CRÍTICA CIÊNCIA POLÍTICA
Revoltas populares no mundo árabe conferem nova atualidade a
clássico
OTAVIO FRIAS FILHO
DIRETOR DE REDAÇÃO
Clássicos são os livros que se renovam a cada época. A onda
de revoltas populares em curso no mundo árabe confere nova atualidade a esta
reedição das memórias de Tocqueville em torno da Revolução de 1848 na França.
Deputado e ministro durante aquele período tumultuoso,
Tocqueville redigiu as recordações quando o advento da ditadura de Napoleão 3º
(1851) lançou políticos moderados como ele no ostracismo. Não pretendia
publicá-las, o que terá contribuído para o tom confessional adotado no escrito.
Mas este não é apenas o relato minucioso de uma revolução
enquanto se desenrolava, nem seu autor foi somente um parlamentar
liberal-conservador.
Alexis de Tocqueville (1805-1859) é um dos principais
pensadores políticos da modernidade.
Sua crítica à democracia de massas, imbuída de admirável
argúcia histórica e sociológica (embora lhe faltasse a dimensão econômica),
ecoa até hoje. E seu texto é o de um escritor, sem abstrações nem jargão
acadêmico.
A ideia essencial de Tocqueville é que a modernidade
acarreta necessariamente a democratização do poder político e a redução das
desigualdades. Desse aspecto desejável decorrem, porém, dois riscos. O primeiro
é que a maioria venha a exercer uma forma inédita de ditadura
"democrática", capaz de suprimir a liberdade e o direito à
discordância.
O outro risco é que um líder populista (ele pensava em
Napoleão 3º, modelo de autocrata moderno também para Karl Marx) possa encarnar
a vontade da maioria, legitimando-se por mecanismo plebiscitário até converter
a ditadura "democrática" em despotismo pessoal.
Além da Grande Revolução de 1789, houve revoltas
democratizantes na França em 1830 e em 1848 (haveria outra em 1870).
Tocqueville insiste que todas essas insurreições são "apenas uma (...) que
nossos pais viram começar e, segundo toda probabilidade, nós não veremos
terminar."
A revolução é sempre a mesma porque seu sentido igualitário
não muda. Mas é também a mesma por gerar mitos e ilusões que se repetem a cada
onda.
Assim, toda revolução segue um movimento pendular, em que a
ruptura inicial se acelera numa direção cada vez mais extrema.
Alcançado, porém, um enigmático ponto de saturação, o
pêndulo se detém e começa um brutal movimento na direção inversa, rumo à
restauração. Essa é a farsa que se repete; seu saldo histórico não é nulo, pois
a restauração nunca é completa. No entanto, a comédia é também tragédia pela
sanguinolência inevitável dos acontecimentos.
Como conservador que era, Tocqueville preferia a lenta
evolução dos costumes, a sedimentação cumulativa das experiências, que as
revoluções expressam e impulsionam, mas também desbaratam.
Ao lado de "Democracia na América" e "O
Antigo Regime e a Revolução", seus dois livros famosos, as
"Lembranças de 1848" não deveriam faltar na estante do estudioso de
história ou ciência política. E são leitura prioritária para quem quer conhecer
o mecanismo das revoluções e a dança macabra que ele comanda.
LEMBRANÇAS DE 1848
AUTOR Alexis de Tocqueville
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Modesto Florenzano
QUANTO R$ 28,50 (392 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
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