Rascunho essa memória
Contando estórias de meu pai.
Mergulho no mundo: abissal paisagem.
Viagem pelo barro: mistura fria.
Calor de tua mão.
Fogo do forno
Volto ao passado cuneiforme.
Extraio de mim a parte possível:
Sou a cerâmica esquecida
Durante as mudanças da vida.
Onde me debruço?
No patamar dessa escada
Ou no tempo a ser inscrito pelo meu corpo?
Nesse tempo — alguidar
Cheio da água jorrando esquecimentos
Preparo meus dias para o meu sempre
Mesmo sabendo o teu nunca
Vera Casa Nova – Escritoras Suicidas
Rascunho essa memória
Contando estórias de meu pai.
Mergulho no mundo: abissal paisagem.
Viagem pelo barro: mistura fria.
Calor de tua mão.
Fogo do forno
Volto ao passado cuneiforme.
Extraio de mim a parte possível:
Sou a cerâmica esquecida
Durante as mudanças da vida.
Onde me debruço?
No patamar dessa escada
Ou no tempo a ser inscrito pelo meu corpo?
Nesse tempo — alguidar
Cheio da água jorrando esquecimentos
Preparo meus dias para o meu sempre
Mesmo sabendo o teu nunca.
Vera Casa Nova
Fonte : Escritoras Suicidas
domingo, 27 de fevereiro de 2011
Moacyr Scliar
Médico, Scliar publicou primeiro livro em 1971
O escritor gaúcho Moacyr Scliar, que morreu hoje, aos 73 anos, publicou mais de 80 livros de diversos gêneros literários. Em 2003, entrou para a Academia Brasileira de Letras.
Scliar ganhou diversos prêmios Jabuti. Em 2009, o romance “Manual da Paixão Solitária” foi eleito livro do ano. Ele também emplacou dois na categoria romance, “Sonhos Tropicais” (1993) e “A Mulher que Escreveu a Bíblia” (2000), e um na categoria contos, “O Olho Enigmático” (1988). Em 1980, ele venceu o prêmio de literatura da APCA por “O Centauro no Jardim”.
Seus livros frequentemente abordam a imigração judaica no Brasil, mas também tratam de temas como o socialismo, a medicina e a vida da classe média. A obra de Scliar já foi traduzida para doze idiomas.
Dois deles ganharam adaptação para o cinema.
O primeiro foi o romance “Um Sonho no Caroço do Abacate”, sob o título “Caminho dos Sonhos”. Dirigido por Luca Amberg, o filme tinha a participação dos atores americanos Elliott Gould (Friends) e Talia Shire, além de Taís Araújo, Caio Blat, Mariana Ximenes, Fábio Azevedo e Edward Boggiss.
Em 2002, o romance “Sonhos Tropicais” foi adaptado sob a direção de André Sturm, com Carolina Kasting, Bruno Giordano, Flávio Galvão, Ingra Liberato e Cecil Thiré no elenco.
Scliar também escreveu crônicas e resenhas de livros. Era colunista da Folha.
Veja abaixo os principais livros de Scliar.
“A Guerra no Bom Fim” (1971)
“O Exército de um Homem Só” (1973)
“O Centauro no Jardim” (1980)
“Max e os Felinos” (1981)
“A Majestade do Xingu” (1997)
“A Mulher que Escreveu a Bíblia” (1999)
“Os Leopardos de Kafka” ( 2000)
“Sonhos Tropicais” (1992)
“Os Vendilhões do Templo” (2006)
“Manual da Paixão Solitária” ( 2008)
“Eu Vos Abraço Milhões” (2010)
VIDA
Nascido Moacyr Jaime Scliar em 23 de março de 1937 em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, ele foi alfabetizado por sua mãe, que era professora primária.
Scliar cursou medicina na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde se formou em 1962. No mesmo ano, publicou seu primeiro livro, “Histórias de Médico em Formação”, coletânea de contos baseados em sua experiência como estudante. O escritor fez residência Santa Casa de Porto Alegre, se especializando médico sanitarista.
Em 1965, Scliar se casou com Judith Vivien Oliven. Três anos depois, publicou o livro de contos “O Carnaval dos Animais”, o qual considera de fato sua primeira obra. Em 1969, assumiu o cargo de chefe da equipe de educação em saúde da Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul.
No ano seguinte, iniciou um curso de pós-graduação em medicina comunitária no Instituto de Seguro Médico de Israel. Em 1971, o escritor lançou seu primeiro romance, “A Guerra no Bom Fim”.
O filho de Scliar, Roberto, nasceu em 1979
Fonte: Blog Leituras Favre
O escritor gaúcho Moacyr Scliar, que morreu hoje, aos 73 anos, publicou mais de 80 livros de diversos gêneros literários. Em 2003, entrou para a Academia Brasileira de Letras.
Scliar ganhou diversos prêmios Jabuti. Em 2009, o romance “Manual da Paixão Solitária” foi eleito livro do ano. Ele também emplacou dois na categoria romance, “Sonhos Tropicais” (1993) e “A Mulher que Escreveu a Bíblia” (2000), e um na categoria contos, “O Olho Enigmático” (1988). Em 1980, ele venceu o prêmio de literatura da APCA por “O Centauro no Jardim”.
Seus livros frequentemente abordam a imigração judaica no Brasil, mas também tratam de temas como o socialismo, a medicina e a vida da classe média. A obra de Scliar já foi traduzida para doze idiomas.
Dois deles ganharam adaptação para o cinema.
O primeiro foi o romance “Um Sonho no Caroço do Abacate”, sob o título “Caminho dos Sonhos”. Dirigido por Luca Amberg, o filme tinha a participação dos atores americanos Elliott Gould (Friends) e Talia Shire, além de Taís Araújo, Caio Blat, Mariana Ximenes, Fábio Azevedo e Edward Boggiss.
Em 2002, o romance “Sonhos Tropicais” foi adaptado sob a direção de André Sturm, com Carolina Kasting, Bruno Giordano, Flávio Galvão, Ingra Liberato e Cecil Thiré no elenco.
Scliar também escreveu crônicas e resenhas de livros. Era colunista da Folha.
Veja abaixo os principais livros de Scliar.
“A Guerra no Bom Fim” (1971)
“O Exército de um Homem Só” (1973)
“O Centauro no Jardim” (1980)
“Max e os Felinos” (1981)
“A Majestade do Xingu” (1997)
“A Mulher que Escreveu a Bíblia” (1999)
“Os Leopardos de Kafka” ( 2000)
“Sonhos Tropicais” (1992)
“Os Vendilhões do Templo” (2006)
“Manual da Paixão Solitária” ( 2008)
“Eu Vos Abraço Milhões” (2010)
VIDA
Nascido Moacyr Jaime Scliar em 23 de março de 1937 em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, ele foi alfabetizado por sua mãe, que era professora primária.
Scliar cursou medicina na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde se formou em 1962. No mesmo ano, publicou seu primeiro livro, “Histórias de Médico em Formação”, coletânea de contos baseados em sua experiência como estudante. O escritor fez residência Santa Casa de Porto Alegre, se especializando médico sanitarista.
Em 1965, Scliar se casou com Judith Vivien Oliven. Três anos depois, publicou o livro de contos “O Carnaval dos Animais”, o qual considera de fato sua primeira obra. Em 1969, assumiu o cargo de chefe da equipe de educação em saúde da Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul.
No ano seguinte, iniciou um curso de pós-graduação em medicina comunitária no Instituto de Seguro Médico de Israel. Em 1971, o escritor lançou seu primeiro romance, “A Guerra no Bom Fim”.
O filho de Scliar, Roberto, nasceu em 1979
Fonte: Blog Leituras Favre
Madeleine, sinapses e neurônios
Já o tínhamos em quadrinhos, aqui editados pela Zahar, e na prateleira de autoajuda (Como Proust Pode Mudar Sua Vida, de Alain de Botton, traduzido pela Rocco); agora o temos até entre os livros de ciência: Proust Foi um Neurocientista, que a Best Seller acaba de lançar, com um subtítulo (Como a Arte Antecipa a Ciência) inexistente no original.
Na capa poderia estar o pintor Paul Cézanne ou o compositor Igor Stravinsky ou o poeta Walt Whitman ou as escritoras Virginia Woolf, Gertrude Stein e George Eliot, pois todos estes, mais o cozinheiro Auguste Escoffier, inventor do caldo de vitela, também anteciparam descobertas da neurociência, sacaram verdades (reais e tangíveis) sobre a mente humana que só agora a ciência está “redescobrindo”, segundo Jonah Lehrer, autor do livro. Acontece que Proust, o neurocientista destacado na capa, não só tem mais nome que os demais como inventou a mítica madeleine que o ligou para sempre aos estudos sobre a biologia da memória.
Lehrer não escreve para iniciados, mas nem seu mais invejoso desafeto acadêmico ousaria enquadrá-lo entre os proxenetas da divulgação científica. Doutorado em neurociência e literatura inglesa, por Columbia e Harvard, editor e colaborador de publicações de qualidade comprovada, já teve aqui traduzida outra obra provocativa, O Momento Decisivo, em que defendia o primado da intuição sobre a razão na tomada de determinadas decisões, e foi meio por acaso que chegou à tese de que alguns expoentes do modernismo foram mais adiante que a ciência do seu tempo na exploração do cérebro humano.
Para ocupar os tempos mortos de uma pesquisa de laboratório sobre os mecanismos do cérebro, que desenvolvia com a equipe do Nobel de Medicina Eric Kandel, Lehrer mergulhou na leitura de Em Busca do Tempo Perdido. Logo no primeiro volume deparou com uma resposta “intuitiva” às suas investigações sobre como a mente recorda e um conjunto de células pode estocar e gerenciar nosso passado. Proust previra suas experiências com um século de antecedência, ajudado tão somente por uma madeleine e uma colher de chá.
“Um segredo molecular se escondia em nossas densas fibras neuronais, esperando silenciosamente por um bolinho”, reconhece Lehrer, que não se esqueceu de aludir ao pioneiro trabalho da psicóloga Rachel Herz sobre a rentura da hipótese levantada por Proust, segundo a qual o paladar e o olfato serviam melhor à “convocação do passado” que os demais sentidos. Cientificamente falando, o paladar e o olfato são os únicos sentidos que se ligam diretamente ao hipocampo, o centro de longa memória do cérebro, ao passo que os sentidos da visão, do tato e da audição passam primeiro pelo tálamo, a origem da linguagem e a porta da consciência, e são muito menos eficientes quando se trata de evocar o tempo perdido.
“Nenhum mapa da matéria jamais explicará a materialidade de nossa consciência”, profetiza Lehrer. Os cientistas separam os pensamentos em partes anatômicas, descrevem nosso cérebro em detalhes físicos, reduzindo-o a uma tecelagem de células elétricas e espaços sinápticos, esquecidos de que não é assim que experimentamos o mundo. Ao expressar nossa experiência real, os artistas expõem a incompletude da ciência.
