Parlamento alemão lembra cem anos da deportação e
assassinato de centenas de milhares em meio a debate sobre terminologia. Tabu
parece ter sido quebrado no país, que temia abalar relação com a Turquia e
imigrantes.
Armenien Völkermord
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A precisão terminológica estará em foco no Bundestag (câmara
baixa do Parlamento alemão) nesta sexta-feira (24/04), por ocasião da homenagem
aos armênios deportados e assassinados entre 1915 e 1923. Até agora, somente
poucos deputados alemães usaram o termo genocídio.
A posição oficial do governo alemão foi a de lamentar o
ocorrido, mas a palavra genocídio nunca foi mencionada – nem de forma oral nem
escrita. O termo era tabu, mas isso está mudando. A chanceler federal Angela
Merkel já o proferiu e até mesmo afinou a escolha de palavras com o presidente
alemão, Joachim Gauck. Uma verdadeira sensação, que já era esperada há tempos.
Motivos para a contenção verbal existem há décadas. O
Partido Social Democrata (SPD), bastante enraizado entre a população de origem
turca na Alemanha, teme perder votos se o genocídio dos armênios, algo
indiscutível entre renomados historiadores em todo o mundo, passar a ser a
posição oficial do governo alemão. Genocídio dos armênios é a interpretação
oficial em mais de 20 países, incluindo a França e a Suíça.
Mas a Alemanha tem problemas com a palavra. Em suma: há
tempos que Berlim vem se movimentando com muito cuidado sobre um terreno
político minado. Não se queria estragar a relação com a Turquia, membro da
Otan. O mesmo vale para o relacionamento com os mais de 2 milhões de turcos que
vivem na Alemanha. E há ainda o envolvimento alemão na catástrofe dos armênios,
que pode ser passível de pagamentos de reparações.
Império Otomano
Há fortes indícios de que o destino dos armênios já havia
sido selado em 1914. Naquele ano, o Exército otomano sofreu uma derrota
avassaladora contra as tropas russas. Estima-se que entre 50 mil e 80 mil
turcos tenham morrido na campanha de inverno mal preparada. A Batalha de
Sarikamis é considerada o estopim do genocídio.
Os turcos responsabilizaram os armênios pela derrota,
afirmando que eles lutaram ao lado dos russos ou combateram os otomanos em
ações de guerrilha. Para os turcos, os armênios trabalharam clandestinamente a
favor dos russos, cujo objetivo na época seria estabelecer uma Armênia que se
estendesse até a costa do Mediterrâneo como estado-tampão. A intenção seria
ganhar acesso direto para o mar a partir do Cáucaso. Essa é a versão que se pode
ler até hoje em livros escolares turcos.
No início do século 20, os armênios viviam principalmente no
leste do Império Otomano. Como cristãos, eles representavam o maior grupo
étnico-religioso em algumas regiões. No entanto, não havia um território ou um
Estado exclusivamente armênio. O nacionalismo que emergiu no século 19 e 20 era
menos pronunciado entre os armênios do que em outros grupos étnicos que queriam
liberta-se do jugo do sultão.
"Em geral, a elite armênia defendia a unidade do
Império Otomano. No entanto, num Estado moderno e organizado de forma
pluralista", diz a historiadora berlinense Elke Hartmann, especialista em
Oriente Médio.
No entanto, o decadente Império Otomano culminou num Estado
nacional turco, em detrimento da variedade de etnias. Isso significa que o
surgimento da moderna república turca teve início com o genocídio dos armênios.
No final de abril de 1915, a ação "Envios" se
estendeu por toda a Anatólia. Um termo aparentemente inofensivo do mundo dos
funcionários e administradores não significava nada mais do que deportação.
Intelectuais, políticos e religiosos armênios foram deportados sistematicamente
por Constantinopla, a antiga capital otomana, para a Anatólia, onde foram
assassinados.
A base legal para tal foi uma lei aprovada posteriormente,
em 27 de maio de 1915, tendo como pretexto a afirmação de que os armênios
planejavam uma rebelião em âmbito nacional. As "novas áreas de
assentamento" previstas para os armênios eram o deserto da Síria e a
Mesopotâmia – regiões inóspitas que não ofereciam nenhum meio de subsistência.
"Eles são levados para o deserto. E para lhes retirar
as últimas forças, são forçados a caminhar dias em círculos", consta nos
registros de uma testemunha da época. Na ocasião, foram mortos entre 300 mil e
1,5 milhão de armênios.
Ajuda do Império Alemão
Nenhum outro Estado esteve tão envolvido no destino dos
armênios quanto o Império Alemão – por motivos econômicos e estratégicos. Em 7
de julho de 1915, o barão Hans Freiherrvon Wangenheim, então embaixador alemão
em Constantinopla, enviou um telegrama ao chanceler do Império em Berlim
Theobald von Bethmann-Hollweg. "As circunstâncias e a forma como está
sendo feito o reassentamento mostram que o governo persegue, de fato, o
objetivo de extinguir a raça armênia no Império Otomano", escreveu.
Os alemães foram importantes aliados do Império Otomano,
fornecendo armas e enviando especialistas militares. Eles tinham interesses no
Bósforo. A construção da Ferrovia Berlim-Bagdá, um projeto tão importante
quanto o Programa Apollo dos americanos na década de 1960, serviu como
principal instrumento na luta contra os britânicos no Oriente.
Documentos comprovam que, através dos inúmeros consulados no
Império Otomano, Berlim foi informado sobre todos os detalhes das marchas da
morte dos armênios. Entre esses documentos, está uma das muitas cartas à
chancelaria imperial descrevendo os assassinatos praticados pelos turcos:
"Nosso único objetivo é manter a Turquia como aliada até o fim da guerra,
independente do aniquilamento ou não dos armênios."
Controvérsia sobre a classificação de um crime histórico
Apesar disso, até agora, a Alemanha esteve entre os países,
que, como os EUA e Israel, não classificaram o massacre como genocídio. O
político social-democrata Markus Meckel diz considerar a posição alemã um
escândalo. Por ocasião dos 90 anos do massacre, há dez anos, o Bundestag
desculpou-se em declaração conjunta pelo "papel inglório" da Alemanha
na época.
No entanto, não se falou numa cumplicidade real. O conceito
central de genocídio não aparece no documento. Joschka Fischer, do Partido
Verde, que na ocasião era ministro alemão do Exterior, usou seu poder de veto
para que isso fosse impedido. "Isso não vai entrar" foi seu veredicto
após longas negociações.
A repentina mudança de atitude por parte de Berlim chega a
tempo do 100° aniversário do massacre. No entanto, enquanto a França estará
representada por seu presidente, François Hollande, a Alemanha enviará somente
uma pequena delegação para a cerimônia em Yerevan, capital da Armênia.
Data 23.04.2015
Autoria Volker Wagener (ca)
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