[...]
"A sociedade competitiva de consumo criada pela
burguesia gerou apatia, e até mesmo hostilidade, em relação à vida pública, não
apenas pelas camadas sociais exploradas e excluídas da participação ativa no
governo do país, mas acima de tudo entre a sua própria classe. O longo período
de falsa modéstia, em que a burguesia se contentou em ser a classe social
dominante sem aspirar ao domínio político, relegado à aristocracia, foi seguido
pela era imperialista, durante a qual a burguesia tornou-se cada mais hostil às
instituições nacionais existentes e passou a exigir o poder político e a
organizar-se para exercê-lo. Tanto a antiga apatia como a nova exigência de direção
monopolística e ditatorial resultavam de uma filosofia para a qual o sucesso ou
o fracasso do indivíduo em acirrada competição era o supremo objetivo, de tal
modo que o exercício dos deveres e responsabilidades do cidadão era tido como
perda desnecessária do seu tempo e energia. Essas atitudes burguesas são muito
úteis àquelas formas da ditadura nas quais um "homem forte" assume a
incômoda responsabilidade de conduzir os negócios públicos; mas constituem um
obstáculo para os movimentos totalitários, que não podem tolerar o
individualismo burguês ou qualquer outro tipo de individualismo. Os elementos
apáticos da sociedade burguesa, por mais que relutem em assumir as
responsabilidades de cidadãos, mantêm intacta a sua personalidade, pelo menos
porque ela lhes permite sobreviver na luta competitiva pela vida."
- Hanna Arendt. | Origens do totalitarismo –
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