Homem de Ciência e Lutador Socialista
“…Assim como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da
natureza orgânica, Marx descobriu a lei do desenvolvimento da natureza humana
[...] Marx descobriu também a lei específica que move o atual modo de produção
capitalista e a sociedade burguesa criada por ele”. Mas ele não se contentava
com os estudos,com as brilhantes conclusões a que chegava como resultado de
suas investigações. O que considerava a verdadeira missão de sua vida? “…Marx
era, acima de tudo, um revolucionário. Cooperar para a derrubada da sociedade
capitalista, contribuir para a emancipação do proletariado. A luta era seu
elemento.” (Engels, discurso no túmulo de Marx em 17/3/1883).
O interesse pelo estudo, pela pesquisa, para entender os
fenômenos em sua essência e não apenas em sua aparência, acompanhou desde a
mais tenra idade Karl Einrich Marx, que nasceu em Treves (Prússia, Alemanha) no
dia 5 de maio de1818. O pai, Einrich Marx e a mãe, Henriqueta Pressburg eram de
origem judaica. Os primeiros estudos foram no Liceude Treves, mas ele não se
limitava aos ensinamentos da escola. Freqüentava a casa de Ludwig de
Westafalen, funcionário do governo prussiano e homem de vasta cultura. Outro
fator também atraía o garoto: uma bela menina, Jenny, filha do sábio amigo e
também muito interessada em beber na fonte do conhecimento. Com ela, Marx
casar-se-ia aos 26 anos e viveria a vida inteira.
Em 1835, foi para a Universidade de Bonn mas logo se
transferiu para a de Berlim,“centro de toda cultura e de toda a verdade”, como
a classificava o filósofo Hegel. Foi nela que depois de muito estudo, muita
reflexão, se tornou um jovem hegeliano. Marx dedicou-se ao estudo da filosofia,
do direito, da história, da geografia e expressava essa ânsia de saber nas
cartas ao pai e em poesias.
Abandonou cedo os estudos de Direito para aprofundar os
conhecimentos filosóficos e obteve o título de doutor em1841. Tentou uma vaga
de livre docente,mas as universidades prussianas não simpatizavam com livres
pensadores.
A oportunidade de trabalho surgiu quando um grupo de
liberais da Renânia fundou um jornal, a Gazeta Renana e convidou os jovens
hegelianos para a redação. Constatou então que para escrever sobre questões da
atualidade, como as teorias do socialismo francês e as questões agrárias da
Renânia, não bastava o saber filosófico, tornando-se necessário estudar a fundo
a Economia Política e o Socialismo.
Os estudos da economia política e do socialismo levaram Marx
a romper com a visão hegeliana e aderir ao comunismo. Em outubro de 1843,
morando em Paris com Jenny, com quem se casara em setembro daquele ano,
escreveu em Anais Franco-alemães, publicação que dirigiu: “…O sistema de lucro
e do comércio, da propriedade privada e da exploração do homem, acarreta no
seio da sociedade atual, um dilaceramento que o antigo sistema é incapaz de
curar porque ele não cria nem cura, mas apenas existe e goza”.
Anais Franco-alemães publicou um trabalho intitulado Esboço
de uma Crítica da Economia Política, que Max classificou de genial. Era de
autoria de Friedrich Engels, que por sua vez acompanhava com admiração os
escritos de Marx. Os dois se encontraram em Paris em setembro de 1844, ocasião
em que nasceu uma amizade e uma parceria ímpares e fundamentais para a
elaboração da teoria do socialismo científico (Sobre Engels,veja A Verdade nº
47).
Até ser expulso da França em 1845, a pedido do governo
prussiano, Marx conviveu com os operários, conheceu seus movimentos, os
socialistas utópicos e teóricos como Proudhon, com quem estabeleceu uma
polêmica.
Proudhon escreveu A Filosofia da Miséria, obra em que
criticava os utópicos, que pretendiam construir uma nova ordem social “sobre os
sentimentos paradisíacos de fraternidade, de amor, de abnegação”. Propunha ação
concreta, mediante a criação de grupos de produção autônomos, que trocariam
entre si os produtos criados por eles, prescindindo da moeda e estabelecendo
relações de cooperação e solidariedade. As atividades seriam organizadas de acordo
com as necessidades da Comunidade .
