domingo, 27 de fevereiro de 2011

Rascunho do tempo

Rascunho essa memória



Contando estórias de meu pai.



Mergulho no mundo: abissal paisagem.



Viagem pelo barro: mistura fria.



Calor de tua mão.



Fogo do forno



Volto ao passado cuneiforme.



Extraio de mim a parte possível:



Sou a cerâmica esquecida



Durante as mudanças da vida.



Onde me debruço?



No patamar dessa escada



Ou no tempo a ser inscrito pelo meu corpo?



Nesse tempo — alguidar



Cheio da água jorrando esquecimentos



Preparo meus dias para o meu sempre



Mesmo sabendo o teu nunca




Vera Casa Nova – Escritoras Suicidas

Rascunho essa memória



Contando estórias de meu pai.



Mergulho no mundo: abissal paisagem.



Viagem pelo barro: mistura fria.



Calor de tua mão.



Fogo do forno



Volto ao passado cuneiforme.



Extraio de mim a parte possível:



Sou a cerâmica esquecida



Durante as mudanças da vida.



Onde me debruço?



No patamar dessa escada



Ou no tempo a ser inscrito pelo meu corpo?



Nesse tempo — alguidar



Cheio da água jorrando esquecimentos



Preparo meus dias para o meu sempre



Mesmo sabendo o teu nunca.


Vera Casa Nova
Fonte : Escritoras Suicidas

Moacyr Scliar

Moacyr Scliar

Médico, Scliar publicou primeiro livro em 1971



O escritor gaúcho Moacyr Scliar, que morreu hoje, aos 73 anos, publicou mais de 80 livros de diversos gêneros literários. Em 2003, entrou para a Academia Brasileira de Letras.



Scliar ganhou diversos prêmios Jabuti. Em 2009, o romance “Manual da Paixão Solitária” foi eleito livro do ano. Ele também emplacou dois na categoria romance, “Sonhos Tropicais” (1993) e “A Mulher que Escreveu a Bíblia” (2000), e um na categoria contos, “O Olho Enigmático” (1988). Em 1980, ele venceu o prêmio de literatura da APCA por “O Centauro no Jardim”.



Seus livros frequentemente abordam a imigração judaica no Brasil, mas também tratam de temas como o socialismo, a medicina e a vida da classe média. A obra de Scliar já foi traduzida para doze idiomas.



Dois deles ganharam adaptação para o cinema.



O primeiro foi o romance “Um Sonho no Caroço do Abacate”, sob o título “Caminho dos Sonhos”. Dirigido por Luca Amberg, o filme tinha a participação dos atores americanos Elliott Gould (Friends) e Talia Shire, além de Taís Araújo, Caio Blat, Mariana Ximenes, Fábio Azevedo e Edward Boggiss.



Em 2002, o romance “Sonhos Tropicais” foi adaptado sob a direção de André Sturm, com Carolina Kasting, Bruno Giordano, Flávio Galvão, Ingra Liberato e Cecil Thiré no elenco.



Scliar também escreveu crônicas e resenhas de livros. Era colunista da Folha.



Veja abaixo os principais livros de Scliar.




“A Guerra no Bom Fim” (1971)

“O Exército de um Homem Só” (1973)

“O Centauro no Jardim” (1980)

“Max e os Felinos” (1981)

“A Majestade do Xingu” (1997)

“A Mulher que Escreveu a Bíblia” (1999)

“Os Leopardos de Kafka” ( 2000)

“Sonhos Tropicais” (1992)

“Os Vendilhões do Templo” (2006)

“Manual da Paixão Solitária” ( 2008)

“Eu Vos Abraço Milhões” (2010)



VIDA



Nascido Moacyr Jaime Scliar em 23 de março de 1937 em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, ele foi alfabetizado por sua mãe, que era professora primária.



Scliar cursou medicina na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde se formou em 1962. No mesmo ano, publicou seu primeiro livro, “Histórias de Médico em Formação”, coletânea de contos baseados em sua experiência como estudante. O escritor fez residência Santa Casa de Porto Alegre, se especializando médico sanitarista.



Em 1965, Scliar se casou com Judith Vivien Oliven. Três anos depois, publicou o livro de contos “O Carnaval dos Animais”, o qual considera de fato sua primeira obra. Em 1969, assumiu o cargo de chefe da equipe de educação em saúde da Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul.



No ano seguinte, iniciou um curso de pós-graduação em medicina comunitária no Instituto de Seguro Médico de Israel. Em 1971, o escritor lançou seu primeiro romance, “A Guerra no Bom Fim”.



O filho de Scliar, Roberto, nasceu em 1979

Fonte: Blog Leituras Favre

Madeleine, sinapses e neurônios

Já o tínhamos em quadrinhos, aqui editados pela Zahar, e na prateleira de autoajuda (Como Proust Pode Mudar Sua Vida, de Alain de Botton, traduzido pela Rocco); agora o temos até entre os livros de ciência: Proust Foi um Neurocientista, que a Best Seller acaba de lançar, com um subtítulo (Como a Arte Antecipa a Ciência) inexistente no original.



Na capa poderia estar o pintor Paul Cézanne ou o compositor Igor Stravinsky ou o poeta Walt Whitman ou as escritoras Virginia Woolf, Gertrude Stein e George Eliot, pois todos estes, mais o cozinheiro Auguste Escoffier, inventor do caldo de vitela, também anteciparam descobertas da neurociência, sacaram verdades (reais e tangíveis) sobre a mente humana que só agora a ciência está “redescobrindo”, segundo Jonah Lehrer, autor do livro. Acontece que Proust, o neurocientista destacado na capa, não só tem mais nome que os demais como inventou a mítica madeleine que o ligou para sempre aos estudos sobre a biologia da memória.



