domingo, 11 de junho de 2017

construção do Paraná Europeu

Ricardo Costa de Oliveira___________Uma das pesquisas atualmente desenvolvidas no Núcleo de Estudos Paranaenses (NEP-UFPR) é sobre a "construção do Paraná Europeu", de Leonardo Micheleto. Duas obras são essenciais: A Terra do Futuro, de Nestor Vitor (1913) e O Brasil Diferente, de Wilson Martins (1955). 

São "quase discursos oficiais", autorizados e subvencionados pelos interesses do poder estabelecido. Dentro da metodologia de investigação elaborada pelo NEP, uma sociologia política crítica dos intelectuais paranaenses tematiza os conceitos de classe social, espírito de família e genealogia, vide a importante obra de Maria Julieta Weber Cordova (Bento, Brasil e David: O discurso regional de formação social e histórica paranaense). Nestor Vitor era nascido em Paranaguá, com suas origens sociais, familiares e trajetória relativamente conhecidas. A novidade é que as origens de Wilson Martins, dado como nascido em São Paulo em 1921, eram invisibilizadas e serão decifradas, bem como a sua agenda social e política esclarecidas. O pai de Wilson Martins era professor de português e foi advogado provisionado em São Paulo. Veio fugindo da polícia e da justiça paulista para o Paraná. Aqui teve inserções profissionais, políticas e foi preso para ser julgado em São Paulo. O pai de Wilson Martins, Himelino Martins, nascido em Portugal, foi acusado na imprensa local de ter sido "polygamo, falsificador e sátiro". Como pode um filho de um imigrante português, brasileiro de primeira geração, como Wilson Martins, ter construído uma ideologia invisibilizando a experiência colonial portuguesa, os índios, africanos, negros e a própria centralidade da escravidão no Paraná, ao concluir "O Brasil Diferente: "Assim é o Paraná. Território que, do ponto de vista sociológico, acrescentou ao Brasil uma nova dimensão, a de uma civilização original construída com pedaços de todas as outras. Sem escravidão, sem negro, sem português e sem índio, dir-se-ia que a sua definição não é brasileira. Inimigo dos gestos espetaculares e das expansões temperamentais, despojado de adornos, sua história é a de uma construção modesta e sólida e tão profundamente brasileira que pôde, sem alardes, impor o predomínio de uma ideia nacional a tantas culturas antagônicas. E que pôde, sobretudo, numa experiência magnífica, harmonizá-las entre si, num exemplo de fraternidade humana a que não ascendeu a própria Europa, de onde elas provieram. Assim é o Paraná.

(MARTINS, W. Um Brasil diferente: ensaio sobre fenômenos de aculturação no Paraná. 2. ed. São Paulo: T. A Queiroz, 1989. p. 446.). Ideologias oficiais e burguesas, relativizando o racismo, a desigualdade social, estrutural e histórica protagonizada por algumas das mesmas famílias da classe dominante tradicional há séculos.

A Construção do Paraná "Europeu" | Micheleto | Revista NEP - Núcleo de Estudos Paranaenses da UFPR
A Construção do Paraná "Europeu"
REVISTAS.UFPR.BR

