segunda-feira, 14 de março de 2016

Manifestações de 13 de março

Luiz Carlos Bresser-Pereira


Podemos interpretar de várias maneiras as grandes manifestações de ontem. Em primeiro lugar, a mais óbvia e justa: como sinal da indignação dos brasileiros com o grande escândalo em torno da Petrobrás que soma valores astronômicos, envolvendo políticos e empresas. Segundo, como a demanda do impeachment da presidente Dilma Rousseff, cujo partido se envolveu tristemente na corrupção - uma demanda que não se justifica porque não há nada contra sua honestidade pessoal. Terceiro, como a vitória de uma elite conservadora, que com seus intelectuais e sua imprensa, mostrou-se inconformada com o fato de o Brasil ser governado pela primeira vez na história por um partido de esquerda que fez acordos, mas não se deixou cooptar. Quarto, podemos interpretar as manifestações de ontem como uma vitória da direita determinada a reduzir os ganhos sociais que os pobres tiveram desde a transição democrática e principalmente nos últimos 13 anos. Quinto, como uma vitória do deputado Eduardo Cunha, que reúne de maneira exemplar as qualidades da direita e da corrupção. Sexto, uma derrota de uma esquerda que, no governo, logrou reduzir a desigualdade, mas foi vítima da corrupção e não soube garantir o desenvolvimento econômico.
A sétima interpretação, porém, é a que mais me preocupa. As manifestações de ontem foram a vitória da judicialização da política; foram especificamente a vitória da operação Mãos Limpas e do juiz, Sergio Moro, o herói de ontem. Originalmente, essa operação representou um grande avanço ao detectar o escândalo, processar os principais responsáveis, e condená-los.
Mas neste ano ela se transformou em uma campanha pela moralização a qualquer preço que é incompatível com a democracia e a garantia dos direitos individuais. Através da escolha da data de mais um “vazamento” – o da delação de Delcídio Amaral – e do constrangimento policial do ex-presidente Lula para depor justificado em nota da sua “força-tarefa”, a operação Lava Jato fez renascer a campanha pelo impeachment, da qual se transformou na principal campeã. Nessa nota, a força-tarefa afirmou que Lula é “um dos principais beneficiários da corrupção” sem apresentar outra “evidência” senão a de um apartamento que não comprou e um sítio que equivocadamente utilizou, quando o escândalo envolveu quase 15 bilhões de reais. Ora, é incompatível com a democracia e os princípios do Direito o poder judiciário engajar-se em campanhas. Estes princípios nos dizem que o poder judiciário deve agir sine ira ac studio (sem ódio nem parcialidade), mas não é isto que estamos vendo hoje por parte do juiz e do conjunto de promotores engajados nessa campanha.


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