Lehrer não escreve para iniciados, mas nem seu mais invejoso desafeto acadêmico ousaria enquadrá-lo entre os proxenetas da divulgação científica. Doutorado em neurociência e literatura inglesa, por Columbia e Harvard, editor e colaborador de publicações de qualidade comprovada, já teve aqui traduzida outra obra provocativa, O Momento Decisivo, em que defendia o primado da intuição sobre a razão na tomada de determinadas decisões, e foi meio por acaso que chegou à tese de que alguns expoentes do modernismo foram mais adiante que a ciência do seu tempo na exploração do cérebro humano.



Para ocupar os tempos mortos de uma pesquisa de laboratório sobre os mecanismos do cérebro, que desenvolvia com a equipe do Nobel de Medicina Eric Kandel, Lehrer mergulhou na leitura de Em Busca do Tempo Perdido. Logo no primeiro volume deparou com uma resposta “intuitiva” às suas investigações sobre como a mente recorda e um conjunto de células pode estocar e gerenciar nosso passado. Proust previra suas experiências com um século de antecedência, ajudado tão somente por uma madeleine e uma colher de chá.



“Um segredo molecular se escondia em nossas densas fibras neuronais, esperando silenciosamente por um bolinho”, reconhece Lehrer, que não se esqueceu de aludir ao pioneiro trabalho da psicóloga Rachel Herz sobre a rentura da hipótese levantada por Proust, segundo a qual o paladar e o olfato serviam melhor à “convocação do passado” que os demais sentidos. Cientificamente falando, o paladar e o olfato são os únicos sentidos que se ligam diretamente ao hipocampo, o centro de longa memória do cérebro, ao passo que os sentidos da visão, do tato e da audição passam primeiro pelo tálamo, a origem da linguagem e a porta da consciência, e são muito menos eficientes quando se trata de evocar o tempo perdido.



“Nenhum mapa da matéria jamais explicará a materialidade de nossa consciência”, profetiza Lehrer. Os cientistas separam os pensamentos em partes anatômicas, descrevem nosso cérebro em detalhes físicos, reduzindo-o a uma tecelagem de células elétricas e espaços sinápticos, esquecidos de que não é assim que experimentamos o mundo. Ao expressar nossa experiência real, os artistas expõem a incompletude da ciência.



Na busca por novos tipos de expressão, explorando formas diferentes de lidar com mistérios que não conseguiam compreender, um punhado de artistas passou a “olhar para o interior”, criando assim uma arte primorosamente autoconsciente, cujo “assunto” era a nossa psicologia. Proust o fez deitado na cama, refletindo sobre seu passado; Cézanne olhando horas a fio uma maçã; Gertrude Stein brincando com as palavras; Stravinsky investindo nas constantes alterações dos neurônios no córtex auditivo.



Quando da primeira exposição de pintura pós-impressionista, em dezembro de 1910, os quadros de Cézanne foram vistos como aberrações patológicas, como distorções deliberadas da natureza. Acreditava-se então que os nossos sentidos eram reflexos perfeitos do mundo exterior, que o olho humano era uma máquina fotográfica a enviar imagens prontas para o cérebro. Pas de tout. Os pós-impressionistas descobriram que ver, só, não bastava: era preciso refletir; ou seja, as nossas impressões exigem interpretação. E como olhar é criar o que vemos, decidiram reproduzir a natureza em termos de iluminação, “entender a visão como uma soma da luz”. A neurociência demoraria cinco décadas para confirmar esse insight, provando em laboratório que o nosso olhar apenas capta borrões de cor indistinta, e que cabe ao cérebro criar a realidade interpretando as linhas da luz que ainda não foram transformadas em forma, permitindo que um puzzle de cores abstratas resulte numa pintura realista.



Virginia Woolf acreditava que a natureza humana se transformara de forma notável por volta de dezembro de 1910, não exatamente pelo exposto na mostra dos pós-impressionistas. Há quase 10 anos, o psicólogo Steven Pinker desautorizou a escritora; para ele, “a natureza humana não mudou em 1910, nem em qualquer ano depois”. Certo, mas Pinker, argumenta Lehrer, não percebeu a ironia por trás da observação de Woolf. Nem seu principal alvo: os romancistas pré-modernos que haviam se recusado a investigar o funcionamento interno da mente. Woolf queria escrever romances que refletissem a natureza humana e sua mente fragmentada. Conseguiu. Quem leu Mrs. Dalloway há de concordar. Foi esse romance, publicado em 1925, que lhe deu status de neurocientista.

SERGIO AUGUSTO, s.augusto@estadao.com.br
Fonte : O Estado de S.Paulo

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Orlando Furioso

"Tão puro brilha o aço em cada torre
Que de nódoa ou ferrugem sempre é isento.
Noite e dia o ladrão as plagas corre
E depois acha ali forte aposento.
Debalde ao que ele preia alguém socorre
Com brados de blasfêmia ou de lamento.
Minha amada, meu próprio coração
Desespero livrar de tal prisão. "

Orlando Furioso, de Ludovico Ariosto,
Tradução de Pedro Garcez Ghirardi.
Ateliê Editorial.

Lazy Eye

TERRITÓRIOS DA MÚSICA II

Canta-me um dos Lieder de Schubert,

um dos mais tristes,

Tränenregen, ou Der Lindenbaum,

pleno de florestas desamparadas,

inchado de rios transparentes,

transbordando de amores impossíveis.



Toca ao piano suavemente

e canta-me o mais triste Lied.

Abre espaço para o pobre Franz

junto ao fogo.



E se te acontecer cantares a palavra Herz,

certifica-te que lhe dás expressão, a modulação que requer,

pensa que somos Românticos

circa mil oitocentos e vinte e sete

e que um de nós tem uma doença incurável e impronunciável.

Porque ninguém vai compreender nunca

a nossa coragem, a nossa beleza.

RIKARDO ARREGI

Poesia & Ltda.


http://www.poesiailimitada.blogspot.com

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Tempo

Em 6 anos você se olha

E não tem mais

a mesma cara



Em 6 meses você cura

Uma ferida

seja ela qual for



Em 6 dias você acumula

Mais tarefas

do que na semana passada



Em 6 horas

Você pode viver

um grande amor



60 minutos por hora

essa é a velocidade

que a sua vida acaba



6 segundos é o que vai te restar

Pra perdoar

aquilo que você nem lembra mais.

