sexta-feira, 12 de julho de 2019


Ser escritor não é vocação, chamado divino ou destino. Ser escritor é decisão. Em determinado momento da vida, geralmente depois da leitura de livros ou de um livro em especial, alguém decide ser escritor. E em cima dessa decisão, outras decisões são tomadas: um certa disciplina de leituras, estudo de línguas, determinada faculdade ou profissão -- tudo em função de favorecer a opção fundamental: tornar-se escritor. O escritor poderá a vir trabalhar como publicitário, jornalista, professor, advogado, o escambau, mas essa 'profissão' sempre será subsidiária diante da decisão maior de ser escritor. Ele pode até passar anos sem escrever, mas estará sempre acumulando forças para o grande livro que escreverá um dia. Mesmo quando ele está vivendo, ele não vive simplesmente pela vida. Ele vive para acumular experiências para enriquecer sua escritura. Nesse sentido ele vampiriza-se a si mesmo e aos outros. Ele pode estar na maior fossa, sozinho num quarto de hotel ou numa estação deserta, depois que seu amor o deixou -- e mesmo em meio a dor ele estará pensando: como posso transformar isso num poema ou na cena de um romance?
Assim, tornar-se escritor não é necessariamente decidir-se a escrever livros, mas orientar a sua vida de tal maneira que o objetivo de vir a escrever livros não seja prejudicado. Boa parte da energia libidinal do escritor será canalizada para este objetivo, às vezes a tal ponto que faltará energia para outras áreas vitais. Não é que o escritor esteja condenado a ser um fracassado na vida, mas suas energias estão voltadas de tal maneira para sua decisão que chegam a faltar em outras áreas, muitas vezes mais necessárias na luta cotidiana pela vida. Quem não entende isso, não sente isso, pode até escrever livros e ser reconhecido socialmente como escritor, mas nunca o será de fato. Muitos podem alegar que há aqui uma certa herança do cristianismo e de suas ideias de sacrifício e abnegação. Não nego. A literatura não é um evento solto no ar da não-história. A literatura é fruto de uma longa construção histórica que teve suas raízes lá na Grécia antiga e cuja configuração atual se determinou em algum momento entre os séculos XVIII e XIX. Faz parte dessa construção a ideia de que o escritor é um santo sem fé num mundo sem deuses cujo último sucedâneo do sagrado não é necessariamente o fetichismo do livro literário mas o própria decisão de tornar-se escritor. E se a literatura perdeu sua relevância no mundo contemporâneo, este gesto só se reveste de maior heroísmo ainda. E só o herói é belo.

Otto Leopoldo Winck

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