Ricardo Costa de Oliveira___________Uma das pesquisas atualmente desenvolvidas no Núcleo de
Estudos Paranaenses (NEP-UFPR) é sobre a "construção do Paraná
Europeu", de Leonardo Micheleto. Duas obras são essenciais: A Terra do
Futuro, de Nestor Vitor (1913) e O Brasil Diferente, de Wilson Martins (1955).
São "quase discursos oficiais", autorizados e subvencionados pelos
interesses do poder estabelecido. Dentro da metodologia de investigação
elaborada pelo NEP, uma sociologia política crítica dos intelectuais
paranaenses tematiza os conceitos de classe social, espírito de família e
genealogia, vide a importante obra de Maria Julieta Weber Cordova (Bento,
Brasil e David: O discurso regional de formação social e histórica paranaense).
Nestor Vitor era nascido em Paranaguá, com suas origens sociais, familiares e
trajetória relativamente conhecidas. A novidade é que as origens de Wilson
Martins, dado como nascido em São Paulo em 1921, eram invisibilizadas e serão
decifradas, bem como a sua agenda social e política esclarecidas. O pai de
Wilson Martins era professor de português e foi advogado provisionado em São
Paulo. Veio fugindo da polícia e da justiça paulista para o Paraná. Aqui teve
inserções profissionais, políticas e foi preso para ser julgado em São Paulo. O
pai de Wilson Martins, Himelino Martins, nascido em Portugal, foi acusado na
imprensa local de ter sido "polygamo, falsificador e sátiro". Como
pode um filho de um imigrante português, brasileiro de primeira geração, como
Wilson Martins, ter construído uma ideologia invisibilizando a experiência
colonial portuguesa, os índios, africanos, negros e a própria centralidade da
escravidão no Paraná, ao concluir "O Brasil Diferente: "Assim é o
Paraná. Território que, do ponto de vista sociológico, acrescentou ao Brasil
uma nova dimensão, a de uma civilização original construída com pedaços de
todas as outras. Sem escravidão, sem negro, sem português e sem índio,
dir-se-ia que a sua definição não é brasileira. Inimigo dos gestos
espetaculares e das expansões temperamentais, despojado de adornos, sua
história é a de uma construção modesta e sólida e tão profundamente brasileira
que pôde, sem alardes, impor o predomínio de uma ideia nacional a tantas
culturas antagônicas. E que pôde, sobretudo, numa experiência magnífica,
harmonizá-las entre si, num exemplo de fraternidade humana a que não ascendeu a
própria Europa, de onde elas provieram. Assim é o Paraná.
(MARTINS, W. Um Brasil diferente: ensaio sobre fenômenos de
aculturação no Paraná. 2. ed. São Paulo: T. A Queiroz, 1989. p. 446.).
Ideologias oficiais e burguesas, relativizando o racismo, a desigualdade
social, estrutural e histórica protagonizada por algumas das mesmas famílias da
classe dominante tradicional há séculos.
A Construção do Paraná "Europeu" | Micheleto |
Revista NEP - Núcleo de Estudos Paranaenses da UFPR
A Construção do Paraná "Europeu"
REVISTAS.UFPR.BR
Uma das pesquisas atualmente desenvolvidas no Núcleo de
Estudos Paranaenses (NEP-UFPR) é sobre a "construção do Paraná
Europeu", de Leonardo Micheleto. Duas obras são essenciais: A Terra do
Futuro, de Nestor Vitor (1913) e O Brasil Diferente, de Wilson Martins (1955).
São "quase discursos oficiais", autorizados e subvencionados pelos
interesses do poder estabelecido. Dentro da metodologia de investigação
elaborada pelo NEP, uma sociologia política crítica dos intelectuais
paranaenses tematiza os conceitos de classe social, espírito de família e
genealogia, vide a importante obra de Maria Julieta Weber Cordova (Bento,
Brasil e David: O discurso regional de formação social e histórica paranaense).