Estrela Leminski – Escritoras Suicidas
Até quando terás, minha alma, esta doçura


Cecília Meireles

Até quando terás, minha alma, esta doçura,

este dom de sofrer, este poder de amar,

a força de estar sempre – insegura – segura

como a flecha que segue a trajetória obscura,

fiel ao seu movimento, exata em seu lugar…?

Melhores Poemas, Global Editora, 1984 – S.Paulo, Brasil

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Eco depois de um mês em 68

Nós cansamos do velho

da intrépida múmia

com mofo aromático

E desespero tétrico.

Mas nunca do clássico

Pois esse não envelhece

Ganha a voz com o vento

E no tempo permanece.

Nós cansamos do que se basta

O que se rende à casta

Temem o que vem e se temem

Nunca se olham nem se desentendem

Nunca se afirmam e nem surpreendem.

Nós inventamos o futuro

E engolimos o modernismo

Nós devoramos a vanguarda

E transcendemos o partidarismo

mas isso,

é só

porque nascemos depois

que nasceu o pluralismo.

Eunice Boreal – Cronópios

Dois

Dossiê

Eu sou uma mocinha. Mo-ci-nha. Adoro perfumes, cores, bebês e flores.

Mas me interessa igualmente o que me é diferente. O lado obscuro de tudo. Eu sou uma mocinha. Menina. Mas me atrai conhecer o avesso. Entendê-lo.

Por isso coleciono almas. Olho nos olhos, observo o entorno, busco desgasto derreto de cansaço. Vou até o fim.

Eu sou menina. Eu sou menino. Eu sou um espectro. Uma abelha. Uma agulha. Uma fagulha.

Uma história de dois lados.

Daniela Dias – Escritoras Suicidas

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

IMERECIMENTO

Adormeço



na



luz



dos



teus



olhos



vejo



Veneza



que



não



conheço





Ondulo



num



círculo



de



ondas



de



levitação







Confesso:



não



mereço



a



ternura



da



gôndola



acariciando



as



águas



onda



a



onda

Tony Tcheka

NOSTALGIA

Cinzento nicotina



serpenteia o meu quarto



argola o tempo que não passa





Tu não apareces



nada acontece….





O som sobe em 33 rotações



a voz sofrida de Ottis Reding



sustenta o calor de um canto soul





Emerges de uma nota de piano



por momentos bailas



na circunferência de uma bola de fumo



que se esquiva pela persiana





Fica o som dilatado do sax



a dar passagem a Ottis



a sentenciar “time is over”





Nada acontece…



Nicotino o espaço que se fecha



sobre mim sem ti



Tony Tcheka

E NÃO TE CHAMAS CRISTO

Tens o crucifixo de muitas chuvas



cravado na palma da mão



com que matizas a terra



em tempos de kebur





Tempo finado



tempo fincado no peito da dor



disputando a sobra do cuntango



Tempo enlutado



tempo anoitecido



no entardecer da esperança





Na curvatura



do tambor onde expias o desespero



fizeram do teu corpo sepultura do medo





Negam-te o pedaço da tua tabanca



dão-te uma vida assalariada



taxam-te uns tantos por cento



para a sobrevivência autorizada





E não te chamas Cristo



e só pregas com o arado



Tony Tcheka

BATUCADA NA NOITE

Bissau cresce



quando o sol desce



vem com o fio da noite



e só adormece



quando amanhece





O álcool



e o week-end



inflamam corpos



cheios de adornos





Na noite



há insónias



e sónias de muitos nomes



não é só o mote



aqui há funky



há merengada



e antilhesas na madrugada



Lufadas de amor



moldam corpos



suarentos de ardor



há um saracoteio



permanente



na passarelle da noite



sedas flutuantes



coxas remexendo



num sincopado



que dá síncope





O odor



mastiga o ar



sem pudor mistura-se



confunde-se



catinga



chanel



paco rabane



água cheiro



suor



e dior



ça va comme ça…



O old scotch



dá o toque final



É fatal



afinal porque não…





A batucada cresce



abre o espaço



a cidade não dorme



Tony Tcheka

SILABAR A PAZ

RISCO



na folha



do teu corpo



azul



pergaminho



desta vida



cerzida



com fios



de tulipa



negra



espelho



que o mago



tingiu





GRITO



com a voz



de pedra



e sinto



os ventos



irromperem



das vértebras



da noite





ASSIM



tacteando



com as minhas



mãos



presas



ao umbigo



da vida



trespasso



a acidez



da loucura



em ponto final







SOLTO



todas



as vozes



silabando



a paz



com acentos



de liberdade



Tony Tcheka

TECTO DE SILÊNCIO

Ergo a minha voz



e firo o tecto de silêncio



nego a morte de crianças



porque há míngua de medicamentos





Na angústia



liberto o verbo



mordo o pólen da desgraça



que grassa



nesta África desventurada



em obra



e graça



Subdesenvolvendo-se





Coloco andaimes



nos alicerces do tempo



Perscruto os ventos



Circunciso as ondas



Nego a convivência da paciência



que amordaça a fala



e cala o sentimento





Exorcizo o paludismo



Apeio a poliomielite



Amputo a desgraça



e eis a graça da criança



florescendo a vida



Tony Tcheka

TERRA TÍSICA

terra sahel



vento



cinzento



esboçando



voos amargos



movediços



esperança a esvaiar



das alturas do futa djalon





-o bombolom



lamina ventos



anuncia eventos



repica forte



e geme



no corpo



do vento saheliano





dores saheis



em contravento





a seca



é um gemido ululante



sublimado



nas cordas adelgaçadas



do nhanhero griot





a chuva



que o vento



levou



mora no imaginário



sumido



de um choro



sem tambores



sem cana sem



lágrimas





o vento



deixou-nos



a ânsia gotejando



no pulmão da terra tísica



Tony Tcheka



(in “Os rumos de vento”- Fundão Portugal)

