quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Na montanha IV

"Receio que exista no senhor uma tendência que ameaça tornar-se um traço do seu carácter, se não for combatida. Por isso sinto-me na obrigação de corrigi-lo. O senhor opinou que a doença reunida à estupdez era a coisa mais triste que havia no mundo. Estou de acordo. Também eu prefiro um doente espirituoso a um imbecil tuberculoso, porém não posso deixar de protestar quando o senhor se põe a considerar a enfermidade num plano igual ao da tolice como uma espécie de falta de estilo, um acto de mau gosto praticado pela Natureza, ou um «dilema para o sentimento humano», conforme lhe aprouve exprimir-se , e quando o senhor julga a doença tão nobre e – como dizia? – tão digna de respeito que não pode harmonizar-se com a estupidez. Tal foi a expressão de que se serviu. Pois bem, não! A doença não é nobre, de modo algum, nem digna de respeito. Essa concepção é de si mesma mórbida, só conduz à doença. Talvez consiga despertar o seu horror de modo mais eficaz, dizendo-lhe qie ele é velha e feia. Tem a sua origem em épocas cheias de superstições, nas quais a ideia do humano estava degenerada e privada de toda a dignidade; a épocas angustiadas, que consideravam a harmonia e o bem-estar como coisas suspeitas e diabólicas, ao passo, que a enfermidade equivalia aum passaporte para o Céu. Mas, a Razão e o Século das Luzes dissiparam estas sombras que pesavam sobre a alma da Humanidade – não completamente: a luta dura ainda hoje. Esta luta, meu caro senhor, chama-se Trabalho, trabalho terreno, trabalho em prol da Terra, da honra e dos interesses da Humanidade. E retemperadas, dia a dia, por essa luta, estas forças acabarão por libertar definitivamente o Homem e por conduzi-los pelos caminhos da Civilização e do Progresso, rumo a uma luz cada vez mais clara, mais doce e mais pura.
«Meu Deus! – pensou Hans Castorp, estupefacto e confuso. – Mas isto soa como uma ária de ópera! Como é que eu provoquei isto? Parece-me, aliás, um pouco árido. Por que fala o homem constantemente do trabalho? Isso parece-me também um pouco deslocado aqui». E disse:
- Muito bem, sr. Settembrini. É notável como o senhor sabe falar. Ninguém poderia exprimi-lo mais… de maneira mais plástica, quero eu dizer…"

Thomas Mann, "A Montanha Mágica".

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