As tragédias são sempre uma grande oportunidade para a
reflexão e transformações. Nem sempre isso acontece. As vitimas apenas sofrem e
os cínicos oportunistas, como os predadores e carniceiros, estão sempre à
espreita de oportunidades! No Brasil, criaturas dessa qualidade são sempre os
representantes das mais elevadas e nobres causas! Estão sempre de prontidão com
o seu inesgotável repertorio discursivo da cartilha politicamente correta de
idéias, ideais, propostas, projetos, estudos, pesquisas, tudo no balcão a
disposição, prontos para serem negociados no momento oportuno. Ele chegou no
ultimo dia 07, pelas mãos de um jovem infeliz cheio de ódio e balas! Desde
então muito já foi dito e especulado sobre esse rapaz e as suas razões, por
incontáveis especialistas e oportunistas. Vou mudar o foco, vou falar das
conseqüências políticas. Domínio por excelência das nobres virtudes, campo das
grandes propostas, projetos, idéias e, sobretudo, dos elevados recursos
públicos! Essa é a questão, simples assim, recursos financeiros e capital
político, apenas!
No ápice da comoção, no estupor causado pela tragédia é que
os especialistas em “mobilizar”, sobretudo, recursos financeiros, se organizam
em torno de interesses comuns pouco ortodoxos. Nessas oportunidades, em defesa
das nobres causas - bem comum, interesse público, direitos - grupos
especializados ligados a setores políticos envidam todos os meios e esforços –
subsídios, incentivos, apoio, recursos públicos. A excepcionalidade da tragédia
impõem medidas de exceção, proporcionando facilidades e/ou desobrigando os
administradores dos recursos públicos e os seus “parceiros” de se submeterem a
determinadas exigências técnicas ou legais. O “calcanhar de Aquiles” da trama,
porem, não é a tragédia, é a tradição. Assim, se supõem que determinados grupos
e/ou extratos sociais dispõem de prerrogativas morais, desígnios superiores
inerentes a própria condição de classe, profissão, confissão ou tradição lhe
asseguram idoneidade, lisura, honestidade, integridade, confiança. Insuspeitos,
estão dispensados de submeterem-se a controles ou fiscalização. Conforme
sejamos avessos a universalidade e impessoalidade das regras, submeter-se
representa uma perseguição constrangedora!
A nossa tradição determina uma maior tolerância com
determinados grupos e/ou extratos sociais sob certas circunstancias e em
algumas ocasiões. A indistinção entre publico e privado se estende a
indiferença da sociedade ao patrimônio público, complementando, naturalmente, a
dispensa à fiscalização e o controle. A base de sustentação dessa urdidura, em
termos de assegurar legitimidade, se dá na cooptação de amplos setores sociais
– sociedade civil, iniciativa privada, setores políticos, administração
pública. A capilarização do esquema garante maior complexidade na medida em que
se compartilham, alem de interesses,
responsabilidades.
A tradição determina parâmetros estabelecidos por vínculos
de confiança e lealdade entre os envolvidos para alem das afinidades e
interesses. A despeito do maior envolvimento de setores sociais - isso se
explica, de um lado por exigências de legitimidade impostas pelo contexto
democrático e, de outro para garantir a adesão popular - não são democráticos,
não agregam, são restritos e fechados. Nesse sentido, não se renovam, nem os
grupos e/ou extratos sociais, tampouco as suas práticas, ao contrário,
perpetuam-se. Sempre os mesmos, sempre
mais do mesmo, reciclados ou adaptados - exercício de aperfeiçoamento das aparências,
perfumaria, tautologia -, conforme as tendências estabelecidas pela cartilha
politicamente correta, o gosto pela indolência intelectual e a mediocridade
política. A incorporação de outros grupos ou setores sociais e políticos se dá
de acordo com necessidades ou interesses, sendo valorizados como pontos de
apoio para sustentação, acesso e manutenção dos canais de acesso ao poder e ao
fundo público.
Os movimentos sociais não são toda a sociedade - muito menos
o povo! -, a expansão da sociedade civil organizada não corresponde à maior
participação popular, o incremento das políticas sociais e instituições
democráticas não asseguram o exercício da cidadania, o constitucionalismo
nominal não representa maior adesão à democracia e o maior volume de investimentos
e recursos não garante a qualidade e a eficácia das políticas públicas. A tradição é a tragédia.
Mario Miranda Antonio Junior
Sociólogo – FESPSP.Pós em Direitos Humanos – USP
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