quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Um a mais



Um a mais
Um sem motivo
Mas já que os outros
Se perguntam perguntas dos outros
E lhes respondem com palavras dos outros
O que fazer
Além de escrever, como os outros
E hesitar
Repetir
Procurar
Pesquisar
Não achar
Se chatear e dizer
Isto não serve para nada
Valia mais ganhar a vida
Mas a vida, já tenho a minha
Logo, não preciso ganhá-la
Não é um problema, eu asseguro,
E só esta coisa não o é
Pois todo o resto são problemas
Mas todos já estão formulados
Todos se consultaram, todos,
Sobre os mais ínfimos assuntos
Agora eu, o que me resta?
Usaram as palavras fáceis
Belas palavras feitas verbo
Espumantes, quentes, vistosas
Os céus, os astros, as lanternas
E estas brutas lânguidas ondas
Raivam roem rochedos rubros
Tudo em torno trevas e gritos
Tudo cheio de sangue e sexo
Tudo ventosas e rubis
Agora eu, o que me resta?
Em silêncio me perguntar
Sem escrever e sem dormir
Lançar-me a procurar por mim
Sem dizer nem ao zelador
Nem ao anão sob o assoalho
Nem ao paparlante em meu bolso
Nem ao padre em minha gaveta
Preciso urgente me sondar
Sozinho, sem freira rodeira
Que me segure a maçaneta
E me adentre como um polícia
Com cassetete e vaselina
Preciso urgente me enfiar
Um cotonete no nariz
Contra uremia cerebral
E que veja jorrar palavras
Todos se consultaram, todos
Não tenho direito à palavra
Usaram as belas brilhantes
E estão todos bem lá no topo
Onde se guardam os poetas
Com suas liras a pedal
Com suas liras a vapor
Com suas liras de oito relhas
E seus Pégasos nucleares
Não me resta o menor estímulo
Só me restam palavras rasas
Palavras idiotas frouxas
Somente em mim o a os
De por para que quem o quê
É ela ele nós vós nem
Como vocês querem que eu faça
Um poema com esta lei?
Tanto pior, não o farei.


Boris Vian, poemas e canções. Trad. Ruy Proença

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