Dia destes fui assistir o filme “Hanna Arendt”, que entre
outras coisas retrata o processo de escrita do livro “O julgamento de Eichmann
em Jerusalém”. Filme bacana, mesmo para quem, como eu, não se sente lá muito
convencido da teoria do Totalitarismo da filósofa alemã. Mas não se pode negar
que a ideia da banalidade do mal é um viés explicativo interessante: para
Arendt o funcionário da SS nazista Eichmann era um medíocre membro da
engrenagem do mal, sem plena consciência do que fazia, era apenas uma pequena
expressão da banalidade do mal.
É possível encontrar pequenos “Eichmanns” por ai. Dos seus
lugares de poder, por mais diminutos que sejam, colocam toda sua medíocre
capacidade com vigor e energia em favor das engrenagens do mal. É possível
encontrá-los por ai no serviço público também. Negar um direito, enganar um
cidadão, defender com unhas e dentes o chefe de turno, são as características
da vez destes pequenos “Eichmanns”. Claro que nada como comandar a saída de
vagões de judeus para a morte, porque a exigência do momento não é essa. Mas
defender com orgulho a política de saúde do governo, na mesma toada em que
informa ao paciente que a consulta com o especialista só vai ser marcada para
dali a um ano, ou explicar as grandes ações do governo na educação, com a mesma
desenvoltura e alegria com a qual nega uma vaga na creche para uma mãe.
Claro que não estou falando da maioria. A maioria trabalha
em troca do seu salário, e sofre também com o funcionamento destas engrenagens
que negam direitos aos cidadãos. Mas esta minoria não. Não consigo avançar
muito em especulações sobre suas motivações, mas podem passar pela vontade de
acender de posto, obter privilégios, se livrar do trabalho considerado por eles
mais penoso, como o contato direto com a população, com os pacientes, com os
alunos, não sei. Talvez a ideia de que estejam apenas cumprindo o seu dever,
pois medíocres que são, não possuem capacidade de questionar, de levantar
impeditivos éticos de qualquer natureza para a tarefa que lhes foi confiada.
Anos atrás topei com um pequeno “Eichmann” destes. Ontem a
reencontrei. Lembro bem da convicção com que me explicava as maravilhas feitas
pelo governo de plantão, enquanto negava um direito meu. Simples assim. Servil
e convicta. Em outro tempo poderia estar fechando os ferrolhos dos vagões em
uma estação de trem, certa de estar cumprindo o seu dever.
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