Na busca por novos tipos de expressão, explorando formas diferentes de lidar com mistérios que não conseguiam compreender, um punhado de artistas passou a “olhar para o interior”, criando assim uma arte primorosamente autoconsciente, cujo “assunto” era a nossa psicologia. Proust o fez deitado na cama, refletindo sobre seu passado; Cézanne olhando horas a fio uma maçã; Gertrude Stein brincando com as palavras; Stravinsky investindo nas constantes alterações dos neurônios no córtex auditivo.
Quando da primeira exposição de pintura pós-impressionista, em dezembro de 1910, os quadros de Cézanne foram vistos como aberrações patológicas, como distorções deliberadas da natureza. Acreditava-se então que os nossos sentidos eram reflexos perfeitos do mundo exterior, que o olho humano era uma máquina fotográfica a enviar imagens prontas para o cérebro. Pas de tout. Os pós-impressionistas descobriram que ver, só, não bastava: era preciso refletir; ou seja, as nossas impressões exigem interpretação. E como olhar é criar o que vemos, decidiram reproduzir a natureza em termos de iluminação, “entender a visão como uma soma da luz”. A neurociência demoraria cinco décadas para confirmar esse insight, provando em laboratório que o nosso olhar apenas capta borrões de cor indistinta, e que cabe ao cérebro criar a realidade interpretando as linhas da luz que ainda não foram transformadas em forma, permitindo que um puzzle de cores abstratas resulte numa pintura realista.
Virginia Woolf acreditava que a natureza humana se transformara de forma notável por volta de dezembro de 1910, não exatamente pelo exposto na mostra dos pós-impressionistas. Há quase 10 anos, o psicólogo Steven Pinker desautorizou a escritora; para ele, “a natureza humana não mudou em 1910, nem em qualquer ano depois”. Certo, mas Pinker, argumenta Lehrer, não percebeu a ironia por trás da observação de Woolf. Nem seu principal alvo: os romancistas pré-modernos que haviam se recusado a investigar o funcionamento interno da mente. Woolf queria escrever romances que refletissem a natureza humana e sua mente fragmentada. Conseguiu. Quem leu Mrs. Dalloway há de concordar. Foi esse romance, publicado em 1925, que lhe deu status de neurocientista.
SERGIO AUGUSTO, s.augusto@estadao.com.br
Fonte : O Estado de S.Paulo
Na capa poderia estar o pintor Paul Cézanne ou o compositor Igor Stravinsky ou o poeta Walt Whitman ou as escritoras Virginia Woolf, Gertrude Stein e George Eliot, pois todos estes, mais o cozinheiro Auguste Escoffier, inventor do caldo de vitela, também anteciparam descobertas da neurociência, sacaram verdades (reais e tangíveis) sobre a mente humana que só agora a ciência está “redescobrindo”, segundo Jonah Lehrer, autor do livro. Acontece que Proust, o neurocientista destacado na capa, não só tem mais nome que os demais como inventou a mítica madeleine que o ligou para sempre aos estudos sobre a biologia da memória.
Lehrer não escreve para iniciados, mas nem seu mais invejoso desafeto acadêmico ousaria enquadrá-lo entre os proxenetas da divulgação científica. Doutorado em neurociência e literatura inglesa, por Columbia e Harvard, editor e colaborador de publicações de qualidade comprovada, já teve aqui traduzida outra obra provocativa, O Momento Decisivo, em que defendia o primado da intuição sobre a razão na tomada de determinadas decisões, e foi meio por acaso que chegou à tese de que alguns expoentes do modernismo foram mais adiante que a ciência do seu tempo na exploração do cérebro humano.
Para ocupar os tempos mortos de uma pesquisa de laboratório sobre os mecanismos do cérebro, que desenvolvia com a equipe do Nobel de Medicina Eric Kandel, Lehrer mergulhou na leitura de Em Busca do Tempo Perdido. Logo no primeiro volume deparou com uma resposta “intuitiva” às suas investigações sobre como a mente recorda e um conjunto de células pode estocar e gerenciar nosso passado. Proust previra suas experiências com um século de antecedência, ajudado tão somente por uma madeleine e uma colher de chá.
“Um segredo molecular se escondia em nossas densas fibras neuronais, esperando silenciosamente por um bolinho”, reconhece Lehrer, que não se esqueceu de aludir ao pioneiro trabalho da psicóloga Rachel Herz sobre a rentura da hipótese levantada por Proust, segundo a qual o paladar e o olfato serviam melhor à “convocação do passado” que os demais sentidos. Cientificamente falando, o paladar e o olfato são os únicos sentidos que se ligam diretamente ao hipocampo, o centro de longa memória do cérebro, ao passo que os sentidos da visão, do tato e da audição passam primeiro pelo tálamo, a origem da linguagem e a porta da consciência, e são muito menos eficientes quando se trata de evocar o tempo perdido.
“Nenhum mapa da matéria jamais explicará a materialidade de nossa consciência”, profetiza Lehrer. Os cientistas separam os pensamentos em partes anatômicas, descrevem nosso cérebro em detalhes físicos, reduzindo-o a uma tecelagem de células elétricas e espaços sinápticos, esquecidos de que não é assim que experimentamos o mundo. Ao expressar nossa experiência real, os artistas expõem a incompletude da ciência.
Na busca por novos tipos de expressão, explorando formas diferentes de lidar com mistérios que não conseguiam compreender, um punhado de artistas passou a “olhar para o interior”, criando assim uma arte primorosamente autoconsciente, cujo “assunto” era a nossa psicologia. Proust o fez deitado na cama, refletindo sobre seu passado; Cézanne olhando horas a fio uma maçã; Gertrude Stein brincando com as palavras; Stravinsky investindo nas constantes alterações dos neurônios no córtex auditivo.
Quando da primeira exposição de pintura pós-impressionista, em dezembro de 1910, os quadros de Cézanne foram vistos como aberrações patológicas, como distorções deliberadas da natureza. Acreditava-se então que os nossos sentidos eram reflexos perfeitos do mundo exterior, que o olho humano era uma máquina fotográfica a enviar imagens prontas para o cérebro. Pas de tout. Os pós-impressionistas descobriram que ver, só, não bastava: era preciso refletir; ou seja, as nossas impressões exigem interpretação. E como olhar é criar o que vemos, decidiram reproduzir a natureza em termos de iluminação, “entender a visão como uma soma da luz”. A neurociência demoraria cinco décadas para confirmar esse insight, provando em laboratório que o nosso olhar apenas capta borrões de cor indistinta, e que cabe ao cérebro criar a realidade interpretando as linhas da luz que ainda não foram transformadas em forma, permitindo que um puzzle de cores abstratas resulte numa pintura realista.
Virginia Woolf acreditava que a natureza humana se transformara de forma notável por volta de dezembro de 1910, não exatamente pelo exposto na mostra dos pós-impressionistas. Há quase 10 anos, o psicólogo Steven Pinker desautorizou a escritora; para ele, “a natureza humana não mudou em 1910, nem em qualquer ano depois”. Certo, mas Pinker, argumenta Lehrer, não percebeu a ironia por trás da observação de Woolf. Nem seu principal alvo: os romancistas pré-modernos que haviam se recusado a investigar o funcionamento interno da mente. Woolf queria escrever romances que refletissem a natureza humana e sua mente fragmentada. Conseguiu. Quem leu Mrs. Dalloway há de concordar. Foi esse romance, publicado em 1925, que lhe deu status de neurocientista.
SERGIO AUGUSTO, s.augusto@estadao.com.br
Fonte : O Estado de S.Paulo
sábado, 26 de fevereiro de 2011
"Tão puro brilha o aço em cada torre
Que de nódoa ou ferrugem sempre é isento.
Noite e dia o ladrão as plagas corre
E depois acha ali forte aposento.
Debalde ao que ele preia alguém socorre
Com brados de blasfêmia ou de lamento.
Minha amada, meu próprio coração
Desespero livrar de tal prisão. "
Orlando Furioso, de Ludovico Ariosto,
Tradução de Pedro Garcez Ghirardi.
Ateliê Editorial.
Que de nódoa ou ferrugem sempre é isento.
Noite e dia o ladrão as plagas corre
E depois acha ali forte aposento.
Debalde ao que ele preia alguém socorre
Com brados de blasfêmia ou de lamento.
Minha amada, meu próprio coração
Desespero livrar de tal prisão. "
Orlando Furioso, de Ludovico Ariosto,
Tradução de Pedro Garcez Ghirardi.
Ateliê Editorial.
TERRITÓRIOS DA MÚSICA II
Canta-me um dos Lieder de Schubert,
um dos mais tristes,
Tränenregen, ou Der Lindenbaum,
pleno de florestas desamparadas,
inchado de rios transparentes,
transbordando de amores impossíveis.
Toca ao piano suavemente
e canta-me o mais triste Lied.
Abre espaço para o pobre Franz
junto ao fogo.
E se te acontecer cantares a palavra Herz,
certifica-te que lhe dás expressão, a modulação que requer,
pensa que somos Românticos
circa mil oitocentos e vinte e sete
e que um de nós tem uma doença incurável e impronunciável.
Porque ninguém vai compreender nunca
a nossa coragem, a nossa beleza.
RIKARDO ARREGI
Poesia & Ltda.
http://www.poesiailimitada.blogspot.com
um dos mais tristes,
Tränenregen, ou Der Lindenbaum,
pleno de florestas desamparadas,
inchado de rios transparentes,
transbordando de amores impossíveis.
Toca ao piano suavemente
e canta-me o mais triste Lied.
Abre espaço para o pobre Franz
junto ao fogo.
E se te acontecer cantares a palavra Herz,
certifica-te que lhe dás expressão, a modulação que requer,
pensa que somos Românticos
circa mil oitocentos e vinte e sete
e que um de nós tem uma doença incurável e impronunciável.
Porque ninguém vai compreender nunca
a nossa coragem, a nossa beleza.
RIKARDO ARREGI
Poesia & Ltda.
http://www.poesiailimitada.blogspot.com
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
Tempo
Em 6 anos você se olha
E não tem mais
a mesma cara
Em 6 meses você cura
Uma ferida
seja ela qual for
Em 6 dias você acumula
Mais tarefas
do que na semana passada
Em 6 horas
Você pode viver
um grande amor
60 minutos por hora
essa é a velocidade
que a sua vida acaba
6 segundos é o que vai te restar
Pra perdoar
aquilo que você nem lembra mais.
Estrela Leminski – Escritoras Suicidas
E não tem mais
a mesma cara
Em 6 meses você cura
Uma ferida
seja ela qual for
Em 6 dias você acumula
Mais tarefas
do que na semana passada
Em 6 horas
Você pode viver
um grande amor
60 minutos por hora
essa é a velocidade
que a sua vida acaba
6 segundos é o que vai te restar
Pra perdoar
aquilo que você nem lembra mais.
Estrela Leminski – Escritoras Suicidas
Até quando terás, minha alma, esta doçura
Cecília Meireles
Até quando terás, minha alma, esta doçura,
este dom de sofrer, este poder de amar,
a força de estar sempre – insegura – segura
como a flecha que segue a trajetória obscura,
fiel ao seu movimento, exata em seu lugar…?
