NOVO SALMO 23
Affonso Romano d e Sant’Anna
Todo mundo sabe o Salmo 23 de cor. Até porque a
primeira coisa que São Pedro diz a quem quer entrar no Céu é isso: “-Meu filho
recite aí o Salmo 23…”
E se você teve, como eu, a chance de saber a Biblia
praticamente de cor, poderá dizer com o júbilo dos remidos:
O senhor é o meu pastor
E nada me faltará.
Deitar-me faz em verdes pastos,
Guia-me por águas tranquilas
E refrigera minha.
Guia-me nas veredas da justiça
Por amor ao seu nome
Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte
Não temeria mal algum
Porque tu estas comigo
O teu cajado e tua vara e consolam.
Preparas uma mesa perante mim
Na presença dos meus inimigos
Unges meu cabelo com óleo
E meu cálice transborda.
Certamente que a bondade e misericordia
Me seguirão por todos dias
E eu habitarei na casa so Senhor por longos dias.
Estou pondo isto aqui de memória. Podem crer.
Talvez haja uma outra pequena deiferença no texto de acordo com o tradutor da
Biblia. Mas pelo que viram, minha entrada no Reino dos Céus é tranquila.
EssMas outro dia esse salmo me veio à mente e me
ocorreram duas coisas sobre ele . A primeira é que todas as imagens do texto
correspondem `a vida agrária e pastoril do antigos judeus: ali se fala de
pastor, dos pastos verdes, daquele cajado que o pastor usava para conduzir o
rebanho, e há também algumas referências mais específicas. Por exemplo, aquele
“vale da sombra da morte”, dizem os exegetas, não é uma simples imagem, mas
seria um vale terrível que se tinha que atravessar. E aquela menção ao óleo que
unge a cabeça vem de um ritual de abençoar o eleito.
Mas não é só isto que me ocorreu. E sim um
contraponto com o mundo moderno. David, que era rei, experimentou, quando
apascentava seus carneiros, aquela vida pastoril e agrária. Era natural que sua
poesia retratasse esse cenário. Mas a pergunta que não pode calar é essa: como
ele faria esse salmo hoje?
Procurei em vão pela minha biblioteca a Bíblia em
“Nova Tradução na Linguagem de Hoje”, que reduziu o vocabulário de 8.38 mil
palavras para 4.39 mil. Queria ver como está lá o Salmo 23. Como não a achei,
fiquei matutando: como será que em tempos de globalização e internet o nosso
harpista e rei David recitaria seu poema? Claro que ele ia trocar a harpa por
uma guitarra. Mas acho que iria mais longe e talvez dissesse:
O computador é meu pastor e nada me faltará.
Ele está comigo no escritório, nos verdes pastos ou
no banheiro
E o levo aos restaurante e estações de águas.
Ele me tranquiliza e angustia
Me incrimina junto à Justiça e pacifica os amigos
do facebook
Com ele nem penso na morte
E não temerei mal algum
Porque a internet, o google e o Ipad
Me consolam.
Conectado na rede nem me dou conta dos inimigos
Não preciso comer nem beber
Sou um ungido, uma celebridade eletrônica
E curtindo a pós-modernidade
Habitarei nas nas redes sociais por longos dias.
(Estado de Minas/Correio Braziliense 2.12.2012)
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