Alice nasceu escrava, em 1886, e escrava viveu cento e
dezesseis anos.
Quando morreu, em 1802, morreu com ela uma parte da memória
dos africanos na América. Alice não sabia nem ler nem escrever, mas estava toda
cheia de vozes que contavam e cantavam lendas vindas de longe e também
histórias vividas de perto. Algumas dessas histórias vinham dos escravos que
ela ajudava a fugir.
Aos noventa anos, ficou cega.
Aos cento e dois, recuperou a visão:
- Foi Deus - disse. - Ele não podia me falhar.
Era chamada de Alice do Ferry Dunks. Ao serviço de seu dono,
trabalhava no ferry que levava e trazia passageiros pelo rio Delaware.
Quando os passageiros, sempre brancos, debochavam daquela
velha velhíssima, ela os deixava abandonados na outra margem do rio. Eles a
chamavam aos gritos, mas não tinha jeito. Era surda a que havia sido cega.
Galeano - 11 de outubro
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