domingo, 17 de janeiro de 2016

TRIBULAÇÕES DE UM METECO


De onde venho, não saberia dizê-lo: nos templos, permaneço sem crença; nas cidades, sem ardor; junto a meus semelhantes, sem curiosidade; sobre a terra, sem certezas. Dê-me um desejo preciso e destruirei o mundo. Livre-me desta vergonha dos atos que me faz interpretar, cada manhã, a comédia da ressurreição e cada tarde a do enterro; no intervalo, nada além deste suplício no sudário do tédio... Sonho com querer e tudo o que quero me parece sem valor. Como um vândalo corroído pela melancolia, dirijo-me sem fim, eu sem eu, na direção de já não sei que canto... para descobrir um deus abandonado, um deus que fosse ele próprio ateu, e adormecer à sombra de suas últimas dúvidas e de seus últimos milagres.

(Emil Cioran, "Breviário de Decomposição")

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