Melhores Poemas, Global Editora, 1984 – S.Paulo, Brasil
Cecília Meireles
Até quando terás, minha alma, esta doçura,
este dom de sofrer, este poder de amar,
a força de estar sempre – insegura – segura
como a flecha que segue a trajetória obscura,
fiel ao seu movimento, exata em seu lugar…?
Melhores Poemas, Global Editora, 1984 – S.Paulo, Brasil
domingo, 20 de fevereiro de 2011
Eco depois de um mês em 68
Nós cansamos do velho
da intrépida múmia
com mofo aromático
E desespero tétrico.
Mas nunca do clássico
Pois esse não envelhece
Ganha a voz com o vento
E no tempo permanece.
Nós cansamos do que se basta
O que se rende à casta
Temem o que vem e se temem
Nunca se olham nem se desentendem
Nunca se afirmam e nem surpreendem.
Nós inventamos o futuro
E engolimos o modernismo
Nós devoramos a vanguarda
E transcendemos o partidarismo
mas isso,
é só
porque nascemos depois
que nasceu o pluralismo.
Eunice Boreal – Cronópios
da intrépida múmia
com mofo aromático
E desespero tétrico.
Mas nunca do clássico
Pois esse não envelhece
Ganha a voz com o vento
E no tempo permanece.
Nós cansamos do que se basta
O que se rende à casta
Temem o que vem e se temem
Nunca se olham nem se desentendem
Nunca se afirmam e nem surpreendem.
Nós inventamos o futuro
E engolimos o modernismo
Nós devoramos a vanguarda
E transcendemos o partidarismo
mas isso,
é só
porque nascemos depois
que nasceu o pluralismo.
Eunice Boreal – Cronópios
Dois
Dossiê
Eu sou uma mocinha. Mo-ci-nha. Adoro perfumes, cores, bebês e flores.
Mas me interessa igualmente o que me é diferente. O lado obscuro de tudo. Eu sou uma mocinha. Menina. Mas me atrai conhecer o avesso. Entendê-lo.
Por isso coleciono almas. Olho nos olhos, observo o entorno, busco desgasto derreto de cansaço. Vou até o fim.
Eu sou menina. Eu sou menino. Eu sou um espectro. Uma abelha. Uma agulha. Uma fagulha.
Uma história de dois lados.
Daniela Dias – Escritoras Suicidas
Eu sou uma mocinha. Mo-ci-nha. Adoro perfumes, cores, bebês e flores.
Mas me interessa igualmente o que me é diferente. O lado obscuro de tudo. Eu sou uma mocinha. Menina. Mas me atrai conhecer o avesso. Entendê-lo.
Por isso coleciono almas. Olho nos olhos, observo o entorno, busco desgasto derreto de cansaço. Vou até o fim.
Eu sou menina. Eu sou menino. Eu sou um espectro. Uma abelha. Uma agulha. Uma fagulha.
Uma história de dois lados.
Daniela Dias – Escritoras Suicidas
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
IMERECIMENTO
Adormeço
na
luz
dos
teus
olhos
vejo
Veneza
que
não
conheço
Ondulo
num
círculo
de
ondas
de
levitação
Confesso:
não
mereço
a
ternura
da
gôndola
acariciando
as
águas
onda
a
onda
Tony Tcheka
na
luz
dos
teus
olhos
vejo
Veneza
que
não
conheço
Ondulo
num
círculo
de
ondas
de
levitação
Confesso:
não
mereço
a
ternura
da
gôndola
acariciando
as
águas
onda
a
onda
Tony Tcheka
NOSTALGIA
Cinzento nicotina
serpenteia o meu quarto
argola o tempo que não passa
Tu não apareces
nada acontece….
O som sobe em 33 rotações
a voz sofrida de Ottis Reding
sustenta o calor de um canto soul
Emerges de uma nota de piano
por momentos bailas
na circunferência de uma bola de fumo
que se esquiva pela persiana
Fica o som dilatado do sax
a dar passagem a Ottis
a sentenciar “time is over”
Nada acontece…
Nicotino o espaço que se fecha
sobre mim sem ti
Tony Tcheka
serpenteia o meu quarto
argola o tempo que não passa
Tu não apareces
nada acontece….
O som sobe em 33 rotações
a voz sofrida de Ottis Reding
sustenta o calor de um canto soul
Emerges de uma nota de piano
por momentos bailas
na circunferência de uma bola de fumo
que se esquiva pela persiana
Fica o som dilatado do sax
a dar passagem a Ottis
a sentenciar “time is over”
Nada acontece…
Nicotino o espaço que se fecha
sobre mim sem ti
Tony Tcheka
E NÃO TE CHAMAS CRISTO
Tens o crucifixo de muitas chuvas
cravado na palma da mão
com que matizas a terra
em tempos de kebur
Tempo finado
tempo fincado no peito da dor
disputando a sobra do cuntango
Tempo enlutado
tempo anoitecido
no entardecer da esperança
Na curvatura
do tambor onde expias o desespero
fizeram do teu corpo sepultura do medo
Negam-te o pedaço da tua tabanca
dão-te uma vida assalariada
taxam-te uns tantos por cento
para a sobrevivência autorizada
E não te chamas Cristo
e só pregas com o arado
Tony Tcheka
cravado na palma da mão
com que matizas a terra
em tempos de kebur
Tempo finado
tempo fincado no peito da dor
disputando a sobra do cuntango
Tempo enlutado
tempo anoitecido
no entardecer da esperança
Na curvatura
do tambor onde expias o desespero
fizeram do teu corpo sepultura do medo
Negam-te o pedaço da tua tabanca
dão-te uma vida assalariada
taxam-te uns tantos por cento
para a sobrevivência autorizada
E não te chamas Cristo
e só pregas com o arado
Tony Tcheka
BATUCADA NA NOITE
Bissau cresce
quando o sol desce
vem com o fio da noite
e só adormece
quando amanhece
O álcool
e o week-end
inflamam corpos
cheios de adornos
Na noite
há insónias
e sónias de muitos nomes
não é só o mote
aqui há funky
há merengada
e antilhesas na madrugada
Lufadas de amor
moldam corpos
suarentos de ardor
há um saracoteio
permanente
na passarelle da noite
sedas flutuantes
coxas remexendo
num sincopado
que dá síncope
O odor
mastiga o ar
sem pudor mistura-se
confunde-se
catinga
chanel
paco rabane
água cheiro
suor
e dior
ça va comme ça…
O old scotch
dá o toque final
É fatal
afinal porque não…
A batucada cresce
abre o espaço
a cidade não dorme
Tony Tcheka
quando o sol desce
vem com o fio da noite
e só adormece
quando amanhece
O álcool
e o week-end
inflamam corpos
cheios de adornos
Na noite
há insónias
e sónias de muitos nomes
não é só o mote
aqui há funky
há merengada
e antilhesas na madrugada
Lufadas de amor
moldam corpos
suarentos de ardor
há um saracoteio
permanente
na passarelle da noite
sedas flutuantes
coxas remexendo
num sincopado
que dá síncope
O odor
mastiga o ar
sem pudor mistura-se
confunde-se
catinga
chanel
paco rabane
água cheiro
suor
e dior
ça va comme ça…
O old scotch
dá o toque final
É fatal
afinal porque não…
A batucada cresce
abre o espaço
a cidade não dorme
Tony Tcheka
SILABAR A PAZ
RISCO
na folha
do teu corpo
azul
pergaminho
desta vida
cerzida
com fios
de tulipa
negra
espelho
que o mago
tingiu
GRITO
com a voz
de pedra
e sinto
os ventos
irromperem
das vértebras
da noite
ASSIM
tacteando
com as minhas
mãos
presas
ao umbigo
da vida
trespasso
a acidez
da loucura
em ponto final
SOLTO
todas
as vozes
silabando
a paz
com acentos
de liberdade
Tony Tcheka
na folha
do teu corpo
azul
pergaminho
desta vida
cerzida
com fios
de tulipa
negra
espelho
que o mago
tingiu
GRITO
com a voz
de pedra
e sinto
os ventos
irromperem
das vértebras
da noite
ASSIM
tacteando
com as minhas
mãos
presas
ao umbigo
da vida
trespasso
a acidez
da loucura
em ponto final
SOLTO
todas
as vozes
silabando
a paz
com acentos
de liberdade
Tony Tcheka
TECTO DE SILÊNCIO
Ergo a minha voz
e firo o tecto de silêncio
nego a morte de crianças
porque há míngua de medicamentos
Na angústia
liberto o verbo
mordo o pólen da desgraça
que grassa
nesta África desventurada
em obra
e graça
Subdesenvolvendo-se
Coloco andaimes
nos alicerces do tempo
Perscruto os ventos
Circunciso as ondas
Nego a convivência da paciência
que amordaça a fala
e cala o sentimento
Exorcizo o paludismo
Apeio a poliomielite
Amputo a desgraça
e eis a graça da criança
florescendo a vida
Tony Tcheka
e firo o tecto de silêncio
nego a morte de crianças
porque há míngua de medicamentos
Na angústia
liberto o verbo
mordo o pólen da desgraça
que grassa
nesta África desventurada
em obra
e graça
Subdesenvolvendo-se
Coloco andaimes
nos alicerces do tempo
Perscruto os ventos
Circunciso as ondas
Nego a convivência da paciência
que amordaça a fala
e cala o sentimento
Exorcizo o paludismo
Apeio a poliomielite
Amputo a desgraça
e eis a graça da criança
florescendo a vida
Tony Tcheka
TERRA TÍSICA
terra sahel
vento
cinzento
esboçando
voos amargos
movediços
esperança a esvaiar
das alturas do futa djalon
-o bombolom
lamina ventos
anuncia eventos
repica forte
e geme
no corpo
do vento saheliano
dores saheis
em contravento
a seca
é um gemido ululante
sublimado
nas cordas adelgaçadas
do nhanhero griot
a chuva
que o vento
levou
mora no imaginário
sumido
de um choro
sem tambores
sem cana sem
lágrimas
o vento
deixou-nos
a ânsia gotejando
no pulmão da terra tísica
Tony Tcheka
(in “Os rumos de vento”- Fundão Portugal)
vento
cinzento
esboçando
voos amargos
movediços
esperança a esvaiar
das alturas do futa djalon
-o bombolom
lamina ventos
anuncia eventos
repica forte
e geme
no corpo
do vento saheliano
dores saheis
em contravento
a seca
é um gemido ululante
sublimado
nas cordas adelgaçadas
do nhanhero griot
a chuva
que o vento
levou
mora no imaginário
sumido
de um choro
sem tambores
sem cana sem
lágrimas
o vento
deixou-nos
a ânsia gotejando
no pulmão da terra tísica
Tony Tcheka
(in “Os rumos de vento”- Fundão Portugal)
Globalizado excluído
A
Carta
de
alforria
que
floriu
no templo
das proclamações
decretos
e
convênios
libertadores
murchou
desandou
como
a
flor
sahel
amnésica
ficou
sem
os
pergaminhos
globalizada
nos
grilhões
dos
novos
navios
negreiros
ressurge
sob formas
manhetas
manietada pelas
fronteiras farpadas
impostas por patriarcas ilusionistas
batutadores da escrita família
do comércio proteccionista de exclu$ão &
companhia Lda
Tony Tcheka.Guiné Bissau
Carta
de
alforria
que
floriu
no templo
das proclamações
decretos
e
convênios
libertadores
murchou
desandou
como
a
flor
sahel
amnésica
ficou
sem
os
pergaminhos
globalizada
nos
grilhões
dos
novos
navios
negreiros
ressurge
sob formas
manhetas
manietada pelas
fronteiras farpadas
impostas por patriarcas ilusionistas
batutadores da escrita família
do comércio proteccionista de exclu$ão &
companhia Lda
Tony Tcheka.Guiné Bissau
Canção de amor de uma negra[Black Woman's Love Song]
Eu te cantei canções de amor
enquanto eles nos jogaram
juntos
entre as baratas e os ratos
no porão do navio negreiro.
