quinta-feira, 27 de março de 2014

Bolsa Família

Brasileiros!

Entrevista por escrito que eu dei sobre o assunto para um órgão literário do Partido da Ordem.
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- Qual avaliação que o senhor faz do programa Bolsa Família?
A minha avaliação é a mesma de Edmund Phelps, o economista monetarista e Nobel de Economia de 2006 (e que, portanto, não pode ser acusado petralha): o Bolsa-Família é "um grande passo na direção certa". (apud Hossaka)

- Qual a importância de programas de transferência de renda para países em desenvolvimento como o Brasil?
Programas de transferência direta de renda são fundamentais na queda da desigualdade e da pobreza e na dinamização da economia de pequenos municípios. Estudos mostram que o Bolsa Família (média de R$ 94,00 por mês POR FAMÍLIA) têm efeito dinamizador principalmente na área rural. Souza e Osório calcularam que entre 2003 e 2011 houve uma diminuição de 24% para 9,5% no contingente situado na faixa de pobreza e extrema pobreza na população brasileira em função do PBF. (Souza, Pedro Herculano Guimarães Ferreira de; Osório, Rafael Guerreiro. "O perfil da pobreza no Brasil e suas mudanças entre 2003 e 2011". Programa Bolsa Família : uma década de inclusão e cidadania. Organizadores: Tereza Campello, Marcelo Côrtes Neri.Brasília : Ipea, 2013). Mas o ganho é também econômico. Neri, Vaz e Souza demonstraram que cada R$ 1,00 gasto no Programa Bolsa Família estimula o crescimento de R$ 1,78 no PIB. (Neri, Marcelo Côrtes ; Vaz, Fabio Monteiro; e Souza, Pedro Herculano Guimarães Ferreira de . Efeitos macroeconômicos do Programa Bolsa Família - uma análise comparativa das transferências sociais. Programa Bolsa Família : uma década de inclusão e cidadania. Organizadores: Tereza Campello, Marcelo Côrtes Neri.Brasília : Ipea, 2013).

- Alguns estudos afirmam que programas de transferência de renda aumentam o poder aquisitivo da população, inserindo-a no mercado, mas não reduzem as desigualdades sociais. O senhor concorda? É o caso do Brasil?
Gostaria de ler esses estudos. Não os conheço. A redução no Índice de Gini no Brasil (uma medida mais ajustada para medir distribuição de riqueza, ao invés de renda per capta) foi resultado, entre outras políticas (como o aumento do valor real do salário mínimo), do Programa Bolsa Família. Tomemos como parâmetro para redução das desigualdades sociais o acesso à educação. É possível que nem todos os críticos do Programa Bolsa Família saibam, mas para que a família mantenha o benefício ela deve comprovar que todas as crianças entre 6 e 15 anos estão matriculadas e com uma taxa de assiduidade de 85%; idem para adolescentes entre 16 e 17 anos, que devem comprovar ao menos 75% de comparecimento mensal. Atestado pela professora. Estudo do INEP ("O impacto do Programa Bolsa Família sobre a frequência escolar: uma análise de diferenças em diferenças a partir da Pnad", Na medida. Boletim de Estudos Educacionais, ano 3, n. 6, 2011) demonstrou que: "a redução da parcela de crianças de 6 a 10 anos de idade fora da escola foi de 40% (a proporção de crianças dessa faixa etária que frequenta escola passou de 93,3% para 96,3%, com o Programa); já para as faixas etárias de 11 a 14 anos e de 15 a 16 anos, a redução estimada na proporção de crianças fora da escola foi menor, atingindo quase 30%." Outra informação, agora sobre saúde. Novamente: para ser cliente do Bolsa Família, exige-se que crianças menores de 7 anos tenham o cartão de vacinação em dia; gestantes devem realizar o pré-natal e lactantes devem obrigatoriamente ter acompanhamento médico. Pois bem. Tome-se o estudo "Effect of a conditional cash transfer programme on childhood mortality: a nationwide analysis of Brazilian municipalities", de D Rasella, R Aquino, CAT Santos, R Paes-Sousa, ML Barreto. The Lancet, vol. 382 (n. 9886), pp. 57-64.
Os autores mostram que o PBF reduziu em 20% a taxa de mortalidade infantil motivada por doenças derivadas da pobreza (desnutrição, diarreia) em crianças até cinco anos de idade. Esses são os dados. O resto é ideologia. Ou ignorância.

- O senhor acredita que o Bolsa Família está formando um camada ativa e produtiva economicamente?
Eu não acredito nas coisas. Ou há estudos ou não há. E pelas pesquisas não há evidência empírica que mostre que o beneficiário do PBF deixe de trabalhar. Baseio-me no estudo de Oliveira, Luís Felipe Batista de; e Soares, Sergei S. D. “Efeito preguiça” em programas de transferência de renda?. Programa Bolsa Família : uma década de inclusão e cidadania. Organizadores: Tereza Campello, Marcelo Côrtes Neri.Brasília : Ipea, 2013.

- É necessário existir portas de saída para o Bolsa Família? Quais seriam elas? O senhor acredita que o governo tem dedicado atenção a estas “saídas”?
Como forma de assegurar a inserção no mercado de trabalho da população em situação de vulnerabilidade, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) já ofertou 800 mil vagas em cursos para beneficiários do Bolsa Família.

- O Bolsa Família já está atingindo a segunda geração das famílias. Há o risco de se criar uma dependência do benefício? Caso positivo, como evitar isso?
Ver as duas respostas anteriores.

- Programas como o Bolsa Família são um caminho para a cidadania?
Sim, à medida que aquele que tem dinheiro não precisa se submeter a viver de favores do mandão local, do "coronel". Walquiria Leão Rego e Alessandro Pinzani escreveram um livro chamado Vozes do Bolsa Família - Autonomia, Dinheiro e Cidadania (Editora UNESP, 2013). Ouviram, entre 2006 e 2011, mais de 150 mulheres, nas regiões mais pobres do país, onde a circulação de dinheiro é escassa ou inexistente. A lógica do PBF inverte a gramática do favor em troca do prato de comida e dá dignidade ao titular do cartão. Tem-se a liberdade sobre o que se vai comprar, adquire-se responsabilidade sobre o gasto. Walquiria declarou numa entrevista à Folha de S. Paulo em junho de 2013 o seguinte: "(O que mais me surpreendeu na pesquisa foi) Quando vi a alegria que sentiam de poder partilhar uma comida que era deles, que não tinha sido pedida. Não tinham passado pela humilhação de pedi-la; foram lá e compraram."

- O Bolsa Família é jovem. O senhor acredita que estamos ainda na curva de aprendizagem? Quais aprimoramentos poderiam ser feitos?
Para enfrentar a pobreza e o desamparo dos muitos pobres no Brasil, o PBF é um passo importante mas ainda tímido. É preciso fazer mais e mais.


Adriano Nervo Codato 

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