Vania L Cintra
“Riobaldo, a colheita é comum, mas o capinar é
sozinho...” (Guimarães Rosa em momento de invejável lucidez).
Sem pretensões a demonstrar aqui qualquer
pseudo-cientificidade tão distante de meu muito pouco e muito empírico saber,
eu diria que um dos muitos mitos que vêm fazendo dos cânones do “progresso”
(??) um complexo instrumento de absoluto retrocesso é o da possibilidade de que
tenhamos 2 registros ou 2 códigos mentais, um para a comunicação escrita, outro
para a comunicação oral. Talvez alguém possa acreditar que tenhamos também um
3º registro ou código que utilizamos apenas para pensar. Ou vários registros ou
códigos que correspondam a linguagens diferentes, que seremos capazes de isolar
perfeitamente ao nos dirigir a pessoas mais cultas ou menos cultas, ao ouvir,
ler, escrever ou falar em diferentes idiomas estrangeiros, ao tocar diferentes
instrumentos musicais etc. etc.
Assim, quem procure falar Português corretamente em todas e
quaisquer ocasiões - ou procure fazer qualquer outra coisa tal como deve e
precisa ser feita, contas exatas, por exemplo... - poderá ser, pelos
“progressistas”, apontado como purista, como pedante ou até mesmo como
reacionário.
O mesmo mito incluirá o pressuposto de que podemos fragmentar
nossos processos mentais, isolando-os todos e cada um deles de forma a produzir
coisas diferentes que nenhuma conexão guardem entre si e/ou que nada tenham a
ver com nossas convicções a respeito de qualquer assunto, com nosso passado,
com nossas ambições, com nossas projeções etc. etc. também por exemplo.
A mente, no entanto, é um todo, um todo íntegro e totalmente
articulado. O que nos permite, à falta de um elemento mais adequado, recorrer a
metáforas, a analogias ou a outro elemento qualquer que, embora muitas vezes
não o seja, pareça-nos similar ao que se mostra necessário e/ou ser seu substitutivo
e nos “quebre o galho”. De “quebra-galho” em “quebra-galho”, porém, cada vez
menos buscamos o mais adequado e cada vez mais tenderemos a substituí-lo por
qualquer coisa que signifique qualquer coisa.
Daí que... em que direção estará indo o nosso "avanço",
o nosso “progresso”?
O saber, o cuidado e os demais elementos presentes no
processo de pensar (e no de refletir, por suposto) serão sempre os mesmos
saber, cuidado e demais elementos presentes no processo que nos permite querer
externar o pensamento (e promover a reflexão, por suposto); portanto, serão os
mesmos elementos presentes no processo de comunicação, independentemente do
grau de facilidade nele encontrado por cada indivíduo. E também estarão
presentes no processo de criação, de produção material etc. etc. São, todos
eles, processos em e de um único sistema mental.
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