Globalizado excluído

A

Carta

de

alforria

que

floriu

no templo

das proclamações

decretos

e

convênios

libertadores

murchou

desandou

como

a

flor

sahel



amnésica

ficou

sem

os

pergaminhos



globalizada



nos

grilhões

dos

novos

navios

negreiros

ressurge

sob formas

manhetas

manietada pelas

fronteiras farpadas

impostas por patriarcas ilusionistas

batutadores da escrita família

do comércio proteccionista de exclu$ão &

companhia Lda

Tony Tcheka.Guiné Bissau

Canção de amor de uma negra[Black Woman's Love Song]

Eu te cantei canções de amor

enquanto eles nos jogaram

juntos

entre as baratas e os ratos

no porão do navio negreiro.



Eu te cantei canções de amor

quando naquele buraco fétido

eu te ajudei a ficar vivo

para enfrentar a luta no novo mundo.



Eu te cantei canções de amor

quando eles nos colocaram

à venda no leilão

e te levaram para o leste

me arrastando para o norte.



Eu te cantei canções de amor

entre os meus gritos

de dor

te implorando

Por favor nunca te esqueças de mim.



Eu te cantei canções de amor

quando eles me levaram

para ser sua concubina

e te levaram

para ser seu garanhão.



Eu te cantei canções de amor

até quando eu deixei

de ser a concubina deles

mas não pudeste deixar de ser

seu garanhão.



Eu te cantei canções de amor

quando a backra-massa ¹

nos jogou pra fora de nossas terras

pagas com nosso suor e sangue.



Eu te cantei canções de amor

quando tu disseste

“Se não podemos vencê-los

vamos nos unir a eles”

e ficaste com a backra-missus ².



Eu te cantei canções de amor

quando tivemos nossas cabeças

quebradas

juntos

nas demonstrações pelo direito

de falar, de fazer greve

de politizar

de organizar.



Eu te cantei canções de amor

quando tu choraste no meu peito

e eu esfreguei ervas medicinais

nos teus ferimentos

ambos

esquecendo

que os meus próprios intestinos estavam rasgados

e rasgados de feridas.



Eu te cantei canções de amor

quando pegamos em armas

contra o inimigo

para resgatar nossa dignidade.



Eu te cantei canções de amor

mesmo quando tu renegaste

o nosso filho

concebido com a tua semente apressada

disparada no meu útero

num dia de folga.



Eu te cantei canções de amor

depois da guerra

quando trabalhamos juntos

para reconstruir um povo inteiro

e um país livre.



Eu te cantei canções de amor

quando tu me disseste

que eu já não era esperta o suficiente

para freqüentar os jantares de Estado

para os quais tu já eras convidado.



Eu continuo te cantando

canções de amor

mesmo quando canções de ódio

ameaçam sufocar até a minha alma.



Eu te canto canções de amor

homem-negro

para que tu possas entender

que eu te quero

forte

do meu lado

me cantando canções de amor também.


Elean Thomas (1947-2007); Jamaica.





In: BARON, Dan. Alfabetização cultural. São Paulo: Alfarrábio, 2004. (Tradução do autor)



Notas:

¹ O latifundiário na Jamaica.

² A esposa do latifundiário

Carta de um Contratado

Eu queria escrever-te uma carta

amor

uma carta que dissesse

deste anseio

de te ver

deste receio de te perder

deste mais que bem querer que sinto

deste mal indefinido que me persegue

desta saudade a que vivo todo entregue…



Eu queria escrever-te uma cara

amor

uma carta de confidências íntimas

uma carta de lembranças de ti

de ti

dos teus lábios vermelhos como tacula

dos teus cabelos negros como dilôa

dos teus olhos doces como macongue

dos teus seios duros como maboque

do teu andar de onça

e dos teus carinhos

que maiores não encontrei por aí…



Eu queria escrever-te uma carta

amor

que recordasse nossos dias na capôpa

nossas noites perdidas no capim

que recordasse a sombra que nos caía dos jambos

o luar que se coava das palmeiras sem fim

que recordasse a loucura

da nossa paixão

e a amargura nossa separação…



Eu queria escrever-te uma carta

amor

que a não lesses sem suspirar

que a escondesses de papai Bombo

que a sonegasses a mamãe Kieza

que a relesses sem a frieza

do esquecimento

uma carta que em todo Kilombo

outra a ela não tivesse merecimento…



Eu queria escrever-te uma carta

amor

uma carta que te levasse o vento que passa

uma carta que os cajus e cafeeiros

que as hienas e palancas

que os jacarés e bagres

pudessem entender

para que se o vento a perdesse no caminho

os bichos e plantas

compadecidos de nosso pungente sofrer

de canto em canto

de lamento em lamento

de farfalhar em farfalhar

te levasse puras e quentes

as palavras ardentes

as palavras magoadas da minha carta

que eu queria escrever-te amor…



Eu queria escrever-te uma carta…

Mas ah meu amor, eu não sei compreender

por que é, por que é, por que é, meu bem

que tu não sabes ler

e eu – Oh! Desespero – não sei escrever também!