Marx respondeu em A Miséria da Filosofia que Proudhon não
compreendeu que as relações sociais entre os homens estão estreitamente ligadas
às forças produtivas. No capitalismo, à medida que a burguesia se desenvolve, surge
um novo proletariado; uma luta é travada entre a classe proletária e a
burguesia, dado o caráter contraditório do sistema, pois as mesmas condições
nas quais se produz a riqueza se produz a miséria. A única solução justa, diz
Marx, porque provém da situação real, é organizar a classe oprimida para tornar
a luta consciente. No decorrer dessas lutas é que nascerá a nova sociedade;
aliás, ressalta, isso só poderá se suceder quando as forças produtivas tiverem
atingido elevado grau de desenvolvimento.
O Manifesto Comunista e a organização do proletariado
Expulso de Paris, Marx foi para Bruxelas, onde ingressou na
Liga dos Comunistas, organização dos operários alemães imigrados, à qual já
pertencia Engels. A Liga definiu seus princípios e atribuiu a Marx e Engels a
tarefa de dar-lhes forma e fundamentação teórica. Nasceu o Manifesto do Partido
Comunista publicado em 1848, que se tornou a bíblia do movimento operário
revolucionário. O Manifesto trata de três temas essenciais:
1- a história do desenvolvimento da burguesia. Sua obra
positiva e negativa;
2- a luta de classe e o papel do proletariado;
3- a ação revolucionária dos comunistas.
Mal é editado o Manifesto Comunista, eclode a revolução de
1848, que destrona a monarquia reinstalada na França pela burguesia, e se
espalha por toda a Europa. Marx foi imediatamente preso e expulso de Bruxelas.
Engels conseguiu se engajar no movimento revolucionário e participou de várias
batalhas. Com a derrota, deixou o país. Ambos foram viver na Inglaterra, Marx
em Londres e Engels em Manchester, mas comunicavam-se diariamente e voltaram a
ser vizinhos 20 anos depois. Nesse período Marx se dedicou à elaboração de O
Capital, sua principal obra, e aos contatos com o movimento operário.
A idéia surgiu da correspondência entre militantes operários
da Inglaterra e da França e em setembro de 1864 se fundou a Associação
Internacional de Trabalhadores. A mensagem inaugural, redigida por Marx,
destaca a necessidade de uma ação econômica e política da classe operária em
favor da transformação da sociedade. Marx dedicou-se á Internacional de 1865 a
1871, ano em que ela foi dissolvida, graças à ação dos anarquistas seguidores
de Michael Bakunine (ativista russo).
Pai doce, terno e indulgente
Foi a Internacional que levou o jovem militante Paul
Lafargue a conhecer Marx, de quem se tornou discípulo, amigo, admirador e
genro, pois se casou com Laura, uma de suas três filhas (O casal Marx/Jenny
teve seis filhos – quatro meninas e dois meninos-, dos quais só três meninas
sobreviveram [Jenny, Laura e Eleanor]).
É Lafargue quem detalha aspectos da vida pessoal de Marx,
destacando sua energia incansável para os estudos e para a ação. Seu cérebro
não parava e durante as caminhadas que faziam no final da tarde, discorria
sobre questões relativas ao capital, obra que estava elaborando na época e da
qual só redigiu o I Volume, tendo Engels escrito os dois seguintes, a partir
das anotações que o amigo deixou.
Quando cansava do trabalho científico, lia romances,
dramaturgia, conhecia de cor as obras de Shakespeare ou álgebra (chegou a
escrever um trabalho sobre cálculo infinitesimal). Os domingos eram reservados
para as filhas, uma exigência delas. “Pai doce, terno e indulgente, não dava
ordens, pedia as coisas por obséquio, persuadia-as a não fazer aquilo que
contrariasse seus desejos. E como era obedecido! As filhas não o chamavam de
pai e sim de ‘mouro’, apelido que lhe deram por causa de sua cor mate, de sua
barba e dos cabelos negros”.
O proletariado tomou o céu de assalto
Em fins de 1870, o proletariado francês voltava a efervescer
e uma insurreição se anunciava. O Conselho Geral da Associação Internacional
dos Trabalhadores avaliou que não havia amadurecimento das condições objetivas
para assegurar o poder da classe operária e implantar o socialismo e emitiu
resolução redigida por Marx, apelando para que “… utilizem, tranqüilamente e
com energia, os meios que lhes oferecerem as liberdades republicanas a fim de
poderem efetivar a organização de sua própria classe. Isso lhes proporcionará
forças novas e gigantescas para a renascença da França e a realização da tarefa
comum: a libertação do proletariado”.
