quarta-feira, 30 de outubro de 2019

A África fantasma




10 DE MARÇO

Forte tornado durante todo o fim da noite. Torrentes de água, que pela manhã tornam-se escarros. Eu me acostumo à vila, encontro até algum atrativo em arrumar um armário embutido, que me permite não deixar nada largado. Sempre amei a ordem. Esta, de resto, é uma daz razões por que me agrada o que se convencionou chamar "selvageria". Penso nas panóplias tão corretas dos Somba; nos belos celeiros dos Kirdi de Mora, rodeados por uma cerca; nas cabanas tão lustrosas dos Mundang. Admirável nitidez das pessoas nuas. Absoluta correção de porte, perto do qual tudo que está vestido parece troca-tintas ou vagabundo. Que bagunça horrível, nossas civilizações.

"Híbrido de etnografia e literatura, A África fantasma ficou mesmo conhecido por seu tom marcadamente confessional. Entre 1931 e 1933, ao exercer a função de "secretário-arquivista" da Missão Etnográfica e Linguística de Dacar a Djibuti que atravessou a África do Atlântico ao Mar Vermelho, Michel Leiris [1901-1990] registrou diariamente o cotidiano de uma equipe interdisciplinar liderada pelo antropólogo Marcel Griaule. Entraves diplomáticos, rituais funerários, furtos de objetos sagrados, sacrifícios, sonhos, erotismo e até o esboço de uma ficção fazem parte deste livro monumental, ponto de inflexão na obra de Leiris rumo a uma prosa autobiográfica". [da contracapa do livro]

Michel Leiris – A África fantasma [excerto]


fonte : Sandro Brincher
Uma daquelas leituras que valem cada uma das 688 páginas. Lançado no Brasil pela Cosac Naify em 2007 com Tradução de André Pinto Pacheco e introdução de Fernanda Arêas Peixoto.

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