António Jacinto (1924-1991); Angola.
AMOR, SUEGRAS Y VOZKA




El amor es como un virus metafísico que ansiamos que se nos meta en el cuerpo de una u otra manera. El amor es una hermosa diablura condimentada con miel y labios ansiosos. Resulta tan primoroso que cuesta encontrarlo y, a veces, en busca del mismo, nos conformamos con cuentos de hadas relatados por personas que aseguran que sienten amor por nosotros, y al final, sólo era un sentimiento mal entendido que acabó en la cama de un motel de todo a cien, incluidos los preservativos. Será por esto que Giovanni Casanova sentenciaba que el amor no es más que una curiosidad, la misma que mató al gato. Yo me quedo con la cita de don Jacinto Benavente: “El amor es como Don Quijote: cuando recobra el juicio es que está para morir”. Serena y cabal cita la de don Jacinto, de hecho, algunos se han quedado con las neuronas cercenadas a causa del amor veraz. Y es que la verdad, pese a que suene poco paradisíaco, el amor en inicio es como un trago deleitable de vodka, mas, con el tiempo y la realidad, puedes llegar a desear quedarte con la botella del susodicho licor, y envenenarte las venas al verificar que no sólo estás amando a ese hombre o a esa mujer, sino también a su entorno. Es aquí, cuando el entorno ya está presente y te califica, cuando asoma un ser singular, clarividente y molesto para algunos: la suegra. Este ser portentoso, tan antiguo como un catarro primaveral, es quien puede dar colmada legitimidad a la relación de pareja. La suegra, estremecimiento de toda una tarde en familia, suele gozar de una sonrisa inicua matizada con rayos y centellas. Ella es una mujer prudente, de experiencia supina; también es, aunque su marido diga lo contrario, la que lleva los pantalones, la que te observa y evalúa como buena o mala pareja para su hijo o hija. En Galicia, aparece como matriarca incuestionable y a su vez es, aunque haya columnistas que no lo digan por miedo a represalias, el punto exacto de ir o no ir hacia adelante con la relación de noviazgo, y se les ha llegado a temer más que a una aparición de la Santa Compaña a medianoche, con luna llena y sicofonía de fondo. Esta mujer frenética te ofrece un lacón con grelos cocinado con pericia, mientras te acecha osadamente, estudiando el masticado de tus dientes ambarinos, el hilado de tu camisa made in la feria y las contestaciones que le das a una serie de preguntas que debes responder con educación imperiosa, pero nunca con sinceridad plena. La suegra puede llegar a ser algo así como la otra locura que Jacinto Benavente no se atreve a citar. Es una daga de doble filo que no entiende de frases como: “Yo amo a su hija y estoy dispuesto a estar con ella hasta el final de mis días”. No, no se engañen, existen suegras que ya huelen el bienestar de sus hijos inclusive antes de que entren por la puerta de su casa. Ellas ven tu billetera antes de que tú mismo sepas la cantidad exacta de amor que llevas dentro de ella. Cosas del querer que en ocasiones se transmuta en un titánico lingotazo de turbación y vodka.



Alexander Vórtice

http://www.lacoctelera.com/alexandervortice

http://www.opinionvortice.blogspot.com/

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Brigitte Bardot. Espanha, 1971.

Imponderáveis Decifráveis ?

*A vida é um roteiro traçado pelo mistério;

A felicidade, o orgasmo sutil da existência.



A amizade é o combustível da humanidade;

O amor, a face de Deus ofertada desde cedo.



A informação é o tijolo bruto da consciência;

O saber, a construção portadora de atitude.



A mudança é a dança estonteante da rotina;

O sonho, o fruto antecipado como semente.



A dor é o atalho que ressuscita a nossa essência;

A preocupação, a miragem impotente do medo.



A arte é a senha que destranca a alma pequenina;

A poesia, a música cujo refrão depende da gente.




Pablo Robles

http://www.gritopacifico.blogspot.com/2011/02/poesia-imponderaveis-decifraveis.html

Medersa para mulheres . Rússia, 2008

Diadorim

houve um tempo em que ela pensava ser homem. não sabia ainda das diferenças naturais entre os sexos — apesar dos abusos que sofrera, cria ser a sexualidade uma orientação. e o fato de a mãe vesti-la com aqueles babados e frufrus ridículos, era tão somente para deliciar-se com a humilhação que impunha à filha.

ela vestia uma roupa andrógina por baixo dos vestidos. depois de caminhar os treze quilômetros que separavam a casa da escola, num lugar onde havia um rio — seu divisor metafísico, e a ponte era um largo tronco de baobá — retirava essas máscaras como num ritual, acessórios de cabeça, corpo e membros. então podia contemplar n’água seu verdadeiro eu. sem artifícios.

as outras crianças a rodeavam entre gritos “maria sapatão, sapatão, sapatão, de dia é maria, de noite é joão”. apesar de não compreender as bazófias, não gostava. recolhia-se no fundo da sala, na biblioteca — quase vazia, no banheiro. às vezes se deixava ter com uma ou outra garota que lhe pedia carícias nesses recônditos silenciosos e em penumbra; para em seguida, às luzes da ribalta, ouvir das mesmas garotas, um tanto envergonhadas em gestalt, a repetida música, seu melô.

a mais freqüente delas, fernandè, levava-a até sua casa após às aulas. nadavam juntas a se encharcar lá no fundo. piscina ou chuveiro. olha, é melhor a gente enganar aquela patota lá do colégio, vamos fingir que somos inimigas. ela aceitou. não fazia muita diferença mesmo. fernandè achava que sabia das coisas, e era melhor que continuasse assim. na hora devida, compreenderia que não pode haver segredos de amizade.

*

raspou a cabeça. comeu suas unhas até sangrar. rasgou os vestidos e jogou no rio os acessórios tão inúteis. levou uma boa sova da mãe, mas há muito que não se importava com essas mãos tão rudes.

chamou fernandè para um corredor da escola e a beijou. essa não podia esquivar-se. quando enlaçada, era como um afogamento, um desfalecer de asas. a beleza e a delícia da morte.

o diretor da escola separou-as. fernandè foi pra sala de aula e a outra pra diretoria. pela última vez. estava expulsa. e outra sova.

*

ela iria se curar. foi o bispo em pessoa que recomendou a psiquiatra.

os exames em sua cabeça não identificaram qualquer desvio.

sylvie deitou-a. então pensa que é homem? mas não somos todos? li que o homem é universal; quando querem se referir a todas as pessoas falam homem; falam em humanidade, cujo radical é homem.

sylvie se deixou emocionar e ofereceu à paciente o seu sobrenome: champagne.

