Escola é um dos problemas centrais da reprodução da
desigualdade social. Eu só queria ver tantas escolas nas periferias como essas
novas igrejas evangélicas. A responsabilidade pela educação é uma
responsabilidade social, estatal, política, partidária e antes de tudo
comunitária, familiar e individual. Qualquer brasileiro com mais de cinquenta
anos, como eu, viu a vasta construção cultural e material de novas instituições
religiosas no Brasil dos últimos quarenta anos. Novas igrejas pentecostais,
evangélicas, organizadas, lideradas e motivadas principalmente por setores
populares de baixa renda, grupos da classe trabalhadora, principalmente de
novos moradores urbanos, muitos pardos e negros, formaram amplas redes de
igrejas, algumas das quais bastante suntuosas, bem construídas e equipadas,
muito funcionais, abrangentes e com grande capilaridade nas periferias e também
nas áreas rurais. Por que este imenso esforço também não foi destinado à construção
de escolas e faculdades, por que parte dos recursos não formaram apenas
pastores, mas também professores e educadores, com as elevadas captações e
remunerações dos dízimos ? Novidade nos subalternos porque grupos de classes
média e alta são estabelecidos, dificilmente mudam de religião, ou deixam de
investir em educação, como membros do andar de cima. A opção pela deseducação
foi uma opção política, societal, de classes sociais e de grupos étnicos ao
longo da história. Baixa educação significa baixa produtividade e baixa
capacidade cultural crítica, científica e tecnológica. Houve recursos e houve
opções. A nossa primeira classe dominante composta principalmente pela
conquista e colonização portuguesa formou os grandes latifúndios, as vilas
coloniais, a escravidão, mas nunca criou a instituição escola comunitária, com
poucas exceções. Quantos dos nossos antepassados se formaram em Coimbra ? Na
minha genealogia das famílias mais antigas de Santa Catarina, Paraná, São Paulo
e Rio de Janeiro, eu só encontro dois Coimbrões, a educação superior só começou
a se ampliar no início do século XX. Mesmo nesta classe histórica, com famílias
históricas do período colonial, os descendentes dos primeiros povoadores, quem
tem bisavôs, avôs, pais com ensino superior no Brasil ? A opção por uma
educação pública, gratuita e de qualidade foi uma das grandes lutas políticas
dos anos 1950 e 1960. Nos anos 1980 e 1990 houve uma paralisação do setor
público e a retomada do setor privado. Nos últimos 15 anos os governos
progressistas do PT voltaram a priorizar o setor público, mas o substantivo
crescimento orçamentário sempre enfrentou muitas dificuldades e o ritmo de
crescimento sempre esteve aquém das imensas necessidades. Um pai e uma mãe
conscientes farão o máximo possível para investirem na educação dos filhos,
seja nas redes privadas ou nas públicas, em função de suas capacidades. Alunos
de baixa renda e periféricos sofrem os dramas sociais prejudiciais à
escolarização, mas os melhores alunos nas classes média alta e alta jamais
foram definidos apenas pelos critérios da maior renda dentre eles, a partir de
certo patamar valem as notas. Um aluno que passe no vestibular de medicina, por
exemplo, um vestibular dentro do vestibular porque os últimos colocados na
medicina seriam os primeiros nos outros cursos, já demonstra e apresenta uma
dinâmica escolar própria, com o mérito socialmente programado e atingido
somente por alguns a cada ano. Em qualquer sociedade complexa de classes a
seleção dos capitais sociais opera do nascimento à morte. Eu só queria ver
tantas creches e escolas laicas nas periferias como igrejas, escolas bem
aparelhadas, com ar refrigerado, equipamentos funcionais e professores do
ensino básico e médio bem remunerados, nem remunerações tão altas como alguns
desses pastores, mas com salários e poder aquisitivo para terem vidas
confortáveis, dignas como consumidores de produtos culturais e de livros. Então
haveria maciçamente a diferença de quantidade e qualidade que ainda nos falta
nas desigualdades sociais da educação.
Ricardo Costa de Oliveira
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