Frequentemente me pergunto, para ver, quem sou eu - e quem
sou eu no momento em que, surpreendido nu, em silêncio, pelo olhar de um
animal, por exemplo os olhos de um gato, tenho dificuldade, sim, dificuldade de
vencer um incômodo.
Por que essa dificuldade?
Tenho dificuldade de reprimir um movimento de pudor.
Dificuldade de calar em mim um protesto contra a indecência. Contra o mal-estar
que pode haver em encontrar-se nu, o sexo exposto, nu diante de um gato que nos
observa sem se mexer, apenas para ver. Mal-estar de um tal animal nu diante de
outro animal, assim, poder-se-ia dizer uma espécie de animal-estar: a
experiência original, única e incomparável deste mal-estar que haveria em
aparecer verdadeiramente nu, diante do olhar insistente do animal, um olhar
benevolente ou impiedoso, surpreso ou que reconhece. Um olhar de vidente, de
visionário ou de cego extralúcido. É como se eu tivesse vergonha, então, nu
diante do gato, mas também vergonha de ter vergonha. Reflexão da vergonha, espelho
de uma vergonha envergonhada dela mesma, de uma vergonha ao mesmo tempo
especular, injustificável e inconfessável. No centro ótico de uma tal reflexão
se encontraria a coisa - e aos meus olhos o foco dessa experiência incomparável
que se chama nudez. E que se acredita ser o próprio do homem, quer dizer,
estranha aos animais, nus como são, pensamos então, sem a menor consciência de
sê-lo.
JACQUES DERRIDA, "O ANIMAL QUE LOGO SOU" (Editora
Unesp, 2. edição, 2011), tradução de Fábio Landa.
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