*

agora a garota era uma mulher. entendia que palavras sempre serviram de artifícios ao paternalismo para subjulgar o feminino, de que, afinal, tinham medo. como de todo desconhecido.

compreendeu a única diferença natural entre os sexos. questão de anatomia, e todas demais são construções culturais.

entendeu, inclusive, a música gracejadora. nunca se passou por homem porque em suas entranhas gritavam as vozes de todas as mulheres que eram todas e ela também.

quanto ao “desvio sexual” de sua filha, não se trata de anomalia ou opção, dona lucie. então é o quê?

homoternurismo.

Nina Rizzi – Escritoras Suicidas


Nina Rizzi (1983). Formada em História pela UNESP, em Franca/SP. Mãe da Lavínia. “Sou a catalisação, a junção de todos meus pseudônimos, pseudo-eus, eus perdidos, alter ego… o que chamo de ELLO. ELLO é também uma nova fase. Uma reconceituação de poesia, música e teatro, tudo um elo, ou ello”.

Vidas Secas

foto compõem a exposição “Narrativas Brasileiras”, exibida na cidade do Porto em Portugal

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Endecha

Estábamos perdidos

cuando nos encontramos

en aquel retraso de aeropuerto.

Yo estaba lleno de noche y de frío,

aunque había pasado tres días

en el “San Francisco”,

con una muchacha de nalgas redondas.

Tu creíste que yo era un camionero.

Admiraste la vulgaridad de mi estilo

y me amaste por ello.

-No lo era.-

Yo creí que tú eras una princesa,

que arrastraba hasta mí su aburrimiento.

-Y es verdad.-

Como es verdad que seguimos estando perdidos.

Yo, por no poder soportar la realeza,

tú, por no saber nunca lo que estás haciendo.

Mário Rivero

Señor K

Franz Kafka

novelista checo

vendedor de seguros de vida

—Compañía de Accidentes de Trabajo

del Reino de Bohemia—

al cruzar los pasillos

de una notaría

y ver legajos empolvados

pensé en usted

Sentí que los días trabajan

discreta y taciturnamente

sobre nosotros

imaginé un espejo

y vi una arruga en mi frente

y una mosca

en la nariz del notario

 Mario Rivero (1935 - 2009)Colômbia
Me retracto de todo lo dicho


Antes de despedirme

Tengo derecho a un último deseo:

Generoso lector

quema este libro

No representa 1o que quise decir

A pesar de que fue escrito con sangre

No representa lo que quise decir.



Mi situación no puede ser más triste

Fui derrotado por mi propia sombra:

Las palabras se vengaron de mí.



Perdóname lector

Amistoso lector

Que no me pueda despedir de ti

Con un abrazo fiel:

Me despido de ti

con una triste sonrisa forzada.



Puede que yo no sea más que eso

pero oye mi última palabra:

Me retracto de todo lo dicho.

Con la mayor amargura del mundo

Me retracto de todo lo que he dicho.



Ultranza es una bonita palabra que significa “a todo trance, resueltamente”. Es como decir “a muerte”. O sea, Nicanor Parra es y será mamagallista a muerte.


Nicanor Parra.Chile

Quédate con tu Borges

él te ofrece el recuerdo de una flor amarilla

vista al anochecer

años antes que tú nacieras

interesante puchas que interesante

en cambio yo no te prometo nada

ni dinero ni sexo ni poesía

un yogur es lo + que podría ofrecerte

Nicanor Parra.Chile

Amantes

Somos como son los que se aman.

Al desnudarnos descubrimos dos monstruosos

Desconocidos que se estrechan a tientas,

Cicatrices con que el rencoroso deseo

Señala a los que sin descanso se aman;

El tedio, la sospecha invenncible nos ata

En su red, como en la falta dos dioses adúlteros.

Enamorados como dos locos,

Dos astros sanguinarios, dos dinastías

Que hambrientas se disputan un reino,

Queremos ser justicia, nos acechamos feroces,

Nos engañamos, nos inferimos las viles injurias

Con que el cielo afrenta a los que se aman.

Sólo para que mil veces nos incendie

El abrazo que en el mundo son los que se aman

Mil veces morimos cada día.



Jorge Gaitán Durán (1925 - 1962)

Gaitán Durán nació en Pamplona, Norte de Santander, Colombia, en 1925. Murió en un accidente de aviación en Pointe-á-Pitre, en 1962.

Poeta, ensayista, dramaturgo, cuentista y periodista, fue fundador de la mítica revista Mito, en 1955, junto con Hernando Valencia Goelkel.

Publicó El libertino (1954), Amantes (1958), Si mañana despierto (1961).

Octavio Paz dijo que era “uno de los espíritus más despiertos y originales de la nueva literatura latinoamericana”.
 
Fonte:El Blog de Lalito Grafía
El vicio de releer


Domingo, Mayo 31st, 2009

Si leer es un placer sensual, releer es un exquisito vicio solitario.

Hoy en día poca gente se atreve a volver sobre los libros que ha leído. Es como si al hacerlo traicionaran un supuesto pacto con lo contemporáneo, con lo que está de moda o al día. Y, tal vez, por ese miedo a darle la espalda a “lo politícamente correcto”, ciertas personas le huyen o le tienen pereza a la relectura.

