sexta-feira, 4 de outubro de 2019


Sabemos que a vida não é uma coisa e a poesia outra. Sabemos que a política não é uma coisa e a poesia outra.

Procuramos o coincidir do estar e do ser. Procurar a inteireza do estar na terra é a busca de poesia.

Por isso rejeitamos o uso burguês da cultura que separa o cérebro da mão. Que separa o trabalhador intelectual do trabalhador manual. Que separa o homem de si próprio, dos outros e da vida.

E porque desalienar, conquistar a inteireza de cada homem é a finalidade radical de toda a política revolucionária, o projeto de uma política real é por sua natureza paralelo ao projeto da poesia. Mas olhando com atenção vemos que a tarefa específica da política é criar as condições em que a desalienação é possível. Em rigor, a política não cria a desalienação, mas sua possibilidade.

É a poesia que desaliena, que funda a desalienação, que estabelece a relação inteira do homem consigo próprio, com os outros, e com a vida, com o mundo e com as coisas. E onde não existir essa relação primordial limpa e justa, essa busca de uma relação limpa e justa, essa verdade das coisas, nunca a revolução será real."


Sophia de Mello Breyner Andresen


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