Mas os operários parisienses não deram ouvidos; cansados da
política antidemocrática, humilhados, no dia 18 de março de 1871 tomaram o
poder e instalaram a Comuna de Paris, anunciando as primeiras medidas de
construção de uma sociedade socialista. A duração foi efêmera, mas rica de
experiências que Marx consolidaria na sua obra A Guerra Civil na França.
A Internacional deu todo o apoio possível ao proletariado
francês em luta, tanto durante a guerra, como depois, protegendo os exilados e
denunciando ao mundo a cruel repressão que a burguesia desencadeou sobre os
operários parisienses e suas famílias.
Os últimos anos
Foram de sofrimento, com as doenças que lhe atingiram e à
mulher, Jenny, que faleceu no dia 2 de dezembro de1881. Ao tomar conhecimento
do fato, Engels comentou: “O mouro morreu também”. E não se enganava. Já
debilitado, com problemas pulmonares , no dia 14 de março de 1883, o genial
pensador faleceu repentinamente enquanto repousava numa cadeira em seu aposento
de trabalho.
No sepultamento, sem cerimonial, como era seu desejo, junto
à esposa, colaboradora e companheira de toda a vida, Engels discursou: “… É
praticamente impossível calcular o que o proletariado militante da Europa e da
América e a ciência histórica perderam com a morte deste homem…”
Legado e atualidade do marxismo
“Os filósofos buscam interpretar o mundo, enquanto nós
queremos transforma-lo”, assim diferenciava Marx o materialismo histórico e
dialético da filosofia clássica e mesmo da hegeliana. E o marxismo tem sido, de
fato, guia para ação dos movimentos revolucionários dos trabalhadores em todo o
mundo.
Apressada, a burguesia comemorou a derrocada dos regimes
ditos socialistas da URSS e do leste europeu no final dos anos 80 e início da
década de 90 e chegou a propalar o “fim da história”, deixando de observar que
a tragédia se deu exatamente porque os dirigentes, atraídos pelo canto de
sereia burguês, se desviaram do marxismo que norteou a Revolução Bolchevique de
1917, dirigida por Lênin, um genial discípulo de Marx.
Mas não demorou e o champanhe foi substituído por lágrimas,
em decorrência dos conflitos que se sucederam nos quatro cantos do mundo e
atingiram o centro do imperialismo.
Ao contrário, a evolução do capitalismo só tem comprovado as
teses marxistas e seu caráter científico.
Globalização: por que a surpresa?
Nas suas jogadas de marketing, os teóricos da burguesia e
seus meios de comunicação apresentaram a chamada “globalização” como algo novo,
avassalador, que suplantaria qualquer resistência e bloquearia qualquer
tentativa de transformação social. Ora, o capitalismo tem caráter mundial desde
o seu surgimento: o que foram as grandes navegações? A colonização? É de sua
essência, como afirmou o Manifesto Comunista, no ano de 1848: “… Pela
exploração do mercado mundial, a burguesia imprime um caráter cosmopolita à
produção e ao consumo em todos os países.”
Os fatos recentes comprovam também que quanto mais se
desenvolve, mais o capitalismo “forja as armas que o levarão à morte”. A
produtividade é cada vez maior, mas o avanço tecnológico que a possibilita
produz um exército permanente de desempregados e comprime os salários dos que
permanecem na ativa, reduzindo assustadoramente o número de consumidores. Por
isso, as crises se repetem em ciclos cada vez menores e atingem tanto a
periferia como os países centrais. Seu declínio e a vitória do proletariado
são, portanto, inevitáveis.
Essa vitória não é automática, entretanto. Ela carece da
ação do proletariado consciente e organizado enquanto classe “para si”, tendo à
frente os comunistas, “parcela mais decidida e avançada dos partidos operários
de cada país” e que têm uma visão internacionalista, capaz de fomentar a união
mundial dos oprimidos, realizando a conclamação com que Marx e Engels
concluíram o manifesto: “Proletários de todos os países,uni-vos”.
Através dos séculos
Para finalizar essa tarefa hercúlea, falar sobre Marx em uma
página queda a minha pena, incapaz de expressar algo diferente ou que se
aproxime, pelo menos, do que proferiu Engels ante o túmulo em que foi
depositado o corpo do grande pensador e herói do proletariado: “…o homem mais
odiado e caluniado pela burguesia morreu venerado e querido, chorado por
milhões de trabalhadores da causa revolucionária. Seu nome viverá através dos
séculos e, com ele, sua obra”.
Luiz Alves Biografia de Karl Marx,
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