Eu te cantei canções de amor
quando naquele buraco fétido
eu te ajudei a ficar vivo
para enfrentar a luta no novo mundo.
Eu te cantei canções de amor
quando eles nos colocaram
à venda no leilão
e te levaram para o leste
me arrastando para o norte.
Eu te cantei canções de amor
entre os meus gritos
de dor
te implorando
Por favor nunca te esqueças de mim.
Eu te cantei canções de amor
quando eles me levaram
para ser sua concubina
e te levaram
para ser seu garanhão.
Eu te cantei canções de amor
até quando eu deixei
de ser a concubina deles
mas não pudeste deixar de ser
seu garanhão.
Eu te cantei canções de amor
quando a backra-massa ¹
nos jogou pra fora de nossas terras
pagas com nosso suor e sangue.
Eu te cantei canções de amor
quando tu disseste
“Se não podemos vencê-los
vamos nos unir a eles”
e ficaste com a backra-missus ².
Eu te cantei canções de amor
quando tivemos nossas cabeças
quebradas
juntos
nas demonstrações pelo direito
de falar, de fazer greve
de politizar
de organizar.
Eu te cantei canções de amor
quando tu choraste no meu peito
e eu esfreguei ervas medicinais
nos teus ferimentos
ambos
esquecendo
que os meus próprios intestinos estavam rasgados
e rasgados de feridas.
Eu te cantei canções de amor
quando pegamos em armas
contra o inimigo
para resgatar nossa dignidade.
Eu te cantei canções de amor
mesmo quando tu renegaste
o nosso filho
concebido com a tua semente apressada
disparada no meu útero
num dia de folga.
Eu te cantei canções de amor
depois da guerra
quando trabalhamos juntos
para reconstruir um povo inteiro
e um país livre.
Eu te cantei canções de amor
quando tu me disseste
que eu já não era esperta o suficiente
para freqüentar os jantares de Estado
para os quais tu já eras convidado.
Eu continuo te cantando
canções de amor
mesmo quando canções de ódio
ameaçam sufocar até a minha alma.
Eu te canto canções de amor
homem-negro
para que tu possas entender
que eu te quero
forte
do meu lado
me cantando canções de amor também.
Elean Thomas (1947-2007); Jamaica.
In: BARON, Dan. Alfabetização cultural. São Paulo: Alfarrábio, 2004. (Tradução do autor)
Notas:
¹ O latifundiário na Jamaica.
² A esposa do latifundiário
enquanto eles nos jogaram
juntos
entre as baratas e os ratos
no porão do navio negreiro.
Eu te cantei canções de amor
quando naquele buraco fétido
eu te ajudei a ficar vivo
para enfrentar a luta no novo mundo.
Eu te cantei canções de amor
quando eles nos colocaram
à venda no leilão
e te levaram para o leste
me arrastando para o norte.
Eu te cantei canções de amor
entre os meus gritos
de dor
te implorando
Por favor nunca te esqueças de mim.
Eu te cantei canções de amor
quando eles me levaram
para ser sua concubina
e te levaram
para ser seu garanhão.
Eu te cantei canções de amor
até quando eu deixei
de ser a concubina deles
mas não pudeste deixar de ser
seu garanhão.
Eu te cantei canções de amor
quando a backra-massa ¹
nos jogou pra fora de nossas terras
pagas com nosso suor e sangue.
Eu te cantei canções de amor
quando tu disseste
“Se não podemos vencê-los
vamos nos unir a eles”
e ficaste com a backra-missus ².
Eu te cantei canções de amor
quando tivemos nossas cabeças
quebradas
juntos
nas demonstrações pelo direito
de falar, de fazer greve
de politizar
de organizar.
Eu te cantei canções de amor
quando tu choraste no meu peito
e eu esfreguei ervas medicinais
nos teus ferimentos
ambos
esquecendo
que os meus próprios intestinos estavam rasgados
e rasgados de feridas.
Eu te cantei canções de amor
quando pegamos em armas
contra o inimigo
para resgatar nossa dignidade.
Eu te cantei canções de amor
mesmo quando tu renegaste
o nosso filho
concebido com a tua semente apressada
disparada no meu útero
num dia de folga.
Eu te cantei canções de amor
depois da guerra
quando trabalhamos juntos
para reconstruir um povo inteiro
e um país livre.
Eu te cantei canções de amor
quando tu me disseste
que eu já não era esperta o suficiente
para freqüentar os jantares de Estado
para os quais tu já eras convidado.
Eu continuo te cantando
canções de amor
mesmo quando canções de ódio
ameaçam sufocar até a minha alma.
Eu te canto canções de amor
homem-negro
para que tu possas entender
que eu te quero
forte
do meu lado
me cantando canções de amor também.
Elean Thomas (1947-2007); Jamaica.
In: BARON, Dan. Alfabetização cultural. São Paulo: Alfarrábio, 2004. (Tradução do autor)
Notas:
¹ O latifundiário na Jamaica.
² A esposa do latifundiário
Carta de um Contratado
Eu queria escrever-te uma carta
amor
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio de te perder
deste mais que bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue…
Eu queria escrever-te uma cara
amor
uma carta de confidências íntimas
uma carta de lembranças de ti
de ti
dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como dilôa
dos teus olhos doces como macongue
dos teus seios duros como maboque
do teu andar de onça
e dos teus carinhos
que maiores não encontrei por aí…
Eu queria escrever-te uma carta
amor
que recordasse nossos dias na capôpa
nossas noites perdidas no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
que recordasse a loucura
da nossa paixão
e a amargura nossa separação…
Eu queria escrever-te uma carta
amor
que a não lesses sem suspirar
que a escondesses de papai Bombo
que a sonegasses a mamãe Kieza
que a relesses sem a frieza
do esquecimento
uma carta que em todo Kilombo
outra a ela não tivesse merecimento…
Eu queria escrever-te uma carta
amor
uma carta que te levasse o vento que passa
uma carta que os cajus e cafeeiros
que as hienas e palancas
que os jacarés e bagres
pudessem entender
para que se o vento a perdesse no caminho
os bichos e plantas
compadecidos de nosso pungente sofrer
de canto em canto
de lamento em lamento
de farfalhar em farfalhar
te levasse puras e quentes
as palavras ardentes
as palavras magoadas da minha carta
que eu queria escrever-te amor…
Eu queria escrever-te uma carta…
Mas ah meu amor, eu não sei compreender
por que é, por que é, por que é, meu bem
que tu não sabes ler
e eu – Oh! Desespero – não sei escrever também!
António Jacinto (1924-1991); Angola.
amor
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio de te perder
deste mais que bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue…
Eu queria escrever-te uma cara
amor
uma carta de confidências íntimas
uma carta de lembranças de ti
de ti
dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como dilôa
dos teus olhos doces como macongue
dos teus seios duros como maboque
do teu andar de onça
e dos teus carinhos
que maiores não encontrei por aí…
Eu queria escrever-te uma carta
amor
que recordasse nossos dias na capôpa
nossas noites perdidas no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
que recordasse a loucura
da nossa paixão
e a amargura nossa separação…
Eu queria escrever-te uma carta
amor
que a não lesses sem suspirar
que a escondesses de papai Bombo
que a sonegasses a mamãe Kieza
que a relesses sem a frieza
do esquecimento
uma carta que em todo Kilombo
outra a ela não tivesse merecimento…
Eu queria escrever-te uma carta
amor
uma carta que te levasse o vento que passa
uma carta que os cajus e cafeeiros
que as hienas e palancas
que os jacarés e bagres
pudessem entender
para que se o vento a perdesse no caminho
os bichos e plantas
compadecidos de nosso pungente sofrer
de canto em canto
de lamento em lamento
de farfalhar em farfalhar
te levasse puras e quentes
as palavras ardentes
as palavras magoadas da minha carta
que eu queria escrever-te amor…
Eu queria escrever-te uma carta…
Mas ah meu amor, eu não sei compreender
por que é, por que é, por que é, meu bem
que tu não sabes ler
e eu – Oh! Desespero – não sei escrever também!
António Jacinto (1924-1991); Angola.
AMOR, SUEGRAS Y VOZKA
El amor es como un virus metafísico que ansiamos que se nos meta en el cuerpo de una u otra manera. El amor es una hermosa diablura condimentada con miel y labios ansiosos. Resulta tan primoroso que cuesta encontrarlo y, a veces, en busca del mismo, nos conformamos con cuentos de hadas relatados por personas que aseguran que sienten amor por nosotros, y al final, sólo era un sentimiento mal entendido que acabó en la cama de un motel de todo a cien, incluidos los preservativos. Será por esto que Giovanni Casanova sentenciaba que el amor no es más que una curiosidad, la misma que mató al gato. Yo me quedo con la cita de don Jacinto Benavente: “El amor es como Don Quijote: cuando recobra el juicio es que está para morir”. Serena y cabal cita la de don Jacinto, de hecho, algunos se han quedado con las neuronas cercenadas a causa del amor veraz. Y es que la verdad, pese a que suene poco paradisíaco, el amor en inicio es como un trago deleitable de vodka, mas, con el tiempo y la realidad, puedes llegar a desear quedarte con la botella del susodicho licor, y envenenarte las venas al verificar que no sólo estás amando a ese hombre o a esa mujer, sino también a su entorno. Es aquí, cuando el entorno ya está presente y te califica, cuando asoma un ser singular, clarividente y molesto para algunos: la suegra. Este ser portentoso, tan antiguo como un catarro primaveral, es quien puede dar colmada legitimidad a la relación de pareja. La suegra, estremecimiento de toda una tarde en familia, suele gozar de una sonrisa inicua matizada con rayos y centellas. Ella es una mujer prudente, de experiencia supina; también es, aunque su marido diga lo contrario, la que lleva los pantalones, la que te observa y evalúa como buena o mala pareja para su hijo o hija. En Galicia, aparece como matriarca incuestionable y a su vez es, aunque haya columnistas que no lo digan por miedo a represalias, el punto exacto de ir o no ir hacia adelante con la relación de noviazgo, y se les ha llegado a temer más que a una aparición de la Santa Compaña a medianoche, con luna llena y sicofonía de fondo. Esta mujer frenética te ofrece un lacón con grelos cocinado con pericia, mientras te acecha osadamente, estudiando el masticado de tus dientes ambarinos, el hilado de tu camisa made in la feria y las contestaciones que le das a una serie de preguntas que debes responder con educación imperiosa, pero nunca con sinceridad plena. La suegra puede llegar a ser algo así como la otra locura que Jacinto Benavente no se atreve a citar. Es una daga de doble filo que no entiende de frases como: “Yo amo a su hija y estoy dispuesto a estar con ella hasta el final de mis días”. No, no se engañen, existen suegras que ya huelen el bienestar de sus hijos inclusive antes de que entren por la puerta de su casa. Ellas ven tu billetera antes de que tú mismo sepas la cantidad exacta de amor que llevas dentro de ella. Cosas del querer que en ocasiones se transmuta en un titánico lingotazo de turbación y vodka.
