166. (Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa)
"Se considero com atenção a vida que os homens vivem,
nada encontro nela que a diference da vida que vivem os animais. Uns e outros
são lançados inconscientemente através das coisas e do mundo; uns e outros se
entretêm com intervalos; uns e outros percorrem diariamente o mesmo percurso
orgânico; uns e outros não pensam para além do que pensam, nem vivem para além
do que vivem. O gato espoja-se ao sol e dorme ali. O homem espoja-se à vida,
com todas as suas complexidades, e dorme ali. Nem um nem outro se liberta da
lei fatal de ser como é. [...]
"Serei sempre, em verso ou prosa, empregado de
carteira. Serei sempre no místico ou no não-místico, local e submisso, servo
das minhas sensações e da hora em que as ter. Serei sempre, sob o grande pálio
azul do céu mudo, pajem num rito incompreendido, vestido de vida para
cumpri-lo, e executando, sem saber porquê, gestos e passos, posições e
maneiras, até que a festa acabe, ou o meu papel nela, e eu possa ir comer
coisas de gala nas grandes barracas que estão, dizem, lá em baixo ao fundo do
jardim."
trecho do fragmento 166, do seu "Livro do
desassossego", sob a alcunha de Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros
na cidade de Lisboa:
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