A mí, en cambio, releer me está gustando cada vez más y más y más. Sin abandonar el goce por las lecturas nuevas, siempre insólitas e imprevistas, releer se me ha vuelto una costumbre renovadora, mero renacentismo a principios del siglo 21.
Jorge Gaitán Durán (1925 - 1962).Colômbia



Fonte: El Blog de Lalito Grafía
http://www.ecbloguer.com/lalitografia/

O México profundo nas imagens de um autor, Juan Rulfo

As paisagens áridas sugeridas por Pedro Páramo, monumento literário da América espanhola, são traduzidas pelo escritor mexicano num belo livro que reúne suas 100 melhores fotografias


Ao escritor mexicano Juan Rulfo (1917-1986) se deve a mais completa série de estudos etnográficos sobre as populações indígenas do México. E também algumas das mais belas fotografias que retrataram essas culturas, lado menos conhecido do autor do livro Pedro Páramo, o grande monumento literário moderno mexicano do século 20. Parte da enorme coleção de negativos deixados por Rulfo, construída durante os vários anos em que, entre outras lutas, militou pela causa indigenista no México, foi selecionada para o livro 100 Fotografias: Juan Rulfo, que a Cosac Naify lança em parceria com a Editorial RM do México, com ensaios do diretor da fundação que leva o nome do escritor, o arquiteto e historiador Víctor Jiménez, do curador independente Andrew Dempsey e do jovem historiador e curador italiano Daniele de Luigi, os dois últimos responsáveis pela seleção das 100 fotos que aparecem no livro.



Rulfo publicou as primeiras fotos em 1949, na revista América, realizando sua primeira exposição apenas em 1960, em Guadalajara. Discreto e criterioso, ele só começou a ficar conhecido como fotógrafo após uma grande exposição realizada no Palácio de Belas Artes da Cidade do México, em 1980, acompanhada de um catálogo, Homenaje Nacional, seis anos antes de sua morte. Este seria transformado num livro, Inframundo, que chegou às mãos da crítica e ensaísta norte-americana Susan Sontag (1933-2004), autora de um livro fundamental sobre fotografia e do prefácio da segunda tradução inglesa de Pedro Páramo. De lá para cá outros livros foram publicados sobre sua obra fotográfica, entre os quais Juan Rulfo, Letras e Imágenes (2002), em que é explorada a relação entre literatura e fotografia na obra do escritor.



Ruínas. No livro que está sendo lançado, esse é um aspecto igualmente lembrado, mas é na tragédia da infância de Rulfo que os curadores vão buscar explicações para o aspecto desolador de suas ruínas, de seus desamparados camponeses e da desértica paisagem mexicana. O curador Andrew Dempsey diz que a chave para decifrar essa terra devastada – tão bem descrita em Pedro Páramo, homem frustrado por um amor impossível, vivendo num território fantasmagórico – é mesmo a tragédia enfrentada por Rulfo quando criança. O pai morreu assassinado quanto ele tinha 6 anos – e esse choque é traduzido, em Pedro Páramo, pela loucura de Susana, a paixão juvenil do narrador onisciente, uma morta-viva quando reaparece em Comala, viúva de Florêncio e enlouquecida pelo assassinato do pai.



Rulfo dizia ser difícil reconhecer no território de Jalisco – que abriga a cidade de San Gabriel, onde o escritor passou a infância – traços dos personagens de seus livros, porque as pessoas de Pedro Páramo “não têm cara e só por suas palavras se adivinha o que foram”. Claro, estão todos mortos. A morte está em toda a parte no livro e é com ela que começa a narrativa, a de um morto contando sua história a outros mortos num tempo congelado na memória de seu protagonista. Olhando as fotos do livro, é a mesma impressão que castiga a retina do leitor com esse tempo circular em que tudo se repete, revelando uma paisagem imutável, silenciosa e árida, o próprio território da morte.



Núcleos. Dividido em quatro núcleos temáticos, o livro 100 Fotografias: Juan Rulfo, começa com a foto de uma pirâmide de Cempoala, em Vera Cruz, tirada na década de 1950, que marca o capítulo inaugural, dedicado à arquitetura. Mais que o registro documental do passado arquitetônico dos primeiros povos do México, há um drama épico sugerido pelas imagens dessas ruínas de civilizações esmagadas pelo estrangeiro, que levou o ouro do México, deixando desamparadas as comunidades indígenas. Rulfo dizia que essas populações vivem fechadas num hermetismo ancestral que repudia a intromissão de estranhos e é justamente o que se vê no segundo núcleo temático, dedicado aos vilarejos rurais, de camponeses paupérrimos que tanto inspiraram Pedro Páramo (1955) como os contos de Chão em Chamas (1953) – ambos traduzidos por Eric Nepomuceno e publicados pela Record na versão mais recente, de 2004.



O terceiro núcleo temático traz as fotos do começo da carreira do fotógrafo Rulfo, nos anos 1940, paisagens que remetem ao gigantismo de Ansel Adams ou, ainda mais, à composição formal de Edward Weston. Por certo, Rulfo já tinha um olhar educado quando comprou sua Rolleiflex seis por seis, que acabou perdendo. Conhecia bem os fotógrafos estrangeiros e os de seu país – e a forma como se aproxima das camponesas com seus trajes tradicionais e da paisagem mexicana deve muito a Manuel Álvarez Bravo.



Finalmente, no último núcleo, o próprio Bravo surge como personagem entre os amigos do escritor-fotógrafo, além de pessoas de sua família, como a mulher Clara Aparício e sua filha Cláudia, nascida em 1951, três anos após seu casamento. São quase todas fotos dessa mesma década, quando as excursões de Rulfo começaram a ficar mais curtas por conta dos compromissos assumidos com a literatura – especialmente por causa das sucessivas bolsas de estudo concedidas pelo Centro Mexicano de Escritores, fundado pela americana Margaret Shedd (fotografada no último núcleo do livro). Foi ela a figura determinante para que Rulfo publicasse tanto O Chão em Chamas como Pedro Páramo, transformando-o no escritor mexicano mais conhecido fora de seu país, admirado por colegas como o argentino Jorge Luis Borges e o colombiano Gabriel García Márquez.



Foi de García Márquez o maior elogio que Juan Rulfo recebeu. A imprensa cobrava muito de Rulfo uma outra novela depois de Pedro Páramo, mas ele não tinha pressa nem perseguia a fama. “Se eu fosse autor de Pedro Páramo, para mim o mais importante e belo dos romances escritos em língua castelhana, não me preocuparia nem voltaria a escrever jamais em minha vida”, disse o Nobel de literatura de 1982, tido como o criador do realismo mágico, do qual Rulfo foi precursor. Rulfo escreveu um pequeno segundo romance, O Galo de Ouro, esboçado em 1956 e filmado por Roberto Gavaldón em 1964, contando a história de um pobre camponês com sorte na briga de galos que é contratado por um ricaço, ambos apaixonados pela mesma mulher. Há uma segunda versão dirigida pelo iconoclasta Arturo Ripstein (El Imperio de la Fortuna, de 1986).