Nestor Vitor era nascido em Paranaguá, com suas origens sociais, familiares e
trajetória relativamente conhecidas. A novidade é que as origens de Wilson
Martins, dado como nascido em São Paulo em 1921, eram invisibilizadas e serão
decifradas, bem como a sua agenda social e política esclarecidas. O pai de
Wilson Martins era professor de português e foi advogado provisionado em São
Paulo. Veio fugindo da polícia e da justiça paulista para o Paraná. Aqui teve
inserções profissionais, políticas e foi preso para ser julgado em São Paulo. O
pai de Wilson Martins, Himelino Martins, nascido em Portugal, foi acusado na
imprensa local de ter sido "polygamo, falsificador e sátiro". Como
pode um filho de um imigrante português, brasileiro de primeira geração, como
Wilson Martins, ter construído uma ideologia invisibilizando a experiência
colonial portuguesa, os índios, africanos, negros e a própria centralidade da
escravidão no Paraná, ao concluir "O Brasil Diferente: "Assim é o
Paraná. Território que, do ponto de vista sociológico, acrescentou ao Brasil
uma nova dimensão, a de uma civilização original construída com pedaços de
todas as outras. Sem escravidão, sem negro, sem português e sem índio,
dir-se-ia que a sua definição não é brasileira. Inimigo dos gestos
espetaculares e das expansões temperamentais, despojado de adornos, sua
história é a de uma construção modesta e sólida e tão profundamente brasileira
que pôde, sem alardes, impor o predomínio de uma ideia nacional a tantas
culturas antagônicas. E que pôde, sobretudo, numa experiência magnífica,
harmonizá-las entre si, num exemplo de fraternidade humana a que não ascendeu a
própria Europa, de onde elas provieram. Assim é o Paraná.
(MARTINS, W. Um Brasil diferente: ensaio sobre fenômenos de
aculturação no Paraná. 2. ed. São Paulo: T. A Queiroz, 1989. p. 446.).
Ideologias oficiais e burguesas, relativizando o racismo, a desigualdade
social, estrutural e histórica protagonizada por algumas das mesmas famílias da
classe dominante tradicional há séculos.
A Construção do Paraná "Europeu" | Micheleto |
Revista NEP - Núcleo de Estudos Paranaenses da UFPR
A Construção do Paraná "Europeu"
REVISTAS.UFPR.BR
Walmir Braga Júnior _____________________Um tema muito legal e que desafia a
todos nós. Por sua enorme eficácia e penetração social, o mito de uma Curitiba
europeia é o mais importante da história paranaense. Em minha dissertação, ao
eleger como um dos níveis de análise a história de Curitiba, também esbarrei
nele. Fiz duas observações: 1) como o mito foi moldado de modo a aproximar-se
do self made man norte-americano, ao eleger o alemão protestante como símbolo
da identidade paranaense; e 2) como, nos anos 1920, sua caracterologia irá se
opor diametralmente a certos elementos valorizados em São Paulo (o que faz com
que o "tipo paranaense" e Macunaíma sejam o diametral oposto um do
outro). É interessante ver como esse mito sempre volta, aliando-se a grandes
interesses políticos e econômicos. Nas entrevistas com Jaime Lerner e Greca
sobre Poty, ele veio a contrabando. O estudo sobre o mito e sua caracterologia
merecem ser aprofundados.
João Simões Lopes Filho ______________________Seria interessante um entendimento
de como se formam grandes áreas socio-culturais dentro do Brasil e como cada
unidade da federação constrói sua própria identidade, com o adicional de como
essa identidade é vista pelas outras. Daí surgem estereótipos como o carioca, o
paulista, o mineiro, o cearense, o nordestino, o caipira, etc.
A gente nota por exemplo uma sobreposição de duas grandes
áreas "culturais" (me foge agora um termo mais adequado): o Brasil Bandeirante
que de certa forma cobre quase todo o interior do Sul e Sudeste, e avança sobre
o Centro-Oeste e vem colonizando áreas agrícolas de Rondônia, Pará e Roraima. É
o país dos fazendeiros, dos sertanejos. Outra é a do Brasil Sulino Europeizado,
que une a Região Sul, inclusive seus centros urbanos, avança para São Paulo e
Mato Grosso. Na área urbana de São Paulo a identidade europeizada mais
reforçada é a italiana que alemã. O importante dessa europeização brasileira
sulista é que ela é fervorosamente anti-portuguesa, anti-ibérica e
anti-latino-americana. Talvez chegue no Rio de Janeiro apenas em redutos de
elite, eventualmente com raízes sulistas, ou em descendentes de imigração
europeia mais recente. Esse Brasil Europeizado rejeita o ibérico, o latino-americano,
o africano, o índio, o favelado, o nordestino, e em certa medida, o carioca
como estereótipo do favelado-miscigenado-sambista.
Por outro lado há um certo Brasil
Sulista Praiano, que vai do Espírito Santo até Rio Grande, que de certa forma
rejeita o elemento "caipira" e também pode em sua elite almejar uma
Europeização.
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