Alexander Vórtice
http://www.lacoctelera.com/alexandervortice
http://www.opinionvortice.blogspot.com/
El amor es como un virus metafísico que ansiamos que se nos meta en el cuerpo de una u otra manera. El amor es una hermosa diablura condimentada con miel y labios ansiosos. Resulta tan primoroso que cuesta encontrarlo y, a veces, en busca del mismo, nos conformamos con cuentos de hadas relatados por personas que aseguran que sienten amor por nosotros, y al final, sólo era un sentimiento mal entendido que acabó en la cama de un motel de todo a cien, incluidos los preservativos. Será por esto que Giovanni Casanova sentenciaba que el amor no es más que una curiosidad, la misma que mató al gato. Yo me quedo con la cita de don Jacinto Benavente: “El amor es como Don Quijote: cuando recobra el juicio es que está para morir”. Serena y cabal cita la de don Jacinto, de hecho, algunos se han quedado con las neuronas cercenadas a causa del amor veraz. Y es que la verdad, pese a que suene poco paradisíaco, el amor en inicio es como un trago deleitable de vodka, mas, con el tiempo y la realidad, puedes llegar a desear quedarte con la botella del susodicho licor, y envenenarte las venas al verificar que no sólo estás amando a ese hombre o a esa mujer, sino también a su entorno. Es aquí, cuando el entorno ya está presente y te califica, cuando asoma un ser singular, clarividente y molesto para algunos: la suegra. Este ser portentoso, tan antiguo como un catarro primaveral, es quien puede dar colmada legitimidad a la relación de pareja. La suegra, estremecimiento de toda una tarde en familia, suele gozar de una sonrisa inicua matizada con rayos y centellas. Ella es una mujer prudente, de experiencia supina; también es, aunque su marido diga lo contrario, la que lleva los pantalones, la que te observa y evalúa como buena o mala pareja para su hijo o hija. En Galicia, aparece como matriarca incuestionable y a su vez es, aunque haya columnistas que no lo digan por miedo a represalias, el punto exacto de ir o no ir hacia adelante con la relación de noviazgo, y se les ha llegado a temer más que a una aparición de la Santa Compaña a medianoche, con luna llena y sicofonía de fondo. Esta mujer frenética te ofrece un lacón con grelos cocinado con pericia, mientras te acecha osadamente, estudiando el masticado de tus dientes ambarinos, el hilado de tu camisa made in la feria y las contestaciones que le das a una serie de preguntas que debes responder con educación imperiosa, pero nunca con sinceridad plena. La suegra puede llegar a ser algo así como la otra locura que Jacinto Benavente no se atreve a citar. Es una daga de doble filo que no entiende de frases como: “Yo amo a su hija y estoy dispuesto a estar con ella hasta el final de mis días”. No, no se engañen, existen suegras que ya huelen el bienestar de sus hijos inclusive antes de que entren por la puerta de su casa. Ellas ven tu billetera antes de que tú mismo sepas la cantidad exacta de amor que llevas dentro de ella. Cosas del querer que en ocasiones se transmuta en un titánico lingotazo de turbación y vodka.
Alexander Vórtice
http://www.lacoctelera.com/alexandervortice
http://www.opinionvortice.blogspot.com/
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
Imponderáveis Decifráveis ?
*A vida é um roteiro traçado pelo mistério;
A felicidade, o orgasmo sutil da existência.
A amizade é o combustível da humanidade;
O amor, a face de Deus ofertada desde cedo.
A informação é o tijolo bruto da consciência;
O saber, a construção portadora de atitude.
A mudança é a dança estonteante da rotina;
O sonho, o fruto antecipado como semente.
A dor é o atalho que ressuscita a nossa essência;
A preocupação, a miragem impotente do medo.
A arte é a senha que destranca a alma pequenina;
A poesia, a música cujo refrão depende da gente.
Pablo Robles
http://www.gritopacifico.blogspot.com/2011/02/poesia-imponderaveis-decifraveis.html
A felicidade, o orgasmo sutil da existência.
A amizade é o combustível da humanidade;
O amor, a face de Deus ofertada desde cedo.
A informação é o tijolo bruto da consciência;
O saber, a construção portadora de atitude.
A mudança é a dança estonteante da rotina;
O sonho, o fruto antecipado como semente.
A dor é o atalho que ressuscita a nossa essência;
A preocupação, a miragem impotente do medo.
A arte é a senha que destranca a alma pequenina;
A poesia, a música cujo refrão depende da gente.
Pablo Robles
http://www.gritopacifico.blogspot.com/2011/02/poesia-imponderaveis-decifraveis.html
Diadorim
houve um tempo em que ela pensava ser homem. não sabia ainda das diferenças naturais entre os sexos — apesar dos abusos que sofrera, cria ser a sexualidade uma orientação. e o fato de a mãe vesti-la com aqueles babados e frufrus ridículos, era tão somente para deliciar-se com a humilhação que impunha à filha.
ela vestia uma roupa andrógina por baixo dos vestidos. depois de caminhar os treze quilômetros que separavam a casa da escola, num lugar onde havia um rio — seu divisor metafísico, e a ponte era um largo tronco de baobá — retirava essas máscaras como num ritual, acessórios de cabeça, corpo e membros. então podia contemplar n’água seu verdadeiro eu. sem artifícios.
as outras crianças a rodeavam entre gritos “maria sapatão, sapatão, sapatão, de dia é maria, de noite é joão”. apesar de não compreender as bazófias, não gostava. recolhia-se no fundo da sala, na biblioteca — quase vazia, no banheiro. às vezes se deixava ter com uma ou outra garota que lhe pedia carícias nesses recônditos silenciosos e em penumbra; para em seguida, às luzes da ribalta, ouvir das mesmas garotas, um tanto envergonhadas em gestalt, a repetida música, seu melô.
a mais freqüente delas, fernandè, levava-a até sua casa após às aulas. nadavam juntas a se encharcar lá no fundo. piscina ou chuveiro. olha, é melhor a gente enganar aquela patota lá do colégio, vamos fingir que somos inimigas. ela aceitou. não fazia muita diferença mesmo. fernandè achava que sabia das coisas, e era melhor que continuasse assim. na hora devida, compreenderia que não pode haver segredos de amizade.
*
raspou a cabeça. comeu suas unhas até sangrar. rasgou os vestidos e jogou no rio os acessórios tão inúteis. levou uma boa sova da mãe, mas há muito que não se importava com essas mãos tão rudes.
chamou fernandè para um corredor da escola e a beijou. essa não podia esquivar-se. quando enlaçada, era como um afogamento, um desfalecer de asas. a beleza e a delícia da morte.
o diretor da escola separou-as. fernandè foi pra sala de aula e a outra pra diretoria. pela última vez. estava expulsa. e outra sova.
*
ela iria se curar. foi o bispo em pessoa que recomendou a psiquiatra.
os exames em sua cabeça não identificaram qualquer desvio.
sylvie deitou-a. então pensa que é homem? mas não somos todos? li que o homem é universal; quando querem se referir a todas as pessoas falam homem; falam em humanidade, cujo radical é homem.
sylvie se deixou emocionar e ofereceu à paciente o seu sobrenome: champagne.
*
agora a garota era uma mulher. entendia que palavras sempre serviram de artifícios ao paternalismo para subjulgar o feminino, de que, afinal, tinham medo. como de todo desconhecido.
compreendeu a única diferença natural entre os sexos. questão de anatomia, e todas demais são construções culturais.
entendeu, inclusive, a música gracejadora. nunca se passou por homem porque em suas entranhas gritavam as vozes de todas as mulheres que eram todas e ela também.
quanto ao “desvio sexual” de sua filha, não se trata de anomalia ou opção, dona lucie. então é o quê?
homoternurismo.
Nina Rizzi – Escritoras Suicidas
Nina Rizzi (1983). Formada em História pela UNESP, em Franca/SP. Mãe da Lavínia. “Sou a catalisação, a junção de todos meus pseudônimos, pseudo-eus, eus perdidos, alter ego… o que chamo de ELLO. ELLO é também uma nova fase. Uma reconceituação de poesia, música e teatro, tudo um elo, ou ello”.
ela vestia uma roupa andrógina por baixo dos vestidos. depois de caminhar os treze quilômetros que separavam a casa da escola, num lugar onde havia um rio — seu divisor metafísico, e a ponte era um largo tronco de baobá — retirava essas máscaras como num ritual, acessórios de cabeça, corpo e membros. então podia contemplar n’água seu verdadeiro eu. sem artifícios.
as outras crianças a rodeavam entre gritos “maria sapatão, sapatão, sapatão, de dia é maria, de noite é joão”. apesar de não compreender as bazófias, não gostava. recolhia-se no fundo da sala, na biblioteca — quase vazia, no banheiro. às vezes se deixava ter com uma ou outra garota que lhe pedia carícias nesses recônditos silenciosos e em penumbra; para em seguida, às luzes da ribalta, ouvir das mesmas garotas, um tanto envergonhadas em gestalt, a repetida música, seu melô.
a mais freqüente delas, fernandè, levava-a até sua casa após às aulas. nadavam juntas a se encharcar lá no fundo. piscina ou chuveiro. olha, é melhor a gente enganar aquela patota lá do colégio, vamos fingir que somos inimigas. ela aceitou. não fazia muita diferença mesmo. fernandè achava que sabia das coisas, e era melhor que continuasse assim. na hora devida, compreenderia que não pode haver segredos de amizade.
*
raspou a cabeça. comeu suas unhas até sangrar. rasgou os vestidos e jogou no rio os acessórios tão inúteis. levou uma boa sova da mãe, mas há muito que não se importava com essas mãos tão rudes.
chamou fernandè para um corredor da escola e a beijou. essa não podia esquivar-se. quando enlaçada, era como um afogamento, um desfalecer de asas. a beleza e a delícia da morte.
o diretor da escola separou-as. fernandè foi pra sala de aula e a outra pra diretoria. pela última vez. estava expulsa. e outra sova.
*
ela iria se curar. foi o bispo em pessoa que recomendou a psiquiatra.
os exames em sua cabeça não identificaram qualquer desvio.
sylvie deitou-a. então pensa que é homem? mas não somos todos? li que o homem é universal; quando querem se referir a todas as pessoas falam homem; falam em humanidade, cujo radical é homem.
sylvie se deixou emocionar e ofereceu à paciente o seu sobrenome: champagne.
