Principal obra do filósofo alemão é possivelmente uma das
mais citadas mundo afora – mas não necessariamente a mais lida. Em entrevista à
DW, jornalista econômico aponta os prós e contras do livro na era da
globalização.
Karl Marx
Karl Marx nasceu em Trier, na Alemanha, em 1818
Há exatos 150 anos era lançado O capital, de Karl Marx
(1818-1883), um obra que hoje tem um status quase mítico. Com base em seu
conteúdo – ou pelo menos em seu nome – travaram-se revoluções e ergueram-se
sistemas político-sociais. Ainda hoje, o gigantesco retrato de Marx ocupa lugar
de honra na principal praça de Pequim, ao lado de outros pensadores do
comunismo. Mas que relevância ainda podem ter as ideias marxistas no mundo
contemporâneo?
O jornalista alemão Bernd Ziesemer, autor do livro Karl Marx
für jedermann (Karl Marx para todo o mundo), publicado em 2012, defende a tese
que Marx pode ser visto como teórico pioneiro da globalização.
Em entrevista à DW, Ziesemer, que foi editor-chefe do jornal
econômico Handelsblatt, considera, porém, que O capital se baseia num erro de
raciocínio e não é necessariamente a obra marxista de leitura obrigatória.
DW: Em 2012 o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ)
publicou uma série com o fim de aproximar grandes economistas do cidadão comum.
Quem ficou encarregado de Karl Marx foi justamente o senhor, um defensor do
livre-mercado. Como isso ocorreu?
Bernd Ziesemer: "Há trechos em 'O Capital' em que Marx
diz que vitória mundial do capitalismo fará desaparecer velhas tradições e
resquícios feudalistas"
Bernd Ziesemer: Há dois motivos: na minha juventude eu não
era liberal econômico, mas sim comunista, e na época lia Karl Marx com os
óculos ideológicos de um esquerdista. Mais tarde, de fato, me desenvolvi como
liberal e conservador e sempre tive a intenção de me ocupar dos livros que
havia lido na juventude. E foi o que eu fiz. Na época, disse ao FAZ: "Provavelmente
sou a única pessoa na Alemanha que leu as principais obras de Marx duas
vezes."
Na China, aprendi na disciplina escolar Economia Política
que o operário vende sua força de trabalho ao capitalista e recebe um salário
em troca. A diferença entre o valor que ele gerou e o seu ordenado é a
mais-valia. O capitalista tenta manter o salário tão baixo quanto possível, a
fim de maximizar a mais-valia. Em algum momento, essa exploração fica tão
insuportável que os operários se rebelam e derrubam o capitalismo. Isso vale
como um resumo aproximado de O capital?
Pode-se dizer que sim, embora O capital seja uma obra
incrivelmente ramificada. Mas a tese central é, de fato, que os trabalhadores
são explorados, que a única saída é a revolução. Quando Karl Marx escreveu O
capital, ele tinha duas metas: queria contradizer a economia clássica num ponto
central, e queria dar ao movimento operário uma base teórica para a derrubada
do capitalismo.
Durante toda a vida, Marx de fato esperou o colapso do
capitalismo e profetizou a vitória do comunismo. Nenhum dos dois ocorreu. Qual
foi seu erro de raciocínio?
Acho que toda a teoria dele se baseia num erro de
raciocínio. Ele viu na mão de obra como a única fonte de valia, deixando de
perceber que o capitalismo não funciona através da exploração dos
trabalhadores, mas sim de um constante avanço tecnológico. No cerne de sua
teoria, ele subestimou as outras fontes de riqueza, ou seja, a inovação, a
iniciativa empresarial e o progresso tecnológico.
É interessante que há trechos em O Capital, ou também no
Manifesto comunista, em que ele diz que a vitória mundial do capitalismo fará
desaparecer todas as velhas tradições e resquícios feudalistas. Por isso
avancei a tese que podemos entender Karl Marx como primeiro verdadeiro teórico
da globalização.
Karl Marx teria sido melhor economista se não se visse um
revolucionário praticante?
Ele praticamente viveu três vidas. A mais importante delas
era, para ele, a de revolucionário. Em segundo lugar, foi economista, e em
terceiro, filósofo. Durante o trabalho em O capital, que se prolongou por mais
de dez anos, em algum momento ele notou que chegara a um beco sem saída, que
não conseguia dar o grande lance. Não se deve esquecer que O capital foi
planejado em três volumes, mas só o primeiro foi publicado durante a vida do
autor. O segundo volume, Friedrich Engels conseguiu até certo ponto concluir,
com base nos esboços preliminares. O terceiro é, na verdade, só um aglomerado
de pensamentos formulados pela metade. Nesse sentido, não existe uma obra
econômica conclusa de Karl Marx.
É verdade que Marx não tinha nem o dinheiro para enviar a
primeira parte de O Capital ao editor pelo correio?
Correto. Em cartas a Engels, ele escreveu diversas vezes: o
açougueiro está à porta e quer que as contas sejam pagas, e nós não temos um só
shilling em casa. E se não me enviares dinheiro imediatamente, vou ter que ir
para a prisão. Também ao escrever O capital, ele tinha bem pouco dinheiro à
disposição. Sua situação econômica só mudou mais tarde, quando Engels recebeu a
herança da família e praticamente concedeu uma espécie de pensão a Marx. Nos
últimos anos de vida, Marx podia contar com um rendimento relativamente
garantido, mas no meio tempo houve essas fases da mais amarga pobreza.
Primeira edição de "O capital", escrito numa época
de penúria na vida de Marx
Ele certamente não poderia imaginar que, 150 anos depois da
publicação de O capital, ainda seria reverenciado num país bem distante. O
retrato de Marx continua pendurado na Praça da Paz Celestial de Pequim. Como o
senhor vê o papel dele na China?
Acho que o marxismo chinês se desenvolveu, em grande parte,
sem conhecimento preciso da obra de Karl Marx. A meu ver, nos primórdios do
Partido Comunista da China, muitas das ideias marxistas não tiveram a menor
influência; parte de suas obras nem havia sido traduzida. Minha impressão é que
existe uma veneração a Karl Marx na China, mas que ela não se baseia num
conhecimento difundido da obra dele.
Estudantes de economia devem ler O capital? Quão atual é
Karl Marx?
Não é preciso ler Marx para ser um bom economista. A maioria
de suas teorias ou ficou superada com o passar do tempo ou já era equivocada
desde o início. No entanto ainda vale a pena ler Karl Marx, pois há um grande
número de pensamentos interessantes. Se tem necessariamente que ser O capital,
não sei, pois, sobretudo nos primeiros capítulos, é uma leitura bem árida e
maçante. Na verdade, eu sempre recomendaria que se leia o Manifesto comunista,
que é muito bem escrito e faz parte do cânon da literatura na Alemanha.
Portanto eu o recomendaria mais do que O capital.
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