. Entrevista com Juan Carlos
Monedero
REVISTA IHU ON-LINE
13 Setembro 2016
A rápida visita de Juan Carlos Monedero pela Argentina não
impede o cientista político e fundador do Podemos de analisar a situação de
incerteza que se vive hoje na Espanha, onde o Partido Popular segue sem formar
governo. “Na Espanha, está se gestando outro 15-M, porque basicamente as
instituições ainda não refletem a mudança social que se viveu”, destaca o
ex-secretário do partido nascido em inícios de 2014, após os protestos contra
os ajustes econômicos. O avanço de uma nova onda neoliberal na América Latina é
outro dos processos que preocupa Monedero, pela “procedência autoritária” que
percebe. Na entrevista ao jornal Página/12, o dirigente não hesita em afirmar
que “Mauricio Macri possui uma caligrafia bonita e uma gramática autoritária”.
A entrevista é de Emanuel Respighi, publicada por Página/12,
11-09-2016. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Nas últimas eleições, Podemos alcançou 71 deputados, mas
perdeu um milhão de votos. Como avalia esse processo político?
Somos uma força muito jovem, que enfrentou seis processos
eleitorais em dois anos sem pedir dinheiro aos bancos, com todos os meios de
comunicação e partidos políticos contra, porque éramos a novidade que vinha
impugnar o que eles significavam. Apesar de tudo, obtivemos 5 milhões de votos.
É um apoio que ninguém poderia prever. Rompeu-se o bipartidarismo na Espanha.
Hoje, não temos força suficiente para apear os defensores das políticas neoliberais,
como o PP, o PSOE e Cidadãos, ao mesmo tempo que eles não têm força suficiente
para formar governo. Abrem-se duas possibilidades. Uma é que o sistema faça uma
operação cirúrgica, permitindo um governo do PP, com os partidos lhe
“emprestando” alguns votos, mais alguma abstenção. Uma mudança com certa
violência simbólica. E a outra alternativa é que haja uma terceira eleição. O
status quo não soube dar resposta à Espanha emergente, jovem, urbana e bem
preparada que não quer saber dos velhos partidos.
Nem sequer o fim do bipartidarismo e a abstenção de 30% do
eleitorado abriram os olhos dos dirigentes espanhóis?
Preferiram tentar matar o mensageiro, tentar nos acusar de
qualquer coisa, nos judicializar, nos demonizar. Ao invés de assumir que a
Constituição já não oferece respostas às demandas, que há um problema
territorial que não se soluciona e que o modelo neoliberal expulsa setores
importantes da cidadania. Quando se toma consciência de que os filhos viverão
pior que seus pais, é necessário repensar o contrato social. Nós enxergamos
isto com clareza, junto com milhões. Há setores conservadores, egoístas, que agitam
o medo apresentando o que deve ser o pior refrão dos provérbios espanhóis, e
que alimenta os partidos do regime: “mais vale o mau conhecido, que o bom por
conhecer”. O PP não apresentou nenhuma proposta de emenda, nenhuma autocrítica,
nenhuma mudança. E no PSOE, que perdeu 5 milhões de votos e seu eleitorado é
composto por pessoas idosas que vivem nas zonas rurais e com baixos níveis de
estudo, a única busca é a sobrevivência pessoal de seus líderes.
A onda neoliberal que na Espanha está em crise, parece se
ter revitalizado na América Latina. Como percebe a transformação no sinal
político que se evidencia na região?
Milhões de pessoas saíram da pobreza graças a estes governos
de mudança. Na última década e meia, houve um reforço do compromisso com a democracia
que agora está se fragilizando, diante da falta de respeito que a direita tem
com a democracia. A direita parece que só aceita as regras do jogo quando
vence. O modelo neoliberal é igual em todos os lugares. Tem a mesma lógica
depredadora, onde algumas minorias utilizam a capacidade de extorsão dos
setores financeiros e a capacidade de impunidade das grandes empresas
transnacionais, acrescido com o controle praticamente de oligopólio dos meios
de comunicação, para construir uma verdade incontestável, que convida à
resignação e implica em reverter o avanço do Estado social e democrático. Isso
é o que explica o crescimento de bolsas de pobreza na Espanha, em Portugal, na
Grécia, na Itália, em todos os lugares. E aqui também. Isso explica a conivência
absoluta entre as elites, por exemplo, entre Macri e (Mariano) Rajoy, já que os
dois respondem a esse mesmo delineamento de beneficiar algumas minorias e
prejudicar as maiorias.
