1931
É possível que alguém, ao fazer um retrospecto de sua vida,
verifique que quase todas as ligações mais profundas que ele experimentou,
tenham partido de indivíduos sobre cujo "caráter destrutivo" todo o
mundo estava de acordo. Esbarraria um dia, talvez casualmente, nesse fato, e
quanto mais duro fosse o choque, tanto maiores seriam suas chances de
representar o caráter destrutivo.
O caráter destrutivo conhece apenas uma divisa: criar
espaço; conhece apenas uma atividade: abrir caminho. Sua necessidade de ar puro
e de espaço é mais forte do que qualquer ódio.
O caráter destrutivo é jovem e sereno. Pois destruir
rejuvenesce, porque afasta as marcas de nossa própria idade; reanima, pois toda
eliminação significa, para o destruidor, uma completa redução, a extração da
raiz de sua própria condição. O que leva a esta imagem apolínea do destruidor
é, antes de mais nada, o reconhecimento de que o mundo se simplifica
terrivelmente quando se testa o quanto ele merece ser destruído. Este é o
grande vínculo que envolve, na mesma atmosfera, tudo o que existe. É uma visão que
proporciona ao caráter destrutivo um espetáculo da mais profunda harmonia.
O caráter destrutivo está sempre atuando bem disposto. A
natureza lhe prescreve o ritmo, pelo menos indiretamente: pois ele deve
adiantar-se a ela, do contrário ela própria assumirá a destruição.
O caráter destrutivo não se fixa numa imagem ideal. Tem
poucas necessidades, e a menos importante delas seria: saber o que ocupará o
lugar da coisa destruída. Primeiramente, pelo menos por um instante, o espaço
vazio, o lugar onde se encontrava a coisa, onde vivia a vítima. Certamente vai
aparecer alguém que precise dele, sem ocupá-lo.
O caráter destrutivo executa seu trabalho, evitando apenas
trabalhos criativos. Assim como o criador busca a solidão, assim também o
destruidor precisa cercar-se continuamente de pessoas, de testemunhas de sua
eficácia.
O caráter destrutivo é um sinal. Assim como um sinal
trigonométrico está exposto ao vento, de todos os lados, assim também ele está
exposto, por todos os lados, aos boatos. Não tem sentido protegê-lo contra
isso.
O caráter destrutivo não tem o mínimo interesse em ser
compreendido. Considera superficiais quaisquer esforços nesse sentido. O fato
de ser mal entendido não o afeta. Ao contrário, ele provoca mal entendidos,
assim como o faziam os oráculos - essas instituições políticas destrutivas. O
fenômeno mais pequeno-burguês, o falatório, só acontece porque as pessoas não
querem ser mal entendidas. O caráter destrutivo não se importa de ser mal
entendido; ele não fomenta o falatório.
O caráter destrutivo é o inimigo do homem-estojo. O
homem-estojo busca sua comodidade, e a caixa é sua essência. O interior da
caixa é a marca, forrada de veludo, que ele imprimiu no mundo. O caráter
destrutivo elimina até mesmo os vestígios da destruição.
O caráter destrutivo se alinha na frente de combate dos
tradicionalistas. Uns transmitem as coisas na medida em que as tomam intocáveis
e as conservam; outros transmitem as situações na medida em que as tornam
palpáveis e as liquidam. Estes são chamados destrutivos.
O caráter destrutivo tem a consciência do indivíduo
histórico cuja principal paixão é uma irresistível desconfiança do andamento
das coisas, e a disposição com a qual ele, a qualquer momento, toma
conhecimento de que tudo pode sair errado. Por isso, o caráter destrutivo é a
confiabilidade em pessoa.
O caráter destrutivo não vê nada de duradouro. Mas, por isso
mesmo, vê caminhos por toda a parte. Mesmo onde os demais esbarram em muros ou
montanhas, ele vê um caminho. Mas porque vê caminhos por toda a parte, também
tem que abrir caminhos por toda a parte. Nem sempre com força brutal, às vezes,
com força refinada. Como vê caminhos por toda a parte, ele próprio se encontra
sempre numa encruzilhada. Nenhum momento pode saber o que trará o próximo.
Transforma o existente em ruínas, não pelas ruínas em si, mas pelo caminho que
passa através delas.
O caráter destrutivo não vive do sentimento de que a vida
vale a pena ser vivida, e sim de que o suicídio não compensa.
Walter Benjamin
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