*
agora a garota era uma mulher. entendia que palavras sempre serviram de artifícios ao paternalismo para subjulgar o feminino, de que, afinal, tinham medo. como de todo desconhecido.
compreendeu a única diferença natural entre os sexos. questão de anatomia, e todas demais são construções culturais.
entendeu, inclusive, a música gracejadora. nunca se passou por homem porque em suas entranhas gritavam as vozes de todas as mulheres que eram todas e ela também.
quanto ao “desvio sexual” de sua filha, não se trata de anomalia ou opção, dona lucie. então é o quê?
homoternurismo.
Nina Rizzi – Escritoras Suicidas
Nina Rizzi (1983). Formada em História pela UNESP, em Franca/SP. Mãe da Lavínia. “Sou a catalisação, a junção de todos meus pseudônimos, pseudo-eus, eus perdidos, alter ego… o que chamo de ELLO. ELLO é também uma nova fase. Uma reconceituação de poesia, música e teatro, tudo um elo, ou ello”.
domingo, 6 de fevereiro de 2011
Endecha
Estábamos perdidos
cuando nos encontramos
en aquel retraso de aeropuerto.
Yo estaba lleno de noche y de frío,
aunque había pasado tres días
en el “San Francisco”,
con una muchacha de nalgas redondas.
Tu creíste que yo era un camionero.
Admiraste la vulgaridad de mi estilo
y me amaste por ello.
-No lo era.-
Yo creí que tú eras una princesa,
que arrastraba hasta mí su aburrimiento.
-Y es verdad.-
Como es verdad que seguimos estando perdidos.
Yo, por no poder soportar la realeza,
tú, por no saber nunca lo que estás haciendo.
Mário Rivero
cuando nos encontramos
en aquel retraso de aeropuerto.
Yo estaba lleno de noche y de frío,
aunque había pasado tres días
en el “San Francisco”,
con una muchacha de nalgas redondas.
Tu creíste que yo era un camionero.
Admiraste la vulgaridad de mi estilo
y me amaste por ello.
-No lo era.-
Yo creí que tú eras una princesa,
que arrastraba hasta mí su aburrimiento.
-Y es verdad.-
Como es verdad que seguimos estando perdidos.
Yo, por no poder soportar la realeza,
tú, por no saber nunca lo que estás haciendo.
Mário Rivero
Señor K
Franz Kafka
novelista checo
vendedor de seguros de vida
—Compañía de Accidentes de Trabajo
del Reino de Bohemia—
al cruzar los pasillos
de una notaría
y ver legajos empolvados
pensé en usted
Sentí que los días trabajan
discreta y taciturnamente
sobre nosotros
imaginé un espejo
y vi una arruga en mi frente
y una mosca
en la nariz del notario
Mario Rivero (1935 - 2009)Colômbia
novelista checo
vendedor de seguros de vida
—Compañía de Accidentes de Trabajo
del Reino de Bohemia—
al cruzar los pasillos
de una notaría
y ver legajos empolvados
pensé en usted
Sentí que los días trabajan
discreta y taciturnamente
sobre nosotros
imaginé un espejo
y vi una arruga en mi frente
y una mosca
en la nariz del notario
Mario Rivero (1935 - 2009)Colômbia
Me retracto de todo lo dicho
Antes de despedirme
Tengo derecho a un último deseo:
Generoso lector
quema este libro
No representa 1o que quise decir
A pesar de que fue escrito con sangre
No representa lo que quise decir.
Mi situación no puede ser más triste
Fui derrotado por mi propia sombra:
Las palabras se vengaron de mí.
Perdóname lector
Amistoso lector
Que no me pueda despedir de ti
Con un abrazo fiel:
Me despido de ti
con una triste sonrisa forzada.
Puede que yo no sea más que eso
pero oye mi última palabra:
Me retracto de todo lo dicho.
Con la mayor amargura del mundo
Me retracto de todo lo que he dicho.
Ultranza es una bonita palabra que significa “a todo trance, resueltamente”. Es como decir “a muerte”. O sea, Nicanor Parra es y será mamagallista a muerte.
Nicanor Parra.Chile
Antes de despedirme
Tengo derecho a un último deseo:
Generoso lector
quema este libro
No representa 1o que quise decir
A pesar de que fue escrito con sangre
No representa lo que quise decir.
Mi situación no puede ser más triste
Fui derrotado por mi propia sombra:
Las palabras se vengaron de mí.
Perdóname lector
Amistoso lector
Que no me pueda despedir de ti
Con un abrazo fiel:
Me despido de ti
con una triste sonrisa forzada.
Puede que yo no sea más que eso
pero oye mi última palabra:
Me retracto de todo lo dicho.
Con la mayor amargura del mundo
Me retracto de todo lo que he dicho.
Ultranza es una bonita palabra que significa “a todo trance, resueltamente”. Es como decir “a muerte”. O sea, Nicanor Parra es y será mamagallista a muerte.
Nicanor Parra.Chile
Quédate con tu Borges
él te ofrece el recuerdo de una flor amarilla
vista al anochecer
años antes que tú nacieras
interesante puchas que interesante
en cambio yo no te prometo nada
ni dinero ni sexo ni poesía
un yogur es lo + que podría ofrecerte
Nicanor Parra.Chile
vista al anochecer
años antes que tú nacieras
interesante puchas que interesante
en cambio yo no te prometo nada
ni dinero ni sexo ni poesía
un yogur es lo + que podría ofrecerte
Nicanor Parra.Chile
Amantes
Somos como son los que se aman.
Al desnudarnos descubrimos dos monstruosos
Desconocidos que se estrechan a tientas,
Cicatrices con que el rencoroso deseo
Señala a los que sin descanso se aman;
El tedio, la sospecha invenncible nos ata
En su red, como en la falta dos dioses adúlteros.
Enamorados como dos locos,
Dos astros sanguinarios, dos dinastías
Que hambrientas se disputan un reino,
Queremos ser justicia, nos acechamos feroces,
Nos engañamos, nos inferimos las viles injurias
Con que el cielo afrenta a los que se aman.
Sólo para que mil veces nos incendie
El abrazo que en el mundo son los que se aman
Mil veces morimos cada día.
Jorge Gaitán Durán (1925 - 1962)
Gaitán Durán nació en Pamplona, Norte de Santander, Colombia, en 1925. Murió en un accidente de aviación en Pointe-á-Pitre, en 1962.
Poeta, ensayista, dramaturgo, cuentista y periodista, fue fundador de la mítica revista Mito, en 1955, junto con Hernando Valencia Goelkel.
Publicó El libertino (1954), Amantes (1958), Si mañana despierto (1961).
Octavio Paz dijo que era “uno de los espíritus más despiertos y originales de la nueva literatura latinoamericana”.
Fonte:El Blog de Lalito Grafía
Al desnudarnos descubrimos dos monstruosos
Desconocidos que se estrechan a tientas,
Cicatrices con que el rencoroso deseo
Señala a los que sin descanso se aman;
El tedio, la sospecha invenncible nos ata
En su red, como en la falta dos dioses adúlteros.
Enamorados como dos locos,
Dos astros sanguinarios, dos dinastías
Que hambrientas se disputan un reino,
Queremos ser justicia, nos acechamos feroces,
Nos engañamos, nos inferimos las viles injurias
Con que el cielo afrenta a los que se aman.
Sólo para que mil veces nos incendie
El abrazo que en el mundo son los que se aman
Mil veces morimos cada día.
Jorge Gaitán Durán (1925 - 1962)
Gaitán Durán nació en Pamplona, Norte de Santander, Colombia, en 1925. Murió en un accidente de aviación en Pointe-á-Pitre, en 1962.
Poeta, ensayista, dramaturgo, cuentista y periodista, fue fundador de la mítica revista Mito, en 1955, junto con Hernando Valencia Goelkel.
Publicó El libertino (1954), Amantes (1958), Si mañana despierto (1961).
Octavio Paz dijo que era “uno de los espíritus más despiertos y originales de la nueva literatura latinoamericana”.
Fonte:El Blog de Lalito Grafía
El vicio de releer
Domingo, Mayo 31st, 2009
Si leer es un placer sensual, releer es un exquisito vicio solitario.
Hoy en día poca gente se atreve a volver sobre los libros que ha leído. Es como si al hacerlo traicionaran un supuesto pacto con lo contemporáneo, con lo que está de moda o al día. Y, tal vez, por ese miedo a darle la espalda a “lo politícamente correcto”, ciertas personas le huyen o le tienen pereza a la relectura.
A mí, en cambio, releer me está gustando cada vez más y más y más. Sin abandonar el goce por las lecturas nuevas, siempre insólitas e imprevistas, releer se me ha vuelto una costumbre renovadora, mero renacentismo a principios del siglo 21.
Jorge Gaitán Durán (1925 - 1962).Colômbia
Fonte: El Blog de Lalito Grafía
http://www.ecbloguer.com/lalitografia/
Domingo, Mayo 31st, 2009
Si leer es un placer sensual, releer es un exquisito vicio solitario.
Hoy en día poca gente se atreve a volver sobre los libros que ha leído. Es como si al hacerlo traicionaran un supuesto pacto con lo contemporáneo, con lo que está de moda o al día. Y, tal vez, por ese miedo a darle la espalda a “lo politícamente correcto”, ciertas personas le huyen o le tienen pereza a la relectura.
A mí, en cambio, releer me está gustando cada vez más y más y más. Sin abandonar el goce por las lecturas nuevas, siempre insólitas e imprevistas, releer se me ha vuelto una costumbre renovadora, mero renacentismo a principios del siglo 21.
Jorge Gaitán Durán (1925 - 1962).Colômbia
Fonte: El Blog de Lalito Grafía
http://www.ecbloguer.com/lalitografia/
O México profundo nas imagens de um autor, Juan Rulfo
As paisagens áridas sugeridas por Pedro Páramo, monumento literário da América espanhola, são traduzidas pelo escritor mexicano num belo livro que reúne suas 100 melhores fotografias
Ao escritor mexicano Juan Rulfo (1917-1986) se deve a mais completa série de estudos etnográficos sobre as populações indígenas do México. E também algumas das mais belas fotografias que retrataram essas culturas, lado menos conhecido do autor do livro Pedro Páramo, o grande monumento literário moderno mexicano do século 20. Parte da enorme coleção de negativos deixados por Rulfo, construída durante os vários anos em que, entre outras lutas, militou pela causa indigenista no México, foi selecionada para o livro 100 Fotografias: Juan Rulfo, que a Cosac Naify lança em parceria com a Editorial RM do México, com ensaios do diretor da fundação que leva o nome do escritor, o arquiteto e historiador Víctor Jiménez, do curador independente Andrew Dempsey e do jovem historiador e curador italiano Daniele de Luigi, os dois últimos responsáveis pela seleção das 100 fotos que aparecem no livro.
