sexta-feira, 23 de maio de 2014

EU E UMA VELHA NEGRA LUXURIOSA


Anos atrás uma haitiana
durante uma consulta de vudu
em Guantánamo
disse que voava sobre minha casa
através das noites
em forma de coruja
E assim foi
a partir daquele dia
ao longo de muitos anos
uma coruja sobrevoava minha casa
cantava tetricamente
e seguia voando apressada
Também começaram a aparecer extraterrestres
que durante as noites banhavam-se no mar em frente de casa
De vez em quando invadiam meu quarto
e a sala da vizinha
Até apareceu um deles
com o corpo de mexicano de Sonora
Nessa época descobri que minha mulher
Era uma bêbada insaciável e belicosa
e que eu também era um bêbado violento
com paixão assassina até às balas e punhais
Também descobri que não gosto de Shakespeare
e nada que seja canônico ou sirva de modelo
Detesto os teóricos da literatura
com suas normas e classificações bem ordenadas
Muito menos suporto a vida de casado
nem os governos autoritários e repressores
nem as sessões dos Alcoólicos Anônimos
Descobri que a vida é perigosa
quando se tem princípios próprios
sobretudo
quando se tem princípios próprios demais
e que minha geração sobrevive
agarrada ao desencanto e à fúria
e o melhor que se pode fazer é distanciar-se de tudo
e viver
numa pequena casa de frente para o mar
Uma casinha de madeira
onde o vento assobie pelas frestas
acompanhado de uma negra velha e luxuriosa
pervertida e desenfreada
Assim poderia chegar a um final aceitável
(nem pensar num final feliz)
De frente para o mar
com uma negra velha
suja e meio louca
como eu.
Pedro Juan Gutiérrez

poeta e escritor cubano
traduzido por Marcos Losnak
Poema publicado na revista Coyote #5
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