«O HORROR ECONÓMICO [7]
[...] Desvendam-se aqui os sentimentos reais que os dominadores experimentam pelos outros, seja qual for o regime – e em que base se calculam. Depressa descobriremos, e sem dúvida cada vez melhor, infelizmente, com o tempo, como, segundo esses cálculos, depois de transformado em zero, de excluído se passa a expulso.
O declive é bem inclinado. As agonias do trabalho perdido vivem-se a todos os níveis da escala social. Em cada um deles, são sentidas como uma prova acabrunhante que parece profanar a identidade de quem a sofre. Ocorre de imediato o desequilíbrio, a humilhação (injustificada), e o perigo. Os quadros podem estar sujeitos a isto, no mínimo tanto quanto os trabalhadores menos qualificados. É surpreendente descobrir até que ponto se pode perder rapidamente o pé e como a sociedade se torna severa, como se perdem todos ou quase todos os recursos quando se está destituído! Tudo vacila, se fecha e se afasta ao mesmo tempo. Tudo se fragiliza, mesmo a casa onde se mora. A rua torna-se próxima. Respeitam-se muito pouco os direitos daquele que deixou de ter “meios”. Sobretudo o direito de ser poupado, em qualquer aspecto.
Instalam-se então os limites, a exclusão social. E acentua-se a ausência geral e flagrante de racionalidade. Que correlação razoável pode haver, por exemplo, entre perder um trabalho e ser expulso, ver-se na rua? A punição não tem medida comum com o motivo apresentado, dado como evidente. Que seja tratado como um crime o facto de não se poder pagar, de não se conseguir pagar, é já em si surpreendente, se pensarmos bem. Mas ser castigado dessa maneira, lançado à rua por já não estar em condições de pagar um aluguer porque se perdeu o trabalho, numa situação em que esse trabalho escasseia por toda a parte, manifesta e oficialmente, ou por o emprego que nos está atribuído estar tarifado demasiado abaixo, se comparado com o preço aberrante de alugueres demasiado raros, tudo isso tem o seu quê de demencial ou de uma perversidade deliberada. Tanto mais que nos é exigido um domicílio, para conservar ou encontrar esse trabalho que constitui o único meio de obter um domicílio.
Portanto, resta-nos a rua. A rua, menos difícil, menos insensível do que os nossos sistemas!
Não só é injusto, como é de um absurdo atroz, de uma estupidez consternante, que torna cómicos os modos auto-suficientes das nossas sociedades ditas civilizadas. A menos que isso denuncie também interesses muito bem geridos. De qualquer maneira, morre-se de vergonha. Mas afinal quem passa pela vergonha, chegando por vezes à morte, e estragando sempre a vida?
Ausência de racionalidade? Alguns exemplos:
Isentar de censura as castas afortunadas, dirigentes, neste caso ignoradas, mas acusar certos grupos desfavorecidos por o serem menos que outros. Por serem, em suma, um pouco menos humilhados. Tomar assim as humilhações por modelo pelo qual devemos alinhar – numa palavra, tomar como norma o facto de se ser humilhado.
Considerar também privilegiados, no fundo aproveitadores, os que ainda têm trabalho, mesmo mal pago; portanto, tomar como norma a ausência de trabalho. Indignar-se com o “egoísmo” dos trabalhadores, esses sátrapas que rosnam quando se trata de partilhar o trabalho, mesmo mal pago, com os que o não têm, mas não alargar essa exigência de solidariedade à partilha das fortunas ou dos lucros – o que seria considerado, nos tempos que correm, imbecil, obsoleto e além disso de uma grande falta de educação!
[...]
Outro exemplo: os esforços há muito envidados para se colocar uma parte do país contra a outra parte, declarada vergonhosamente favorecida (agentes públicos, funcionários de base), sem tomar em conta os que de facto o são, a não ser para os designar como “forças vivas da nação”. E considerar essas “forças vivas”, esses dirigentes de multinacionais (amalgamados com os das PME), como os únicos a ousar correr riscos, como se eles fossem aventureiros impacientes por correr perigos incessantes e infinitos, sempre ansiosos por pôr em jogo... não se sabe bem o quê, enquanto os nababos condutores de metropolitano, os novos-ricos encartados empregados dos correios prosperam escandalosamente, em total segurança!
“Forças vivas”, assim denominadas por se supor serem detentoras e produtoras de empregos, mas que, mesmo subvencionadas, isentas de impostos, mimadas para esse fim, não só não criam nenhum ou quase nenhum (o desemprego continua a aumentar), como, mesmo recebendo benefícios (em parte graças às vantagens mencionadas), despendem a torto e a direito.
“Forças vivas”, portanto, antigamente designadas, de forma bastante estúpida, patrões, mas que, de repente, relegam músicos, pintores, escritores, investigadores científicos e outros saltimbancos para o papel de pesos-mortos, sem contar o resto dos humanos, todos convidados a erguer para o brilho de tais constelações humildes olhares de vermes ofuscados.
Quanto aos usurpadores que se refastelam sem vergonha na garantia de um emprego, a sua imunidade ao pânico resultante da precariedade, da fragilidade, do desaparecimento desses mesmos empregos representa um perigo escandaloso. E pior ainda, retardam a asfixia do mercado de trabalho. Ora, asfixia e pânico são o sustento da economia na sua exuberante modernidade, e os melhores garantes da “coesão social”.
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