Cinema. Há quem defenda que Rulfo concebeu Pedro Páramo como um filme. A elipse narrativa do romance, que tanto incomodou os críticos na época do lançamento, reproduziria, em termos literários, artifícios da montagem cinematográfica – e ele foi supervisor das salas de cinema de Guadalajara, o que facilitou seu ingresso nesse universo, para o qual contribuiu como roteirista, crítico e consultor histórico (do filme La Escondida, de 1955, dirigido por Roberto Gavaldón, o mesmo da primeira versão de O Galo de Ouro). De qualquer modo, Rulfo não gostava das adaptações de seus textos para o cinema – e Pedro Páramo teve quatro versões, sendo a primeira de 1966, dirigida por Carlos Velo. A última tentativa foi feita há dois anos por outro espanhol, Mateo Gil.



Muitas fotos no livro de Rulfo parecem fragmentos de filmes. A principal delas é a de uma mulher caminhando com uma menina pelas ruas de Mexicaltzingo, Estado do México, em 1960. Lembram – e muito – as imagens que o célebre fotógrafo Gabriel Figueroa (1907-1997) criou para os filmes mexicanos de Buñuel (Os Esquecidos, Nazarín, Simão do Deserto) e também para a primeira versão de Pedro Páramo, que fotografou para Carlos Velo. Figueroa, criado como ele num povoado mexicano, manipulava a luz de forma arquitetônica, enquadrando seus personagens em figuras geométricas projetadas pela sombra, de maneira quase alegórica, como se os “olvidados” mexicanos estivessem confinados, sendo ao mesmo tempo iluminados e destruídos pelo escaldante sol dos áridos povoados mexicanos.



Também nas fotos de Rulfo, a aparição de signos cristãos encontram correspondência nas ruínas zapotecas ou barrocas que emergem com a luz teofânica das imagens (Rulfo teve formação católica e começou a ler na biblioteca de um padre). Como lembra o historiador Víctor Jiménez, “ele fez diversas fotos de portas de igrejas com pessoas que se aproximam ou que delas se afastam”, calculando o “possível efeito simbólico” desses gestos. Afinal, antes de tudo, eles revelam a ambivalente relação dos mexicanos com o cristianismo imposto pelo conquistador.

Antonio Gonçalves Filho – O Estado de S.Paulo.05/02/2011

JUAN RULFO Y SU MIRADA FOTOGRAFICA

sábado, 5 de fevereiro de 2011

A Máquina Fotográfica

"É na câmara escura dos teus olhos

que se revela a água



água imagem

água nítida e fixa

água paisagem

boa nariz cabelos e cintura

terra sem nome

rosto sem figura

água móvel nos rios

parada nos retratos

água escorrida e pura

água viagem trânsito hiato.



Chego de longe. Venho em férias. Estou cansado.

Já suei o suor de oito séculos de mar

o tempo de onze meses de ordenado;

por isso, meu amor, viajo a nado

não por ser português mal empregado

mas por sofrer dos pés

e estar desidratado.



Chego. Mudo de fato. Calço a idade

que melhor quadra à minha solidão

e saio a procurar-te na cidade

contrastada violenta negativa

tu única sombra murmurada

única rua mal iluminada

única imagem desfocada e viva.



Moras aonde eu sei.

É na distância

onde chego de táxi.

Sou turista

com trinta e seis hipóteses no rolo;

venho ao teu miradoiro ver a vista

trago a minha tristeza a tiracolo.



Enquadro-te regulo-te disparo-te

revelo-te retoco-te repito-te

compro um frasco de tédio e um aparo

nas tuas costas ponho uma estampilha

e escrevo aos meus amigos que estão longe

charmant pays

the sun is shining

love.



Emendo-te rasuro-te preencho-te

assino-te destino-te comando-te

és o lugar concreto onde procuro

a noite de passagem o abrigo seguro

a hora de acordar que se diz ao porteiro

o tempo que não segue o tempo em que não duro

senão um dia inteiro.



Invento-te desbravo-te desvendo-te

surges letra por letra, película sonora,

do sendo à vogal do tema à consoante

sem presença no espaço sem diferença na hora.

És a rota da Índia o sarcasmo do vento

a cãibra do gajeiro o erro do sextante

o acaso a maré o mapa a descoberta

dum novo continente itinerante."

Ary dos Santos

SOL de SESTA

a gata preta prenha

dorme à sombra da lenha

descansa da fadiga



que é esperar que a prole

um dia venha

negra como ela

sugar-lhe as mamas

na base

da barriga



Platero

(h)ortografias

MUBARAK

Hosni Said Mubarak

não descobriu ainda

que chegou o tempo

de abandonar o fraque?



trocá-lo pelo pijama

pelos chinelos

cuidar mais do conforto na cama

do que da pintura dos cabelos?



não descobriu ainda que o seu povo

cansou de si

- antes que o maltrate

ponha-se a milhas Mubarak



é que

tempo de ser ouro já lá vai

os anos passam sobre nós

sejamos escravos

ou gloriosos Faraós



pechisbeque

Mubarak



Hosni Said Mubarak

eis o que resta

a quem em altiva testa

nascem rugas de basbaque



hoje agora você não vale nada

antes que o povo o pegue

e o enforque

ponha-se a milhas Mubarak



veja-se ao espelho

não há nenhum retoque

que o liberte

da máscara de velho



ponha-se a milhas Mubarak

para milhões e milhões de de ex-escravos seus

hoje você

não vale um traque



pense bem Mubarak

hoje você

não vale um traque



Platero

(h)ortografias