Claudio Daniel – 1998
Uma excelente reflexão de Mar Becker sobre a poesia:
"Pense em Robert Creeley e Luiza Neto Jorge, cujos poemas instauram um
processo de esgotamento da linguagem que passa pelo exercício de se debruçar
reflexivamente sobre a natureza das palavras. Títulos como “A linguagem”, que
nos convida a ouvir “palavras / e palavras cheias // de buracos / doendo”, e
“Sítio lido”, que sugere haver “um dispositivo de silêncio / nos pontos
cardiais / desta página”, são bons exemplos nesse contexto.
Outros poetas tomaram um caminho diferente para chegar a
esse lugar. No seu “Altazor”, Vicente Huidobro parte para uma aventura poética
com o propósito de despojar a linguagem de suas mediações conceituais cotidianas
e de seu peso objetivo. O resultado é uma construção textual que se funda na
completa extrapolação dos recursos sintático-semânticos com os quais costumamos
articular o discurso, desde a estrutura das palavras e a pontuação até a
espacialização gráfica.
É no horizonte dessas considerações que conseguimos entender
por que o último canto de “Altazor” se desenrola num ambiente de pura fonação:
“Al aia aia / ia ia ia aia ui / Tralalí / Lali lalá [...]”.
Não são poucos os nomes que cabem nesse debate. A experiência
de tocar os contornos da linguagem, de estar diante do abismo do indizível, é
também o ponto de apoio dos poemóbiles de Augusto de Campos e Julio Plaza, que
saíram no Brasil pelo selo Demônio Negro (Annablume), e da rosa de Gertrude
Stein, do verso “Uma rosa é uma rosa é uma rosa”, que aparece no poema “Sacred
Emily”. Em ambos os poetas vemos a necessidade de superar a dicotomia que há
entre linguagem e realidade. No primeiro caso, tal necessidade é o que conduz à
transformação da palavra em objeto físico (os ‘poemóbiles’). O poema está no
mundo, como coisa, como peça que ao se abrir em sua dimensão ontológica
transforma-se numa peça que pesa. No segundo caso, tal necessidade é o que
conduz à transformação do verso numa tautologia. À medida que se dobra sobre si
mesma (repetição), a palavra pode finalmente alcançar a realidade. Conforme
observa o escritor Moacyr Scliar, “Gertrude Stein acreditava que a repetição
revelava a verdade das coisas e das pessoas”. É uma intuição dessa natureza que
Juliano Garcia Pessanha possivelmente considera no seu “Poema da Vida
Consumada”: “Quero morrer sozinho ao lado de um córrego, de um córrego de nome
estranho, de um córrego de nome córrego. Quero morrer sozinho e que um abutre
leve meus olhos e algum animal as vísceras. Quero morrer tão completamente que
a minha vida, mera mímesis de uma ordem fria, alcance o esquecimento último no
qual o córrego seja restituído ao córrego”.
De um ensaio que escrevi para um futuro livro sobre
filosofia da arte"
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