Rulfo publicou as primeiras fotos em 1949, na revista América, realizando sua primeira exposição apenas em 1960, em Guadalajara. Discreto e criterioso, ele só começou a ficar conhecido como fotógrafo após uma grande exposição realizada no Palácio de Belas Artes da Cidade do México, em 1980, acompanhada de um catálogo, Homenaje Nacional, seis anos antes de sua morte. Este seria transformado num livro, Inframundo, que chegou às mãos da crítica e ensaísta norte-americana Susan Sontag (1933-2004), autora de um livro fundamental sobre fotografia e do prefácio da segunda tradução inglesa de Pedro Páramo. De lá para cá outros livros foram publicados sobre sua obra fotográfica, entre os quais Juan Rulfo, Letras e Imágenes (2002), em que é explorada a relação entre literatura e fotografia na obra do escritor.
Ruínas. No livro que está sendo lançado, esse é um aspecto igualmente lembrado, mas é na tragédia da infância de Rulfo que os curadores vão buscar explicações para o aspecto desolador de suas ruínas, de seus desamparados camponeses e da desértica paisagem mexicana. O curador Andrew Dempsey diz que a chave para decifrar essa terra devastada – tão bem descrita em Pedro Páramo, homem frustrado por um amor impossível, vivendo num território fantasmagórico – é mesmo a tragédia enfrentada por Rulfo quando criança. O pai morreu assassinado quanto ele tinha 6 anos – e esse choque é traduzido, em Pedro Páramo, pela loucura de Susana, a paixão juvenil do narrador onisciente, uma morta-viva quando reaparece em Comala, viúva de Florêncio e enlouquecida pelo assassinato do pai.
Rulfo dizia ser difícil reconhecer no território de Jalisco – que abriga a cidade de San Gabriel, onde o escritor passou a infância – traços dos personagens de seus livros, porque as pessoas de Pedro Páramo “não têm cara e só por suas palavras se adivinha o que foram”. Claro, estão todos mortos. A morte está em toda a parte no livro e é com ela que começa a narrativa, a de um morto contando sua história a outros mortos num tempo congelado na memória de seu protagonista. Olhando as fotos do livro, é a mesma impressão que castiga a retina do leitor com esse tempo circular em que tudo se repete, revelando uma paisagem imutável, silenciosa e árida, o próprio território da morte.
Núcleos. Dividido em quatro núcleos temáticos, o livro 100 Fotografias: Juan Rulfo, começa com a foto de uma pirâmide de Cempoala, em Vera Cruz, tirada na década de 1950, que marca o capítulo inaugural, dedicado à arquitetura. Mais que o registro documental do passado arquitetônico dos primeiros povos do México, há um drama épico sugerido pelas imagens dessas ruínas de civilizações esmagadas pelo estrangeiro, que levou o ouro do México, deixando desamparadas as comunidades indígenas. Rulfo dizia que essas populações vivem fechadas num hermetismo ancestral que repudia a intromissão de estranhos e é justamente o que se vê no segundo núcleo temático, dedicado aos vilarejos rurais, de camponeses paupérrimos que tanto inspiraram Pedro Páramo (1955) como os contos de Chão em Chamas (1953) – ambos traduzidos por Eric Nepomuceno e publicados pela Record na versão mais recente, de 2004.
O terceiro núcleo temático traz as fotos do começo da carreira do fotógrafo Rulfo, nos anos 1940, paisagens que remetem ao gigantismo de Ansel Adams ou, ainda mais, à composição formal de Edward Weston. Por certo, Rulfo já tinha um olhar educado quando comprou sua Rolleiflex seis por seis, que acabou perdendo. Conhecia bem os fotógrafos estrangeiros e os de seu país – e a forma como se aproxima das camponesas com seus trajes tradicionais e da paisagem mexicana deve muito a Manuel Álvarez Bravo.
Finalmente, no último núcleo, o próprio Bravo surge como personagem entre os amigos do escritor-fotógrafo, além de pessoas de sua família, como a mulher Clara Aparício e sua filha Cláudia, nascida em 1951, três anos após seu casamento. São quase todas fotos dessa mesma década, quando as excursões de Rulfo começaram a ficar mais curtas por conta dos compromissos assumidos com a literatura – especialmente por causa das sucessivas bolsas de estudo concedidas pelo Centro Mexicano de Escritores, fundado pela americana Margaret Shedd (fotografada no último núcleo do livro). Foi ela a figura determinante para que Rulfo publicasse tanto O Chão em Chamas como Pedro Páramo, transformando-o no escritor mexicano mais conhecido fora de seu país, admirado por colegas como o argentino Jorge Luis Borges e o colombiano Gabriel García Márquez.
Foi de García Márquez o maior elogio que Juan Rulfo recebeu. A imprensa cobrava muito de Rulfo uma outra novela depois de Pedro Páramo, mas ele não tinha pressa nem perseguia a fama. “Se eu fosse autor de Pedro Páramo, para mim o mais importante e belo dos romances escritos em língua castelhana, não me preocuparia nem voltaria a escrever jamais em minha vida”, disse o Nobel de literatura de 1982, tido como o criador do realismo mágico, do qual Rulfo foi precursor. Rulfo escreveu um pequeno segundo romance, O Galo de Ouro, esboçado em 1956 e filmado por Roberto Gavaldón em 1964, contando a história de um pobre camponês com sorte na briga de galos que é contratado por um ricaço, ambos apaixonados pela mesma mulher. Há uma segunda versão dirigida pelo iconoclasta Arturo Ripstein (El Imperio de la Fortuna, de 1986).
Cinema. Há quem defenda que Rulfo concebeu Pedro Páramo como um filme. A elipse narrativa do romance, que tanto incomodou os críticos na época do lançamento, reproduziria, em termos literários, artifícios da montagem cinematográfica – e ele foi supervisor das salas de cinema de Guadalajara, o que facilitou seu ingresso nesse universo, para o qual contribuiu como roteirista, crítico e consultor histórico (do filme La Escondida, de 1955, dirigido por Roberto Gavaldón, o mesmo da primeira versão de O Galo de Ouro). De qualquer modo, Rulfo não gostava das adaptações de seus textos para o cinema – e Pedro Páramo teve quatro versões, sendo a primeira de 1966, dirigida por Carlos Velo. A última tentativa foi feita há dois anos por outro espanhol, Mateo Gil.
Muitas fotos no livro de Rulfo parecem fragmentos de filmes. A principal delas é a de uma mulher caminhando com uma menina pelas ruas de Mexicaltzingo, Estado do México, em 1960. Lembram – e muito – as imagens que o célebre fotógrafo Gabriel Figueroa (1907-1997) criou para os filmes mexicanos de Buñuel (Os Esquecidos, Nazarín, Simão do Deserto) e também para a primeira versão de Pedro Páramo, que fotografou para Carlos Velo. Figueroa, criado como ele num povoado mexicano, manipulava a luz de forma arquitetônica, enquadrando seus personagens em figuras geométricas projetadas pela sombra, de maneira quase alegórica, como se os “olvidados” mexicanos estivessem confinados, sendo ao mesmo tempo iluminados e destruídos pelo escaldante sol dos áridos povoados mexicanos.
Também nas fotos de Rulfo, a aparição de signos cristãos encontram correspondência nas ruínas zapotecas ou barrocas que emergem com a luz teofânica das imagens (Rulfo teve formação católica e começou a ler na biblioteca de um padre). Como lembra o historiador Víctor Jiménez, “ele fez diversas fotos de portas de igrejas com pessoas que se aproximam ou que delas se afastam”, calculando o “possível efeito simbólico” desses gestos. Afinal, antes de tudo, eles revelam a ambivalente relação dos mexicanos com o cristianismo imposto pelo conquistador.
Antonio Gonçalves Filho – O Estado de S.Paulo.05/02/2011
Ao escritor mexicano Juan Rulfo (1917-1986) se deve a mais completa série de estudos etnográficos sobre as populações indígenas do México. E também algumas das mais belas fotografias que retrataram essas culturas, lado menos conhecido do autor do livro Pedro Páramo, o grande monumento literário moderno mexicano do século 20. Parte da enorme coleção de negativos deixados por Rulfo, construída durante os vários anos em que, entre outras lutas, militou pela causa indigenista no México, foi selecionada para o livro 100 Fotografias: Juan Rulfo, que a Cosac Naify lança em parceria com a Editorial RM do México, com ensaios do diretor da fundação que leva o nome do escritor, o arquiteto e historiador Víctor Jiménez, do curador independente Andrew Dempsey e do jovem historiador e curador italiano Daniele de Luigi, os dois últimos responsáveis pela seleção das 100 fotos que aparecem no livro.
Rulfo publicou as primeiras fotos em 1949, na revista América, realizando sua primeira exposição apenas em 1960, em Guadalajara. Discreto e criterioso, ele só começou a ficar conhecido como fotógrafo após uma grande exposição realizada no Palácio de Belas Artes da Cidade do México, em 1980, acompanhada de um catálogo, Homenaje Nacional, seis anos antes de sua morte. Este seria transformado num livro, Inframundo, que chegou às mãos da crítica e ensaísta norte-americana Susan Sontag (1933-2004), autora de um livro fundamental sobre fotografia e do prefácio da segunda tradução inglesa de Pedro Páramo. De lá para cá outros livros foram publicados sobre sua obra fotográfica, entre os quais Juan Rulfo, Letras e Imágenes (2002), em que é explorada a relação entre literatura e fotografia na obra do escritor.
Ruínas. No livro que está sendo lançado, esse é um aspecto igualmente lembrado, mas é na tragédia da infância de Rulfo que os curadores vão buscar explicações para o aspecto desolador de suas ruínas, de seus desamparados camponeses e da desértica paisagem mexicana. O curador Andrew Dempsey diz que a chave para decifrar essa terra devastada – tão bem descrita em Pedro Páramo, homem frustrado por um amor impossível, vivendo num território fantasmagórico – é mesmo a tragédia enfrentada por Rulfo quando criança. O pai morreu assassinado quanto ele tinha 6 anos – e esse choque é traduzido, em Pedro Páramo, pela loucura de Susana, a paixão juvenil do narrador onisciente, uma morta-viva quando reaparece em Comala, viúva de Florêncio e enlouquecida pelo assassinato do pai.
Rulfo dizia ser difícil reconhecer no território de Jalisco – que abriga a cidade de San Gabriel, onde o escritor passou a infância – traços dos personagens de seus livros, porque as pessoas de Pedro Páramo “não têm cara e só por suas palavras se adivinha o que foram”. Claro, estão todos mortos. A morte está em toda a parte no livro e é com ela que começa a narrativa, a de um morto contando sua história a outros mortos num tempo congelado na memória de seu protagonista. Olhando as fotos do livro, é a mesma impressão que castiga a retina do leitor com esse tempo circular em que tudo se repete, revelando uma paisagem imutável, silenciosa e árida, o próprio território da morte.
