quarta-feira, 16 de setembro de 2009

"«[…] Como todas as ocasiões contra mim conspiram
E arpoam a tarda vingança. Que é um homem,
Se o primeiro bem e trato do seu tempo
É só comer e dormir? Um animal, não mais.
Decerto quem nos fez com tão lato discernir,
Não nos deu
Tal capacidade e razoar quase divino
Para em nós criar verdete. Seja pois por
Letargo animal ou por abjecto escrúpulo
De com atenção excessiva no acto de cismar,
Pairo indeciso sem saber
Por que vivo para dizer que isto há-de ser feito,
Quando tenho causa e vontade, força e meios
Para fazê-lo. Exemplos vis como terra acenam-me,
Veja-se este exército de tal aparato e monta,
Comandado por um gentil e fino príncipe,
Cujo espírito, inflado pela ambição divina,
Faz gaifonas ao evento que há-de vir,
Expondo tudo o que é mortal e incerto
Ao que a sorte, a morte e o perigo criam,
Por uma mera casca de ovo. Que dizer de mim,
Que tenho um pai morto, uma mãe poluída,
Transtornos vários na razão e ânimo,
E tudo abismo no sono, humilhado
Pela morte iminente de vinte mil homens
Que, por uma fantasia e astúcia do acaso,
Vão para a cova como para a cama? […]»

Hamlet (Acto IV, cena 4), de William Shakespeare

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