sexta-feira, 13 de julho de 2012

Estrada para a latinidade

Road movie mexicano, Um Mundo Secreto cria metáfora perfeita do evento que viaja por culturas e línguas
11 de julho de 2012

LUIZ CARLOS MERTEN – O Estado de S.Paulo

É no mínimo curioso que o Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, cuja sétima edição começa amanhã para convidados no Memorial da América Latina, se inicie sob o signo da estrada, e isso apenas dois antes da estreia de On the Road, que Walter Salles adaptou do livro cult de Jack Kerouac. Salles fez um belo filme baseado na experiência real (e visceral) de jovens norte-americanos que caíram na estrada em busca de liberdade – e deles mesmos. Seu filme é a história de uma amizade, e da sua destruição (e também da imortalização pela arte). E Um Mundo Secreto?

O longa do mexicano Gabriel Mariño teve sua estreia mundial na Berlinale, em fevereiro, integrando a mostra Generation Special. Narra, de forma lírica, a viagem de iniciação de uma garota. No último dia de escola, antes da graduação, ela deixa seu mundo para trás e parte numa viagem de autodescoberta. Maria, de 18 anos, é promíscua e, no fundo, talvez seja essencialmente uma solitária. Ela abandona o caos urbano da Cidade do México e atravessa o deserto de Sinaloa rumo ao vasto oceano. O que busca Maria? Na apresentação de seu filme, em Berlim, Mariño disse que quis traçar um retrato da juventude mexicana. “Há muita violência e instabilidade social no México. Nosso futuro é incerto e, para os jovens, é quase impossível estudar ou trabalhar. Meu filme busca entender quem são os jovens mexicanos, o que sentem e pensam.”

Quem pensa em mulheres na estrada lembra-se de Thelma e Louise, as protagonistas de um road movie de Ridley Scott que fez sensação, especialmente entre plateias femininas (e feministas), em 1991. A jornada de iniciação de Maria leva a uma conclusão tão espetacular quanto espiritual. O diretor filma a paisagem mais preocupado em revelar o turbilhão interior que consome Maria. Com o da protagonista, Lucía Uribe, guarde os nomes de Mariño e do fotógrafo – Ivan Hernández. Começando de forma tão auspiciosa, o 7.º Festival Latino-Americano, que vai até dia 19, vai exibir 75 filmes. Você talvez não consiga ver todos, mas vale entender a estrada iniciática de Um Mundo Secreto como uma metáfora – e um convite. É como se o próprio evento convidasse o público a viajar nas imagens dessas dezenas de filmes para compreender o mundo em que vive, e decifrar o enigma da complexidade continental.

Pense em culturas, em línguas. A maioria dos filmes é falada no idioma espanhol, com suas variações. São filmes como o uruguaio 3, de Pablo Stoll; o argentino Um Mundo Misterioso, de Rodrigo Moreno; o chileno O Círculo de Román, de Sebastián Brahm; o equatoriano Pescador, de Sebastián Cordero; e o colombiano Porfírio, de Alejandro Landes. Mas o Festival Latino também fala o português, por meio dos filmes brasileiros que integram a seleção – Hoje, de Tata Amaral, que venceu o Festival de Brasília no ano passado; Rânia, de Roberta Marques, que venceu a mostra Novos Rumos, no Festival do Rio de 2011; e Augustas, que Francisco César Filho adaptou do livro As Estratégias de Lilith, de Alex Antunes.

Gêneros. Querem mais road-movies? A venezuelana Marité Ugas vem para apresentar pessoalmente seu longa O Garoto Que Mente, que também integrou a mostra Generation, em Berlim. O filme conta a jornada de iniciação de um garoto que procura pela mãe desaparecida nos deslizamentos de terras que atingiram o departamento de Vargas, após a grande chuva de 1999. Já exibido nos festivais de Tiradentes e do Recife, Estradeiros, belo trabalho de Sérgio Oliveira e Renata Pinheiro, filma a América Nuestra de forma a mostrar a estrada como metáfora de vida alternativa e negação do consumismo.

Quem disse que o cinema latino-americano não cultiva os gêneros? O cubano Juan dos Mortos, de Alejandro Brugués, mostra Havana decadente, o que não é exatamente uma novidade, mas agora assolada por zumbis, no que vai uma crítica às transformações na ilha, pós Fidel Castro. Maior êxito da história do cinema da Colômbia, O Ermo, de Jaume Osório Márquez, passa-se numa base a 4 mil metros de altura. Um comando militar é enviado para descobrir o que houve com a equipe que lá estava. Encontram um sobrevivente misterioso. Quem é esse cara? Oito curtas integram a série Fronteiras, produzida pelo canal TNT. Cada realizador teve liberdade para fazer seu filme como quisesse e o resultado contempla comédia e até western. Claudia Llosa, a diretora peruana que ganhou o Urso de Ouro com La Teta Asustada, foi de novo premiada em Berlim – ela ganhou neste ano o Teddy Bear, o chamado Urso gay, pelo curta Loxoró, sobre o universo das travestis.

Voltado ao apoio a novos filmes da América Latina, o programa Cine en Construcción ocorre duas vezes por ano, nos festivais de Toulouse e San Sebastián. O 7.º Festival Latino homenageia os dez anos de Cine em Construcción e o faz exibindo o que talvez seja o melhor filme brasileiro desde o início da Retomada – Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes. A sessão será apresentada pela francesa Eva Morsch, que integra o comitê de seleção do programa.

Eva também será jurada numa mostra inédita – Finaliza 2012. Fechada ao público, vai exibir sete longas em finalização e o vencedor vai ganhar R$ 99,4 mil em serviços, justamente para poder ficar pronto. O Prêmio Itamaraty, iniciativa do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, também vai dar R$ 90 mil ao filme vencedor, escolhido entre coproduções recentes, envolvendo pelo menos dois países da América do Sul. Todas as sessões do Festival Latino-Americano são gratuitas.

7º FESTIVAL DE CINEMA LATINO-AMERICANO DE SÃO PAULO

Programação completa: www.memorial.org.br

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