Relembrando Blanchot
Via Luís Serguilha
A obra de arte está ligada a um risco, é afirmação de
uma experiência extrema. Se o artista corre um risco, é porque a obra é
essencialmente risco e, a isso estando ligado é, também, o artista que pertence
ao risco..,..na obra o homem fala, mas a obra dá voz, no homem, ao que se não
diz, ao inominável, ao desumano, ao que não tem ( é) verdade, ao que não tem
justiça; sem usufruir de direito, lá onde o homem não se reconhece, onde não se
sente justificado; onde não está de modo algum presente; onde o homem se
ausenta de si próprio, de deus…,.. poema é a película que torna visível o fogo,
que o torna visível porque o esconde e o dissimula. O mostra, portanto.
Descobre mas dissimulando e retendo na obscuridade, o que só se pode esclarecer
pelo obscuro, e guardando-o no obscuro até à claridade revelada pelas
trevas…,..o poeta vive na intimidade do perigo. Só. Suporta profundamente o
tempo vazio da ausência e, nele, o erro
torna-se a profundidade da perdição, a noite torna-se noutra noite. Mas o que é
que isto significa? Quando René Char escreve: "Que o risco seja a tua
clareza", quando Georges Bataille, colocando face a face a chance e a
poesia, diz : " A ausência de poesia é ausência de chance", quando
Hölderlin classifica o presente vazio do perigo " plenitude de sofrimento,
plenitude de alegria, o que é que se procura dizer? Por que é que o risco se
assumiria como clarificação? Por que é que o tempo do perigo seria o tempo da
chance? Quando Hölderlin fala dos poetas que, como os apóstolos de Bacchus, vão
errando de país em país na noite sagrada, em deslocação interminável,
infelicidade que atormenta quer os que falham o lugar ou a migração fecunda, o
movimento que mediatiza, o que faz das correntes uma linguagem e da linguagem,
a casa do ser, o poder pelo qual o dia permanece- e será a nossa
habitação?...,..o poema é a ausência de resposta. O poeta é o que, pelo seu
sacrifício, conserva no seu trabalho esta questão em aberto. Nunca deixa de
viver no perigo. Sempre. No poema não é só o homem que se arrisca, pelo facto
que se expõe à expectativa e ao fogo tenebrosos. O risco é mais essencial; é o
perigo dos perigos, pelo qual, de cada vez, é radicalmente contestada a
essência da linguagem.
Fonte : Cláudio Daniel
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