Há um mantra no debate sobre o ensino básico brasileiro de
que toda a sociedade deve participar dessa discussão. Clamam por todo tipo de
opinião para superarmos os problemas da educação. Vou defender neste texto que
esse tipo de ideia é o grande obstáculo para as soluções necessárias, pois
acaba por eliminar do debate o principal autor: o professor da educação básica.
A variedade de instituições, órgãos e profissionais que
participam do debate para a melhoria da educação brasileira é única no mundo.
Participam o Banco Mundial, Unicef, ONGs, empresas, empreendedores, pastores,
padres, socialites, banqueiros, professores universitários etc. Muita gente querendo
dar seu pitaco. É neste “grande debate” que o professor escolar perde a vez, já
que ele é muito desvalorizado por toda a sociedade, não só pelos políticos.
Essa desvalorização pode ser vista na ausência dos professores secundaristas na
mídia. Peço ao leitor para tentar lembrar ou pesquisar algum colunista de
jornal ou revista de grande circulação que seja professor de escolar. Eu não
conheço. Alguém lembra se algum professor da educação básica já ocupou o centro
do programa Roda Viva, da TV Cultura? Nunca vi sequer participarem da bancada.
Em reportagens sobre educação, dificilmente um professor do ensino básica é
ouvido para dar opinião e apresentar propostas. Na imensa maioria das vezes, só
é ouvido para relatar violências e coisas do tipo. A apresentação de propostas
só é concedida para membros de ONGs, celebridades, professores universitários,
políticos, psicólogos e os ditos especialistas.
O resultado dessa espécie de censura é o desconhecimento das
demandas necessárias para resolver os problemas da educação básica. Isso porque
quem dita as ações educacionais não sabe nada ou quase nada do que acontece na
escola e em suas salas de aula. Desconhecem, por exemplo, que a escola pública
brasileira é administrada para diminuir ao máximo o trabalho de pedagogos,
diretores e funcionários de secretarias de educação. E a melhor maneira de se
fazer isso é jogar todas as responsabilidades para o professor. Se o aluno tira
nota ruim, é mais fácil culpar o professor do que conversar com o aluno e seus
pais. Imagine se os pedagogos tivessem de conversar com mais de 50% dos alunos
e pais sobre notas ruins. Haja reuniões! É bem mais fácil o professor dar
provas mais fáceis. Se o aluno comete indisciplinas em sala de aula, é mais
fácil pressionar o professor para suportar o comportamento do aluno do que
tentar discipliná-lo. Pois o diretor vai ter de marcar reunião com os pais do
aluno, que podem ser muito desrespeitosos. Isso dá trabalho. Como dá trabalho
também suspender alunos com indisciplinas graves. Dizem que a secretaria pode
“pegar no pé”. Em todas essas situações, o ensino é deixado de lado para dar
lugar a outros interesses. Aí, podem contratar os melhores professores do mundo
que não darão jeito. Podem comprar tablets, diminuir as disciplinas, implantar
métodos de ensino revolucionários que não vai adiantar.
É preciso que o professor escolar seja o condutor maior do
ensino básico brasileiro. O autor da aula é o professor. Ele é quem mais tem
contato com o aluno no tratamento do conteúdo apresentado. Assim, é ele que tem
mais propriedade para apontar as dificuldades de aprendizado dos alunos e
propor as medidas adequadas para garantir o aprendizado do conteúdo. Mas o que
se vê são outros profissionais e cidadãos ditando as ações educacionais. E, na
maior parte das vezes, falam sobre o que não sabem (conteúdo) e sobre o que não
veem (atividades dos alunos).
Antes de mais nada, é preciso permitir que o professor exija
que o estudante estude. Se o professor não pode cobrar leitura, exercícios e
disciplina, não consegue expor conteúdos e orientar os alunos. Nessa situação,
o professor não exerce sua função e o estudante não exerce a dele.
Vejam que nem sua função básica a educação brasileira
consegue executar. A sociedade quer colocar banco de couro em carro sem chassi.
E termina por conseguir duas coisas: permitir todo tipo de maus-tratos para com
o professor dentro da escola, com professores sendo sistematicamente
desrespeitados e agredidos verbalmente pelos alunos, como também cotidianamente
assediados moralmente por pedagogos e diretores; e deformar o intelecto e a
moral dos alunos. Os alunos saem da escola analfabetos funcionais e marginais
das regras e leis da sociedade.
Thiago Melo
in O básico da realidade
Texto originalmente publicado no jornal Gazeta do Povo:
http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/a-censura-aos-professores-da-educacao-basica-ejbhpsmsu2c930nf2v7g8n5fy
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