Núcleos. Dividido em quatro núcleos temáticos, o livro 100 Fotografias: Juan Rulfo, começa com a foto de uma pirâmide de Cempoala, em Vera Cruz, tirada na década de 1950, que marca o capítulo inaugural, dedicado à arquitetura. Mais que o registro documental do passado arquitetônico dos primeiros povos do México, há um drama épico sugerido pelas imagens dessas ruínas de civilizações esmagadas pelo estrangeiro, que levou o ouro do México, deixando desamparadas as comunidades indígenas. Rulfo dizia que essas populações vivem fechadas num hermetismo ancestral que repudia a intromissão de estranhos e é justamente o que se vê no segundo núcleo temático, dedicado aos vilarejos rurais, de camponeses paupérrimos que tanto inspiraram Pedro Páramo (1955) como os contos de Chão em Chamas (1953) – ambos traduzidos por Eric Nepomuceno e publicados pela Record na versão mais recente, de 2004.
O terceiro núcleo temático traz as fotos do começo da carreira do fotógrafo Rulfo, nos anos 1940, paisagens que remetem ao gigantismo de Ansel Adams ou, ainda mais, à composição formal de Edward Weston. Por certo, Rulfo já tinha um olhar educado quando comprou sua Rolleiflex seis por seis, que acabou perdendo. Conhecia bem os fotógrafos estrangeiros e os de seu país – e a forma como se aproxima das camponesas com seus trajes tradicionais e da paisagem mexicana deve muito a Manuel Álvarez Bravo.
Finalmente, no último núcleo, o próprio Bravo surge como personagem entre os amigos do escritor-fotógrafo, além de pessoas de sua família, como a mulher Clara Aparício e sua filha Cláudia, nascida em 1951, três anos após seu casamento. São quase todas fotos dessa mesma década, quando as excursões de Rulfo começaram a ficar mais curtas por conta dos compromissos assumidos com a literatura – especialmente por causa das sucessivas bolsas de estudo concedidas pelo Centro Mexicano de Escritores, fundado pela americana Margaret Shedd (fotografada no último núcleo do livro). Foi ela a figura determinante para que Rulfo publicasse tanto O Chão em Chamas como Pedro Páramo, transformando-o no escritor mexicano mais conhecido fora de seu país, admirado por colegas como o argentino Jorge Luis Borges e o colombiano Gabriel García Márquez.
Foi de García Márquez o maior elogio que Juan Rulfo recebeu. A imprensa cobrava muito de Rulfo uma outra novela depois de Pedro Páramo, mas ele não tinha pressa nem perseguia a fama. “Se eu fosse autor de Pedro Páramo, para mim o mais importante e belo dos romances escritos em língua castelhana, não me preocuparia nem voltaria a escrever jamais em minha vida”, disse o Nobel de literatura de 1982, tido como o criador do realismo mágico, do qual Rulfo foi precursor. Rulfo escreveu um pequeno segundo romance, O Galo de Ouro, esboçado em 1956 e filmado por Roberto Gavaldón em 1964, contando a história de um pobre camponês com sorte na briga de galos que é contratado por um ricaço, ambos apaixonados pela mesma mulher. Há uma segunda versão dirigida pelo iconoclasta Arturo Ripstein (El Imperio de la Fortuna, de 1986).
Cinema. Há quem defenda que Rulfo concebeu Pedro Páramo como um filme. A elipse narrativa do romance, que tanto incomodou os críticos na época do lançamento, reproduziria, em termos literários, artifícios da montagem cinematográfica – e ele foi supervisor das salas de cinema de Guadalajara, o que facilitou seu ingresso nesse universo, para o qual contribuiu como roteirista, crítico e consultor histórico (do filme La Escondida, de 1955, dirigido por Roberto Gavaldón, o mesmo da primeira versão de O Galo de Ouro). De qualquer modo, Rulfo não gostava das adaptações de seus textos para o cinema – e Pedro Páramo teve quatro versões, sendo a primeira de 1966, dirigida por Carlos Velo. A última tentativa foi feita há dois anos por outro espanhol, Mateo Gil.
Muitas fotos no livro de Rulfo parecem fragmentos de filmes. A principal delas é a de uma mulher caminhando com uma menina pelas ruas de Mexicaltzingo, Estado do México, em 1960. Lembram – e muito – as imagens que o célebre fotógrafo Gabriel Figueroa (1907-1997) criou para os filmes mexicanos de Buñuel (Os Esquecidos, Nazarín, Simão do Deserto) e também para a primeira versão de Pedro Páramo, que fotografou para Carlos Velo. Figueroa, criado como ele num povoado mexicano, manipulava a luz de forma arquitetônica, enquadrando seus personagens em figuras geométricas projetadas pela sombra, de maneira quase alegórica, como se os “olvidados” mexicanos estivessem confinados, sendo ao mesmo tempo iluminados e destruídos pelo escaldante sol dos áridos povoados mexicanos.
Também nas fotos de Rulfo, a aparição de signos cristãos encontram correspondência nas ruínas zapotecas ou barrocas que emergem com a luz teofânica das imagens (Rulfo teve formação católica e começou a ler na biblioteca de um padre). Como lembra o historiador Víctor Jiménez, “ele fez diversas fotos de portas de igrejas com pessoas que se aproximam ou que delas se afastam”, calculando o “possível efeito simbólico” desses gestos. Afinal, antes de tudo, eles revelam a ambivalente relação dos mexicanos com o cristianismo imposto pelo conquistador.
Antonio Gonçalves Filho – O Estado de S.Paulo.05/02/2011
sábado, 5 de fevereiro de 2011
A Máquina Fotográfica
"É na câmara escura dos teus olhos
que se revela a água
água imagem
água nítida e fixa
água paisagem
boa nariz cabelos e cintura
terra sem nome
rosto sem figura
água móvel nos rios
parada nos retratos
água escorrida e pura
água viagem trânsito hiato.
Chego de longe. Venho em férias. Estou cansado.
Já suei o suor de oito séculos de mar
o tempo de onze meses de ordenado;
por isso, meu amor, viajo a nado
não por ser português mal empregado
mas por sofrer dos pés
e estar desidratado.
Chego. Mudo de fato. Calço a idade
que melhor quadra à minha solidão
e saio a procurar-te na cidade
contrastada violenta negativa
tu única sombra murmurada
única rua mal iluminada
única imagem desfocada e viva.
Moras aonde eu sei.
É na distância
onde chego de táxi.
Sou turista
com trinta e seis hipóteses no rolo;
venho ao teu miradoiro ver a vista
trago a minha tristeza a tiracolo.
Enquadro-te regulo-te disparo-te
revelo-te retoco-te repito-te
compro um frasco de tédio e um aparo
nas tuas costas ponho uma estampilha
e escrevo aos meus amigos que estão longe
charmant pays
the sun is shining
love.
Emendo-te rasuro-te preencho-te
assino-te destino-te comando-te
és o lugar concreto onde procuro
a noite de passagem o abrigo seguro
a hora de acordar que se diz ao porteiro
o tempo que não segue o tempo em que não duro
senão um dia inteiro.
Invento-te desbravo-te desvendo-te
surges letra por letra, película sonora,
do sendo à vogal do tema à consoante
sem presença no espaço sem diferença na hora.
És a rota da Índia o sarcasmo do vento
a cãibra do gajeiro o erro do sextante
o acaso a maré o mapa a descoberta
dum novo continente itinerante."
Ary dos Santos
que se revela a água
água imagem
água nítida e fixa
água paisagem
boa nariz cabelos e cintura
terra sem nome
rosto sem figura
água móvel nos rios
parada nos retratos
água escorrida e pura
água viagem trânsito hiato.
Chego de longe. Venho em férias. Estou cansado.
Já suei o suor de oito séculos de mar
o tempo de onze meses de ordenado;
por isso, meu amor, viajo a nado
não por ser português mal empregado
mas por sofrer dos pés
e estar desidratado.
Chego. Mudo de fato. Calço a idade
que melhor quadra à minha solidão
e saio a procurar-te na cidade
contrastada violenta negativa
tu única sombra murmurada
única rua mal iluminada
única imagem desfocada e viva.
Moras aonde eu sei.
É na distância
onde chego de táxi.
Sou turista
com trinta e seis hipóteses no rolo;
venho ao teu miradoiro ver a vista
trago a minha tristeza a tiracolo.
Enquadro-te regulo-te disparo-te
revelo-te retoco-te repito-te
compro um frasco de tédio e um aparo
nas tuas costas ponho uma estampilha
e escrevo aos meus amigos que estão longe
charmant pays
the sun is shining
love.
Emendo-te rasuro-te preencho-te
assino-te destino-te comando-te
és o lugar concreto onde procuro
a noite de passagem o abrigo seguro
a hora de acordar que se diz ao porteiro
o tempo que não segue o tempo em que não duro
senão um dia inteiro.
Invento-te desbravo-te desvendo-te
surges letra por letra, película sonora,
do sendo à vogal do tema à consoante
sem presença no espaço sem diferença na hora.
És a rota da Índia o sarcasmo do vento
a cãibra do gajeiro o erro do sextante
o acaso a maré o mapa a descoberta
dum novo continente itinerante."
Ary dos Santos
SOL de SESTA
a gata preta prenha
dorme à sombra da lenha
descansa da fadiga
que é esperar que a prole
um dia venha
negra como ela
sugar-lhe as mamas
na base
da barriga
Platero
(h)ortografias
dorme à sombra da lenha
descansa da fadiga
que é esperar que a prole
um dia venha
negra como ela
sugar-lhe as mamas
na base
da barriga
Platero
(h)ortografias
MUBARAK
Hosni Said Mubarak
não descobriu ainda
que chegou o tempo
de abandonar o fraque?
trocá-lo pelo pijama
pelos chinelos
cuidar mais do conforto na cama
do que da pintura dos cabelos?
não descobriu ainda que o seu povo
cansou de si
- antes que o maltrate
ponha-se a milhas Mubarak
é que
tempo de ser ouro já lá vai
os anos passam sobre nós
sejamos escravos
ou gloriosos Faraós
pechisbeque
Mubarak
Hosni Said Mubarak
eis o que resta
a quem em altiva testa
nascem rugas de basbaque
hoje agora você não vale nada
antes que o povo o pegue
e o enforque
ponha-se a milhas Mubarak
veja-se ao espelho
não há nenhum retoque
que o liberte
da máscara de velho
ponha-se a milhas Mubarak
para milhões e milhões de de ex-escravos seus
hoje você
não vale um traque
pense bem Mubarak
hoje você
não vale um traque
Platero
(h)ortografias
não descobriu ainda
que chegou o tempo
de abandonar o fraque?
trocá-lo pelo pijama
pelos chinelos
cuidar mais do conforto na cama
do que da pintura dos cabelos?
não descobriu ainda que o seu povo
cansou de si
- antes que o maltrate
ponha-se a milhas Mubarak
é que
tempo de ser ouro já lá vai
os anos passam sobre nós
sejamos escravos
ou gloriosos Faraós
pechisbeque
Mubarak
Hosni Said Mubarak
eis o que resta
a quem em altiva testa
nascem rugas de basbaque
hoje agora você não vale nada
antes que o povo o pegue
e o enforque
ponha-se a milhas Mubarak
veja-se ao espelho
não há nenhum retoque
que o liberte
da máscara de velho
ponha-se a milhas Mubarak
para milhões e milhões de de ex-escravos seus
hoje você
não vale um traque
pense bem Mubarak
hoje você
não vale um traque
Platero
(h)ortografias
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