O que me preocupa é a procedência autoritária. Há formas
ditatoriais em regimes democráticos. É o que acontece com a “Lei mordaça” na
Espanha e, aqui, com a retirada da Telesur da grade de TV, que coloca Macri ao
lado das ditaduras. Só as ditaduras fecham meios de comunicação comprometidos
com a democracia, com a liberdade e com a pluralidade. O refluxo
antidemocrático na Europa, com um crescimento das opções de extrema-direita, é
o mesmo que se verifica na Argentina, onde se expressa a vontade de reverter o
conquistado. Esse choque gera respostas cidadãs amplas que o neoliberalismo
enfrenta com violência simbólica e policial. Essa ordem está representada,
aqui, com Macri, no golpe de Estado dado no Brasil contra Dilma, no México com
Peña Nieto... Regimes que geram violência social.
São partidos que chegam pelo voto popular, com um discurso
progressista e de boas maneiras, que depois contrastam com suas políticas. Há
uma nova “estética” da direita?
Macri possui uma caligrafia bonita e uma gramática
autoritária. Não se pode soprar e sorver ao mesmo tempo. Possuem uma retórica
populista, de luta contra a corrupção, de luta contra gente a que se
estigmatiza como responsável por todos os males, apelações vagas à
participação, um discurso colorido. Parecem anúncios da Coca-Cola. Mas, é uma
prática que beneficia as empresas elétricas e prejudica os consumidores, que
beneficia setores exportadores, mas empobrece os cidadãos, que permite
cosmopolitismo em dólares a uma minoria e condena as maiorias a uma pobreza em
pesos. O problema de fundo é que o controle férreo dos meios de comunicação fez
com que as vítimas votem em seus verdugos. Essa é a grande reflexão que é
preciso fazer. Como é que votamos em nossos verdugos? Aconteceu na Europa que,
após a Segunda Guerra Mundial, as forças de mudança retiraram milhões de
pessoas da pobreza, tornando-as classes médias, e 30 anos depois votam em seus
verdugos: em Margaret Thatcher, na Grã-Bretanha, por exemplo, que os devolve
outra vez a posições de quase marginalidade. Aqui, ocorreu o mesmo. A Argentina
passou a ser uma referência dos Direitos Humanos, da soberania nacional frente
às multinacionais... Nestes meses, o que vemos é um retorno ao passado. Macri
está desmantelando políticas que afetam a cidadania.
Uma cidadania que, diferente de outros momentos da história,
parece ter se empoderado de certos direitos, que são defendidos na rua.
Essa gente tem a possibilidade de defender nas instituições
e na rua conquistas que fazem parte de um contrato social que o neoliberalismo
necessita mudar. Ao modelo neoliberal lhe resta a democracia. E isso é compreendido
pelos povos ou, caso contrário, voltaremos às longas noites de ditadura, mesmo
que sejam sob formatos democráticos.
Você acredita que as ditaduras não são só pela maneira como
se chega ao poder, mas também pela forma como é exercido?
Quando se desvirtua o contrato social, se está esvaziando a
Constituição. Se na Constituição argentina há um compromisso com a liberdade,
com a igualdade, com o desenvolvimento de uma vida digna, e o governo os evita,
é claro que esse governo está pisoteando a Constituição, ainda que haja
eleições. Não basta que existam partidos e eleições para assumir que há
democracias, se não existem meios de comunicação plurais, se as desigualdades
econômicas são tão grandes. Se há setores que tentam fazer com que uma parte
dos cidadãos se distancie da política, ainda que haja eleições, estão
subvertendo o conteúdo democrático. Não devemos pensar em ditaduras como nos
anos 1930, na Europa, e 1970, na América Latina, porque hoje já não é
necessário bombardear o Palácio de la Moneda: se dá um golpe parlamentar à
presidente como ocorreu com Dilma, onde 60% desses parlamentares estão
envolvidos em casos de corrupção. Hoje, já não é necessário cortar as mãos ou
fuzilar Víctor Jara para que não cante: basta retirar das grades os meios de comunicação
que dizem coisas que os demais não dizem, homogeneizando o discurso. O fascismo
social se move sob estruturas formalmente democráticas, mas com um nível de
exclusão próprio de regimes autoritários. Não se deve pensar nas ditaduras como
na imagem de Pinochet com o casaco e os óculos escuros, mas o resultado de
perda de direitos em todos os âmbitos às vezes é semelhante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário