Arthur Schopenhauer tinha problemas com a mãe, e isso lhe
marcou a vida para sempre. Já li alguma coisa dele e a respeito dele, mas
talvez o que tenha gostado mais seja um volume que o meu amigo Guilherme, da
Beco dos Livros, enviou-me dias atrás. Trata-se de uma alentada biografia
escrita pelo alemão Rüdiger Safranski, um professor de Berlim. Nesse livro está
reproduzido um extenso trecho de uma carta de Johanna, a mãe de Schopenhauer,
para o filho, quando ele ainda era jovem e ainda não havia rompido com ela.
A carta é famosa. Johanna faz uma crítica corrosiva ao filho
e, ao mesmo tempo, lhe dá conselhos que poderiam ajudá-lo bastante, se os
acatasse. A análise da mãe de Schopenhauer é tão arguta que serve para qualquer
pessoa, em qualquer época, inclusive eu e você. Vou reproduzir abaixo um pedaço
ácido de sabedoria e de franqueza:
“Tu não és um homem mau, não estás desprovido de inteligência,
nem de educação, em suma, dispões de tudo que poderia fazer de ti um modelo e
exemplo para a sociedade humana. Conheço muito bem os teus sentimentos e sei
que existem poucos melhores do que tu, mas és também aborrecido e insuportável
em outros sentidos e acho muito difícil conviver contigo.
Todas as tuas boas qualidades são empanadas porque te julgas
‘esperto demais’ e essa arrogância não te serve para nada nesse mundo,
simplesmente porque não podes controlar essa tua mania de querer saber mais do
que os outros, de encontrar defeitos em toda parte, menos em ti mesmo, de
querer controlar tudo e de te achar capaz de melhorar as pessoas com que te
relacionas.
Isso serve apenas para exasperar os que se acham ao redor de
ti, ninguém está interessado em ser assim ensinado e melhorado de uma forma tão
violenta, menos ainda por um indivíduo tão insignificante como ainda és;
ninguém pode suportar uma censura vinda de alguém que ainda demonstra tantas
fraquezas em seu caráter pessoal e muito menos pode gostar dessa tua maneira de
criticar os outros em um tom oracular, definindo tudo à tua maneira, sem
admitir a menor objeção.
Se fosses menos instruído e inteligente do que és, serias
simplesmente ridículo; mas, mesmo que reconheçam tuas qualidades, continuas
extremamente irritante. Os seres humanos, em geral, não se portam com maldade
quando não se sentem atacados”.
Entre tantas verdades ditas por Johanna em sua carta, há
duas que chamam mais a atenção:
1. Quando ela observa que o filho tem a tendência de ver e
apontar os defeitos das outras pessoas.
2. É a frase que encerra o parágrafo: “Os seres humanos, em
geral, não se portam com maldade quando não se sentem atacados”.
As sentenças se completam. Uma decorre de outra. As pessoas
se sentem atacadas quando surge alguém que tem o hábito de ver e apontar os
seus defeitos e, sentindo-se atacadas, se portam com maldade e, portando-se com
maldade, acabam demonstrando com ainda maior clareza os seus defeitos, que são
apontados por quem tem o hábito de assim o fazer, e a coisa nunca mais cessa,
para todo o sempre.
É muito difícil compreender esse ensinamento de madame
Schopenhauer, apesar da sua simplicidade. Você pode ver as pessoas pelo lado
bom ou pelo lado ruim. Isso depende de você, não das pessoas. Logo, o que é bom
e o que é ruim não está nelas, mas em você, que as vê.
Pegue como exemplo alguns dos profissionais mais bem
remunerados e com maior prestígio do Brasil: os técnicos de futebol. Como é
que, ganhando 500, 600, 700 mil reais por mês, alguns deles se portam de forma
tão ranzinza, agressiva e amarga? É porque eles não ouvem o elogio, ouvem a
crítica. Deixam-se abalar pelo que existe de negativo, jamais se elevam pelo
que há de positivo em sua atividade. São poucos os que aprendem. Celso Roth aprende.
Vejo Celso Roth evoluindo a cada jogo e a cada entrevista.
Prova de inteligência, que é mais importante do que conhecimento. Schopenhauer
precisou criar um sistema filosófico para superar o desamor da mãe e, por fim,
encontrar a paz. Celso Roth, como qualquer bom técnico de futebol, não
precisará de tanto para encontrar a vitória
DAVID COIMBRA - : 13 Sep 2011
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