Ser escritor não é vocação, chamado divino ou destino. Ser
escritor é decisão. Em determinado momento da vida, geralmente depois da
leitura de livros ou de um livro em especial, alguém decide ser escritor. E em
cima dessa decisão, outras decisões são tomadas: um certa disciplina de
leituras, estudo de línguas, determinada faculdade ou profissão -- tudo em
função de favorecer a opção fundamental: tornar-se escritor. O escritor poderá
a vir trabalhar como publicitário, jornalista, professor, advogado, o escambau,
mas essa 'profissão' sempre será subsidiária diante da decisão maior de ser
escritor. Ele pode até passar anos sem escrever, mas estará sempre acumulando
forças para o grande livro que escreverá um dia. Mesmo quando ele está vivendo,
ele não vive simplesmente pela vida. Ele vive para acumular experiências para
enriquecer sua escritura. Nesse sentido ele vampiriza-se a si mesmo e aos
outros. Ele pode estar na maior fossa, sozinho num quarto de hotel ou numa
estação deserta, depois que seu amor o deixou -- e mesmo em meio a dor ele
estará pensando: como posso transformar isso num poema ou na cena de um
romance?
Assim, tornar-se escritor não é necessariamente decidir-se a
escrever livros, mas orientar a sua vida de tal maneira que o objetivo de vir a
escrever livros não seja prejudicado. Boa parte da energia libidinal do
escritor será canalizada para este objetivo, às vezes a tal ponto que faltará
energia para outras áreas vitais. Não é que o escritor esteja condenado a ser
um fracassado na vida, mas suas energias estão voltadas de tal maneira para sua
decisão que chegam a faltar em outras áreas, muitas vezes mais necessárias na
luta cotidiana pela vida. Quem não entende isso, não sente isso, pode até
escrever livros e ser reconhecido socialmente como escritor, mas nunca o será
de fato. Muitos podem alegar que há aqui uma certa herança do cristianismo e de
suas ideias de sacrifício e abnegação. Não nego. A literatura não é um evento
solto no ar da não-história. A literatura é fruto de uma longa construção histórica
que teve suas raízes lá na Grécia antiga e cuja configuração atual se
determinou em algum momento entre os séculos XVIII e XIX. Faz parte dessa
construção a ideia de que o escritor é um santo sem fé num mundo sem deuses
cujo último sucedâneo do sagrado não é necessariamente o fetichismo do livro
literário mas o própria decisão de tornar-se escritor. E se a literatura perdeu
sua relevância no mundo contemporâneo, este gesto só se reveste de maior
heroísmo ainda. E só o herói é belo.
Otto Leopoldo Winck
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