terça-feira, 8 de outubro de 2019

ONDE VOCÊ ESTAVA?



Em 1964 eu era uma aeromoça e fiquei sabendo, no último instante, que os Beatles estariam no meu voo de duas horas de Nova Iorque para Miami. Eu já era fã de suas músicas pelo rádio e agora teria o privilégio de vê-los cara a cara e ainda servi-los. Levei semanas para refazer-me da emoção de tê-los conhecido justamente em sua primeira visita ao meu país. John, ao lado de sua esposa Cynthia, permaneceu quieto o tempo todo, sentado na última fileira. Os outros não paravam de distribuir autógrafos. Eles primavam pela alegria, simpatia e um senso de humor que eu nunca vira antes. Eles davam a nítida impressão de que não estavam levando a sério esta ideia de conquistar o maior mercado de consumo do mundo. Na verdade, eles não levavam os Beatles a sério. Para eles, tudo não passava de uma grande aventura. Eles deviam estar pensando: ‘Já que estão nos pagando, por que não aproveitar e divertir-se?’ Ringo insistiu em colocar um colete salva-vidas antes de aterrissar e queria, a todo custo, ver da janela do avião algum tubarão no mar. Paul era a prova cabal de que os Beatles não esperavam tornar-se famosos nos EUA. Ele perguntou-me: ‘Será que vai ter alguém nos esperando no aeroporto?’ Ao descer na pista, milhares de pessoas enlouquecidas os aguardavam do lado de fora. Eles desfilaram em carro aberto pelas ruas e eram saudados pelo povo como se fossem heróis astronautas voltando da primeira viagem tripulada à Lua. Algumas de nossas celebridades, com uma pontinha de inveja, dizem que nós entregamos a América de bandeja para eles. É verdade que eles não precisaram conquistar nada; o mundo todo prostrou-se aos seus pés como súditos reconhecendo a majestade de seus reis.

Alceu Natali     

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