terça-feira, 31 de julho de 2018

POR QUE PRENDERAM LULA?


ERIC NEPOMUCENO




A última vez em que estive com o presidente Lula foi na sexta-feira, 16 de março, num ato em São Paulo. Três semanas depois ele foi preso.

Naquela sexta-feira foi lançado o livro A verdade prevalecerá, uma minuciosa e contundente entrevista feita a Lula pela editora da Boitempo, Ivana Jinkings, uma dupla luminosa de jornalistas, Juca Kfouri e Maria Inês Nassif, e o professor de relações internacionais Gilberto Maringoni.

A pedido da editora, escrevi um perfil de Lula para o livro, e por isso fui a São Paulo para o lançamento, no Sindicato dos Químicos, no bairro paulistano cujo nome não poderia ser mais apropriado: Liberdade.

Lula tinha se comprometido a autografar cem exemplares do livro quando o lançamento terminasse. Haveria um sorteio para escolher quem levaria o autógrafo.

Como não poderia deixar de ser, aquele não foi um lançamento convencional. Lula falou para um auditório abarrotado. Afiadíssimo, comoveu a plateia com um discurso contundente e emocionado.

Para os autógrafos foi reservada uma sala ampla, no segundo andar do Sindicato. Findo o ato, Lula tomou meu braço na saída do palco e disse: “vem comigo, depressa”. Passamos por um labirinto de corredores e escadas e chegamos ao tal salão.

Lula, então, pediu café, água e disse que precisava de quinze minutos para relaxar, enquanto fora da sala os cem sorteados eram organizados em fila indiana.

Quando fiz menção de sair para deixá-lo sossegado, me disse: “Não, não, você fica, quero apoio para essa questão de autógrafo.” Respondi, surpreso, que ele com certeza tinha dado autógrafos um milhão de vezes mais que eu. Rindo, Lula rebateu: “Em livros, não”.

Durante os tais minutos pudemos conversar a sós. Sabia eu, sabia ele, que a ordem de prisão viria logo. Perguntei o que faria: se apresentar na Polícia Federal, para evitar a imagem dele sendo preso, evidente sonho de consumo dos adversários? Esperar ser preso e dar a imagem de presente para a Globo?

Com o mesmo sorriso pícaro que eu havia visto muitas vezes ao longo dos anos, a resposta foi típica de Luiz Inácio Lula da Silva: “E se eu der a imagem de presente para mim?”

Três semanas depois, no sábado 7 de abril, quando faltavam treze minutos para as sete da noite e haviam se passado quase duas horas do ultimato disparado pela Polícia Federal, Lula – depois de dois dias dentro do Sindicado dos Metalúrgicos de São Paulo, em São Bernardo do Campo, cercado por milhares de apoiadores que impediam a entrada dos agentes federais – se entregou.

Antes, porém, negociou. Queria um ato religioso em memória de sua companheira Marisa Letícia.

Sabia, claro, que era uma oportunidade única de se despedir antes da prisão. Falou para umas vinte mil pessoas. A Globo não teve essa imagem. Aliás, nem chegou perto do Sindicato: apropriou-se da imagem pela TVT, a Televisão dos Trabalhadores.

Depois de ter retornado para dentro do Sindicato, Lula enfim apareceu para ser preso. Passou por um corredor de correligionários caminhando como sempre: de cabeça erguida.

A fotografia do ato de horas antes, quando ele tinha acabado de falar para a multidão, feita do alto por um jovem chamado Francisco Poner, de 18 anos, mostra Lula sendo carregado em ombros anônimos. O que se vê é uma figura apenas reconhecível flutuando num mar de gente. Essa imagem foi publicada e republicada mundo afora. Nas redes sociais, foi vista milhões de vezes. Ganhou a capa do jornal mexicano La Jornada e meia página do The New York Times, e apareceu em revistas, jornais e noticiários de televisão de dezenas de países.

Era a imagem que a Globo queria ter e não teve. A imagem que Lula quis e soube ter.

É por causa dessa intuição, essa sensibilidade, essa capacidade de traçar estratégias, de negociar, que, na presidência, Lua fez o que fez para mudar parte substancial deste país perverso, de mazelas e abandonos, de desigualdades de abismo.

É também por essa intuição, essa sensibilidade, por tudo isso, que ele foi preso.

Porque solto, Lula é um perigo para os tratam este país como feudo próprio. E uma esperança concreta e iluminada para os abandonados de sempre, que com ele viram que é possível alcançar uma outra realidade, que lhes foi negada ao longo dos tempos.

LULA LIVRE/LULA LIVRO - Palavras contra a farsa


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