e apenas receia que o seu dinheiro e os seus direitos adquiridos se percam. Hoje, por todo o lado, a mente humana irónica começa a perder consciência de que o verdadeiro sustento do indivíduo não consiste no seu esforço pessoal e solitário, mas num esforço em comunidade humana. É inevitável, porém, que chegue o fim deste terrível isolamento e que se compreenda, de uma vez por todas, como é antinatural esta separação de uns dos outros. Será assim o espírito da época, e as pessoas espantar-se-ão por terem passado o tempo na escuridão, sem verem a luz. Surgirá então nos céus o sinal do filho do homem... Mas, até lá, é necessário guardar bem a bandeira e, de vez em quando, nem que seja como acto isolado, um homem sozinho deve dar o exemplo e tirar a alma do isolamento para a elevar até à façanha da convivência em amor fraterno, nem que seja na qualidade de maluquinho religioso. É necessário isso para que não morra a grande ideia...» (...)

in Os Irmãos Karamázov, Fiódor Dostoiévski.

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