quarta-feira, 16 de setembro de 2009

(…) - Eu sou de Leonforte, lá em cima em Val Demone, entre Enna e Nicosia, sou proprietário de terras e tenho três filhas bonitas, três filhas, cada qual mais bonita do que a outra, e tenho um cavalo no qual percorro as minhas terras e então sinto-me um rei, mas não me parece que seja tudo, sentir-me rei, quando monto a cavalo e gostaria de ter outros conhecimentos, de sentir-me diferente, com algo de novo na alma, eu daria tudo o que possuo, até o cavalo, as terras para me sentir mais em paz com os homens, como uma pessoa que não tem nada que se censurar.
Não é que eu tenha algo que me censure. Nada disso. E não falo no sentido da sacristia. Mas não creio estar em paz com os homens. Gostaria de ter uma consciência fresca e que me dissesse para cumprir outros deveres, não os do costume, outros deveres e mais elevados para os homens, porque cumprir os deveres do costume não satisfaz e ficamos como se nada tivéssemos feito, descontentes connosco, decepcionados.
Não apenas para roubar, não matar, etc, e ser um bom cidadão. Penso que está maduro para outra coisa, para outros deveres, novos. O que sentimos, creio, é a falta de outros deveres, de outras coisas a fazer. Para a nossa consciência num sentido novo.
- Parece-me que tem razão. É professor?
- Não há motivo para rir, avozinho. Não há motivo. Acho que é mesmo isto. Já não temos satisfação em cumprir o nosso dever, os nossos deveres. Cumpri-los… é indiferente. Ficamos sempre mal. E eu penso que é exactamente por isto, porque estes são valores demasiados velhos, muito velhos e que se tornaram muito fáceis, que já nada significam para a consciência.
- De certeza que não é professor?
- Não sou nenhum ignorante, posso ler um livro se quiser, mas não sou professor. Estudei nos Salesianos em miúdo, mas não sou professor. (…)

in Sicília de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub, 1998.

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