Uma das pesquisas atualmente desenvolvidas no Núcleo de Estudos Paranaenses (NEP-UFPR) é sobre a "construção do Paraná Europeu", de Leonardo Micheleto. Duas obras são essenciais: A Terra do Futuro, de Nestor Vitor (1913) e O Brasil Diferente, de Wilson Martins (1955). São "quase discursos oficiais", autorizados e subvencionados pelos interesses do poder estabelecido. Dentro da metodologia de investigação elaborada pelo NEP, uma sociologia política crítica dos intelectuais paranaenses tematiza os conceitos de classe social, espírito de família e genealogia, vide a importante obra de Maria Julieta Weber Cordova (Bento, Brasil e David: O discurso regional de formação social e histórica paranaense). Nestor Vitor era nascido em Paranaguá, com suas origens sociais, familiares e trajetória relativamente conhecidas. A novidade é que as origens de Wilson Martins, dado como nascido em São Paulo em 1921, eram invisibilizadas e serão decifradas, bem como a sua agenda social e política esclarecidas. O pai de Wilson Martins era professor de português e foi advogado provisionado em São Paulo. Veio fugindo da polícia e da justiça paulista para o Paraná. Aqui teve inserções profissionais, políticas e foi preso para ser julgado em São Paulo. O pai de Wilson Martins, Himelino Martins, nascido em Portugal, foi acusado na imprensa local de ter sido "polygamo, falsificador e sátiro". Como pode um filho de um imigrante português, brasileiro de primeira geração, como Wilson Martins, ter construído uma ideologia invisibilizando a experiência colonial portuguesa, os índios, africanos, negros e a própria centralidade da escravidão no Paraná, ao concluir "O Brasil Diferente: "Assim é o Paraná. Território que, do ponto de vista sociológico, acrescentou ao Brasil uma nova dimensão, a de uma civilização original construída com pedaços de todas as outras. Sem escravidão, sem negro, sem português e sem índio, dir-se-ia que a sua definição não é brasileira. Inimigo dos gestos espetaculares e das expansões temperamentais, despojado de adornos, sua história é a de uma construção modesta e sólida e tão profundamente brasileira que pôde, sem alardes, impor o predomínio de uma ideia nacional a tantas culturas antagônicas. E que pôde, sobretudo, numa experiência magnífica, harmonizá-las entre si, num exemplo de fraternidade humana a que não ascendeu a própria Europa, de onde elas provieram. Assim é o Paraná.
(MARTINS, W. Um Brasil diferente: ensaio sobre fenômenos de aculturação no Paraná. 2. ed. São Paulo: T. A Queiroz, 1989. p. 446.). Ideologias oficiais e burguesas, relativizando o racismo, a desigualdade social, estrutural e histórica protagonizada por algumas das mesmas famílias da classe dominante tradicional há séculos.

A Construção do Paraná "Europeu" | Micheleto | Revista NEP - Núcleo de Estudos Paranaenses da UFPR
A Construção do Paraná "Europeu"
REVISTAS.UFPR.BR 

Walmir Braga Júnior _____________________Um tema muito legal e que desafia a todos nós. Por sua enorme eficácia e penetração social, o mito de uma Curitiba europeia é o mais importante da história paranaense. Em minha dissertação, ao eleger como um dos níveis de análise a história de Curitiba, também esbarrei nele. Fiz duas observações: 1) como o mito foi moldado de modo a aproximar-se do self made man norte-americano, ao eleger o alemão protestante como símbolo da identidade paranaense; e 2) como, nos anos 1920, sua caracterologia irá se opor diametralmente a certos elementos valorizados em São Paulo (o que faz com que o "tipo paranaense" e Macunaíma sejam o diametral oposto um do outro). É interessante ver como esse mito sempre volta, aliando-se a grandes interesses políticos e econômicos. Nas entrevistas com Jaime Lerner e Greca sobre Poty, ele veio a contrabando. O estudo sobre o mito e sua caracterologia merecem ser aprofundados.

João Simões Lopes Filho ______________________Seria interessante um entendimento de como se formam grandes áreas socio-culturais dentro do Brasil e como cada unidade da federação constrói sua própria identidade, com o adicional de como essa identidade é vista pelas outras. Daí surgem estereótipos como o carioca, o paulista, o mineiro, o cearense, o nordestino, o caipira, etc.

A gente nota por exemplo uma sobreposição de duas grandes áreas "culturais" (me foge agora um termo mais adequado): o Brasil Bandeirante que de certa forma cobre quase todo o interior do Sul e Sudeste, e avança sobre o Centro-Oeste e vem colonizando áreas agrícolas de Rondônia, Pará e Roraima. É o país dos fazendeiros, dos sertanejos. Outra é a do Brasil Sulino Europeizado, que une a Região Sul, inclusive seus centros urbanos, avança para São Paulo e Mato Grosso. Na área urbana de São Paulo a identidade europeizada mais reforçada é a italiana que alemã. O importante dessa europeização brasileira sulista é que ela é fervorosamente anti-portuguesa, anti-ibérica e anti-latino-americana. Talvez chegue no Rio de Janeiro apenas em redutos de elite, eventualmente com raízes sulistas, ou em descendentes de imigração europeia mais recente. Esse Brasil Europeizado rejeita o ibérico, o latino-americano, o africano, o índio, o favelado, o nordestino, e em certa medida, o carioca como estereótipo do favelado-miscigenado-sambista.

Por outro lado há um certo Brasil Sulista Praiano, que vai do Espírito Santo até Rio Grande, que de certa forma rejeita o elemento "caipira" e também pode em sua elite almejar uma Europeização.


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