A comercialização da alma
Robert Kurz
Foi-se o tempo em que as pessoas de vez em quando ainda
ousavam pensar, envergonhadas, em outra coisa senão na sua própria venalidade e
na de seu produto. Cada vez mais os indivíduos se transformam, de fato, naquele
"homo economicus" que outrora era uma simples imagem da economia
política clássica. Com a economização de todas as esferas da vida, a
economização da consciência avançou num grau até havia pouco inconcebível -e
isso, graças à globalização, nos quatro cantos do mundo, não só nos centros
capitalistas. Quando até mesmo amor e sexualidade, tanto na ciência quanto no
cotidiano, são pensados cada vez mais como categorias econômicas e estimados
segundo critérios econômicos, a "comercialização da alma" parece
irresistível. Não há mais, é lícito pensar, nenhum oásis emocional, cultural ou
comunitário alheio às garras econômicas: o cálculo orientado pelo lucro abstrato
e a política empresarial de custos perfazem,
no início do século 21, todo o circuito da existência. Dessa tendência social à
plena economização nasceu, evidentemente, um novo tipo de socialização: o
modelo da família nuclear fordista (mãe, pai, um filho, um cachorro, um carro)
foi reduzido ao modelo do celibatário pós-moderno assexuado ("mônada
hermética", um computador, um celular). Aqui estamos às voltas, em certa
medida, com indivíduos-concorrência solitários, municiados de alta tecnologia,
que, ao mesmo tempo, regrediram socialmente ao estágio do ego infantil:
"Célere, flexível, pronta para o trabalho, egoísta, traiçoeira,
superficial" -assim descreve uma revista econômica alemã as qualidades
essenciais da chamada "geração @". Pessoas com tal estrutura de caráter
e forma de consciência teriam sido consideradas ainda nos anos 70 como
perturbadas mentais e habilitadas a um tratamento sociopedagógico; hoje foram
alçadas a modelo social. Isso porque somente uma combinação de inteligência
tecnicamente reduzida a consertos domésticos, absoluto sangue-frio e
imaturidade emocional pode possibilitar que a "adaptação ao mercado"
por parte da pessoa chegue a extremos -e é justamente essa norma de conduta que
requer o capitalismo global em crise. Não é à toa que se vêem com frequência
sempre maior figuras púberes com a máscara do sucesso estampada no rosto. Esses
são os supostos "fundadores" do novo empresariado na Internet, que
trabalham feito loucos e se identificam com sua empresa a ponto de renunciarem
a si mesmos. Regalando-se em suas fantasias de onipotência, imaginam mudar a
face do mundo, embora seu conteúdo pessoal seja caracterizado por lastimável
banalidade e redunde em efeitos tecnológicos mínimos ou em alguma forma de
propaganda sem graça. Com o palavrório de entrevistadores pop, eles se vêem
fazendo uma "revolução", ao passo que na verdade são acríticos e
conformistas ao extremo perante a ordem dominante, num grau jamais alcançado
por nenhuma geração nos últimos 200 anos.
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