quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Acordo Sykes-Picot na origem do caos no Oriente Médio


Divisão entre franceses e britânicos de territórios do antigo Império Otomano firmada há cem anos, durante a Primeira Guerra Mundial, gerou tensões e conflitos que só se agravaram com a passagem das décadas.

Os cem anos do acordo Sykes-Picot

Há exatos cem anos, em 16 de maio de 1916, em plena Primeira Guerra Mundial, a França e o Reino Unido partilharam entre si vastas áreas do Império Otomano, já antecipando a própria vitória e sem qualquer consulta aos habitantes da região. O tratado secreto dessa partilha ficou conhecido como Sykes-Picot, em alusão aos diplomatas que o negociaram, o inglês Mark Sykes e o francês François Georges-Picot.

Aos franceses caberia um território do sudeste da atual Turquia até o Líbano, passando pelo norte do Iraque e pela Síria. Os britânicos regeriam o sul e o centro do Iraque. As terras contidas entre esses dois territórios – englobando a atual Síria, a Jordânia, o Iraque ocidental e o nordeste da Península Árabe – seriam um reino árabe sob mandato anglo-francês.

Também a Alemanha desempenhou um papel pouco louvável nessa negociata. Aliada do Império Otomano, ela queria enfraquecer por meios militares os seus inimigos na Primeira Guerra. Juntamente com o califa de Istambul, autoridade religiosa suprema dos sunitas, os alemães conclamaram os árabes à jihad, a "guerra santa" contra os britânicos.

Estes, em contrapartida, selaram uma aliança com o xarife Hussein bin Ali, segunda maior autoridade religiosa depois do califa, na qualidade de guardião das cidades sagradas de Meca e Medina, na atual Arábia Saudita.

Domínio anglo-francês sob fachada árabe

Em outubro de 1915, Henry McMahon, alto comissário da Grã-Bretanha no Egito, fez uma oferta sedutora ao xarife Hussein: se os árabes apoiassem seu país, este os ajudaria a fundar seu próprio reino. "A Grã-Bretanha está pronta a reconhecer e apoiar a independência dos árabes dentro dos territórios nos limites e fronteiras propostos pelo xarife de Meca", declarava McMahon numa carta.

A aliança foi firmada. O líder dos árabes era o filho do xarife, Faiçal bin Hussein. Apoiado pelo agente britânico Thomas Edward Lawrence – conhecido como "Lawrence da Arábia" – ele conseguiu forçar a retirada dos otomanos.

Após o fim da Primeira Guerra, a nova ordem geopolítica no Oriente Médio foi negociada na Conferência de Paz de Paris, em 1919. Engajado pela causa árabe, Faiçal comentaria: "Estou confiante de que as grandes potências colocarão o bem-estar do povo árabe acima de seus próprios interesses materiais."
No entanto, ele se enganava. A França e a Grã-Bretanha se aferraram à divisão territorial já acordada: deveria haver Estados árabes, sim, mas sob influência anglo-francesa.

Como comentou o então ministro do Exterior britânico, George Curzon, a questão era ocultar os interesses econômicos de seu país atrás de uma "fachada árabe", "governada e administrada sob direção britânica, controlada por um maometano nato e, se possível, por uma equipe árabe".


 Mapa original do acordo secreto Sykes-Picot


Novos Estados, futuros conflitos

A importância dos pactos firmados durante a Conferência de Paris foi abrangente e de longo alcance. Além de resultar na fundação da Síria e do Iraque, um mandato da Liga das Nações ratificado em 1923 confirmava a criação de um novo Estado, o Líbano.
Outro mandato previa "o estabelecimento de um Lar Nacional para o povo judaico na Palestina", base para o futuro Estado de Israel. Em Paris, Faiçal declarara: "Eu asseguro que nós, árabes, não guardamos qualquer ressentimento étnico ou religioso contra os judeus, como o que infelizmente predomina em outras partes do mundo." Contudo, essa boa vontade logo fracassaria diante de uma realidade cruel.

Também em 1923, a Grã-Bretanha separou a Transjordânia da Palestina, criando as bases para a atual Jordânia. Já em 1899 os ingleses haviam transformado o Kuwait em seu protetorado. Após o fim da Primeira Guerra, o declararam "emirado independente sob proteção britânica".

Reflexos atuais

O resultado final de tais reviravoltas geopolíticas na região foi a série de guerras e conflitos que perdura até hoje: a crescente tensão entre israelenses e palestinos, ocasionalmente explodindo em guerras; a guerra civil libanesa de 1975 a 1990; a Guerra do Golfo; os choques, igualmente com características bélicas, nos territórios curdos da Turquia e do Iraque, mais tarde também na Síria.

Tudo isso culminou na fatal invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003. A má gestão que se seguiu endureceu os fronts de caráter religioso, redundando no nascimento da organização terrorista "Estado Islâmico" (EI). Além de ocupar territórios iraquianos, o EI se alastrou para a Síria, dilacerada pela guerra civil.

A rigor, nem todos esses desdobramentos remontam exclusivamente à divisão do Oriente Médio no início da década de 1920. No entanto, nessa época foi lançado o fundamento de uma nova ordem regional que se mostrou solo fértil para tensões geopolíticas, revoltas e guerras.



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