(Radio Metrópole 9.5.2013)
Affonso Romano de Sant Anna
Michel Foucault esteve no Rio em 1973, no mês de maio,
fazendo palestras a convite do Departamento de Letras e Artes, que eu dirigia,
Passaram-se 40 anos. É possível que muitos dos que me ouvem não tenham quarenta
anos. Para mim e outros, 1973 foi ontem. A idade intemporaliza as coisas.
O fato e que Foucault veio falar sobre algo perigoso: "
verdade. Como falar da “ verdade” no regime ditatorial em que vivíamos? Vou
lembrar aos mais jovens: o general Médice governou entre 1969 e 1974. Foi o periodo
mais duro da repressão, quando ocorreram sequestros de embaixadores e focos de
guerrilha urbana e rural. Era um período em que os cidadãos desapareciam
estranhamente. Na Argentina desapareceram 30 mil pessoas. E em 1973, ano em que
Foucault aqui esteve, Allende foi derrubado no Chile.
Claro que tinha gente que gostava do que ocorria. Muitos
ostentavam nos seus carros e janelas a frase: “Brasil ame-o ou deixe-o”. No
Palácio do Planalto o general recebia os cantores de “Brasil eu te amo”. O
Brasil era tricampeão mundial, e segundo os teóricos da esquerda, isto distraía
o povo da revolução. O fato é que a escola de samba Beija Flor fez um enredo
para agradar ao Médice, abordando o Funrural.
E aqui chega Foucault, que havia publicado um livro
revolucionário sobre a história da loucura. Propunha também uma revisão, uma
arqueologia do saber ocidental. E havia participado dos movimentos de maio 68
na França.
O auditório da PUC não era suficiente para tantos
interessados em ver o filósofo. Muita gente fico do lado de fora, não pode
entrar. Hoje quando a mesma universidade celebra a vinda de Foucault, vários
telões foram colados além do auditório. Foi ali que, 40 anos depois rememorei
alguns dos fatos da época ao abrir a sessão de debates, para a qual vieram alguns
pensadores franceses convidados pelo Departamento de Direito e Letras.
O Brasil não é o mesmo daquele época. Paradoxalmente estão
no poder os que antes eram guerrilheiros e exilados. Hoje existe a Comissão da
Verdade apurando o que aconteceu naquela época. Foucault tinha um passado
comunista. O muro de Berlim caiu, o comunismo acabou, a China de hoje é um
paradoxo assombroso. Foucault chegou a apoiar o iatolá Komeini quando este
votou ao Irã.
O que é verdade, o que é mentira?
O que diria Foucault se ressucitasse e viesse hoje aqui
hoje?
A mais sensata maneira de homenagear Foucault e a “verdade”é
produzir produzir um discurso “pós-foucaltiano”,além da suposta mentira e da
suposta verdade. Foi o que tentei fazer.
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