Carteira de identidade
"A terra nos é estreita" é a primeira
antologia do poeta palestino Mahmoud Darwish publicada no Brasil (São Paulo:
Edições Bibliaspa, 2012), com tradução e estudo crítico de Paulo Farah,
professor de língua e literaturas árabes na Universidade de São Paulo. Considerado
um dos mais representativos poetas de língua árabe do século XX e até há pouco
tempo quase desconhecido em nosso país, exceto pela publicação de alguns poemas
na antologia Poesia Palestina de Combate e na revista Zunái . Publiquei também,
em 2009, em meu blog, matéria sobre esse poeta considerado por José Saramago
como o maior poeta vivo do mundo. Darwish morreu em agosto de 2008. Tinha 67
anos e uma vida de lutas em favor da Palestina. Foi laureado com o prêmio Lenin
da extinta-URSS, era cavaleiro das Artes e das Letras pela França, e recebeu em
Haia o famoso prêmio Príncipe Claus pelo "conjunto de sua obra".
Carteira de identidade
Registra-me!
sou árabe
número de minha identidade é cinqüenta mil
tenho oito filhos
e o nono... virá logo depois do verão!
vais te irritar por acaso?
Registra-me!
sou árabe
trabalho com meus companheiros de luta
em uma pedreira
tenho oito filhos
arranco pedras
o pão, as roupas, os cadernos
e não venho mendigar em tua porta
e não me dobro
diante das lajes de teu umbral
vais te irritar por acaso?
Registra-me!
sou árabe
meu nome é muito comum
e sou paciente
em um país que ferve de cólera
minhas raízes...
fixadas antes do nascimento dos tempos
antes da eclosão dos séculos
antes dos ciprestes e oliveiras
antes do crescimento vegetal
meu pai... da família do arado
e não dos senhores do Nujub¹
e meu avô era camponês
sem árvore genealógica
minha casa
uma cabana de guarda
de canas e ramagens
satisfeito com minha condição
meu nome é muito comum
Registra-me
sou árabe
sou árabe
cabelos... negros
olhos... castanhos
sinais particulares
um kuffiah²
as palmas ásperas como rochas
arranharam as mãos que estreitam
e amo acima de tudo
o azeite de oliva e o tomilho
meu endereço
sou de um povoado perdido... esquecido
de ruas sem nome
e todos os seus homens... no campo e na pedreira
amam o comunismo
vais te irritar por acaso?
Registra-me
sou árabe
tu me despojaste dos vinhedos de meus antepassados
e da terra que cultivava
com meus filhos
e não os deixastes
nem a nossos descendentes
mais que estes seixos
que nosso governo tomará também
como se diz
vamos!
escreve
bem no alto da primeira página
que não odeio os homens
que eu não agrido ninguém
mas... se me esfomeiam
como a carne de quem me despoja
e cuidado... cuida-te
de minha fome
e minha cólera.
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