E por mais que seja pequena, toda e qualquer possibilidade
permanece. Até um movimento reduzido à aparente ausência de movimento. Um movimento,
por exemplo, tão mínimo quanto a própria respiração, o movimento que o corpo
faz quando inala o ar. Num livro de Peter Freuchen que eu li uma vez, o famoso
explorador do Ártico descreve como ficou preso numa nevasca no norte da
Groenlândia. Sozinho, com os mantimentos chegando ao fim, ele decidiu construir
um iglu e esperar que a tormenta passasse. Muitos dias se passaram. Com medo,
acima de tudo, de ser atacado por lobos - pois ele os ouvia se esgueirar
famintos sobre o teto do iglu - ele periodicamente saía e cantava a plenos
pulmões para espantá-los. Mas o vento soprava furioso, e por mais que cantasse
alto, a única coisa que ele ouvia era o vento. Mas se esse era um grande
problema, o problema do iglu era muito maior. Pois Freuchen começou a perceber
que as paredes de seu minúsculo abrigo estavam gradualmente se fechando sobre
ele. Por causa das condições particulares do tempo lá fora, a respiração dele
estava literalmente congelando nas paredes, e com cada exalação, as paredes
ficavam mais espessas, o iglu ficava menor, até que por fim mal havia espaço
para o corpo dele. É certamente coisa assustadora, a ideia de que a sua
respiração possa trancar você num caixão de gelo, e para mim é
consideravelmente mais convincente, digamos, O poço e o pêndulo, de Poe. Pois
neste caso é o próprio homem que é o agente de sua destruição, e mais ainda, o
instrumento daquela destruição é exatamente aquilo de que ele necessita para se
manter vivo. Pois é certo que um homem não pode viver se não respirar. Curiosamente,
eu não lembro como Freuchen conseguiu escapar dessa dificuldade. Mas é
desnecessário dizer que ele escapou.
Paul Auster
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