Brasileiros!
Entrevista por escrito que eu dei sobre o assunto para um
órgão literário do Partido da Ordem.
.
- Qual avaliação que o senhor faz do programa Bolsa Família?
A minha avaliação é a mesma de Edmund Phelps, o economista
monetarista e Nobel de Economia de 2006 (e que, portanto, não pode ser acusado
petralha): o Bolsa-Família é "um grande passo na direção certa".
(apud Hossaka)
- Qual a importância de programas de transferência de renda
para países em desenvolvimento como o Brasil?
Programas de transferência direta de renda são fundamentais
na queda da desigualdade e da pobreza e na dinamização da economia de pequenos
municípios. Estudos mostram que o Bolsa Família (média de R$ 94,00 por mês POR
FAMÍLIA) têm efeito dinamizador principalmente na área rural. Souza e Osório
calcularam que entre 2003 e 2011 houve uma diminuição de 24% para 9,5% no
contingente situado na faixa de pobreza e extrema pobreza na população
brasileira em função do PBF. (Souza, Pedro Herculano Guimarães Ferreira de; Osório,
Rafael Guerreiro. "O perfil da pobreza no Brasil e suas mudanças entre
2003 e 2011". Programa Bolsa Família : uma década de inclusão e cidadania.
Organizadores: Tereza Campello, Marcelo Côrtes Neri.Brasília : Ipea, 2013). Mas
o ganho é também econômico. Neri, Vaz e Souza demonstraram que cada R$ 1,00
gasto no Programa Bolsa Família estimula o crescimento de R$ 1,78 no PIB.
(Neri, Marcelo Côrtes ; Vaz, Fabio Monteiro; e Souza, Pedro Herculano Guimarães
Ferreira de . Efeitos macroeconômicos do Programa Bolsa Família - uma análise
comparativa das transferências sociais. Programa Bolsa Família : uma década de
inclusão e cidadania. Organizadores: Tereza Campello, Marcelo Côrtes
Neri.Brasília : Ipea, 2013).
- Alguns estudos afirmam que programas de transferência de
renda aumentam o poder aquisitivo da população, inserindo-a no mercado, mas não
reduzem as desigualdades sociais. O senhor concorda? É o caso do Brasil?
Gostaria de ler esses estudos. Não os conheço. A redução no
Índice de Gini no Brasil (uma medida mais ajustada para medir distribuição de
riqueza, ao invés de renda per capta) foi resultado, entre outras políticas
(como o aumento do valor real do salário mínimo), do Programa Bolsa Família.
Tomemos como parâmetro para redução das desigualdades sociais o acesso à
educação. É possível que nem todos os críticos do Programa Bolsa Família
saibam, mas para que a família mantenha o benefício ela deve comprovar que
todas as crianças entre 6 e 15 anos estão matriculadas e com uma taxa de
assiduidade de 85%; idem para adolescentes entre 16 e 17 anos, que devem
comprovar ao menos 75% de comparecimento mensal. Atestado pela professora.
Estudo do INEP ("O impacto do Programa Bolsa Família sobre a frequência
escolar: uma análise de diferenças em diferenças a partir da Pnad", Na
medida. Boletim de Estudos Educacionais, ano 3, n. 6, 2011) demonstrou que:
"a redução da parcela de crianças de 6 a 10 anos de idade fora da escola
foi de 40% (a proporção de crianças dessa faixa etária que frequenta escola
passou de 93,3% para 96,3%, com o Programa); já para as faixas etárias de 11 a
14 anos e de 15 a 16 anos, a redução estimada na proporção de crianças fora da
escola foi menor, atingindo quase 30%." Outra informação, agora sobre
saúde. Novamente: para ser cliente do Bolsa Família, exige-se que crianças
menores de 7 anos tenham o cartão de vacinação em dia; gestantes devem realizar
o pré-natal e lactantes devem obrigatoriamente ter acompanhamento médico. Pois
bem. Tome-se o estudo "Effect of a conditional cash transfer programme on
childhood mortality: a nationwide analysis of Brazilian municipalities",
de D Rasella, R Aquino, CAT Santos, R Paes-Sousa, ML Barreto. The Lancet, vol.
382 (n. 9886), pp. 57-64.
Os autores mostram que o PBF reduziu em 20% a taxa de
mortalidade infantil motivada por doenças derivadas da pobreza (desnutrição,
diarreia) em crianças até cinco anos de idade. Esses são os dados. O resto é
ideologia. Ou ignorância.
- O senhor acredita que o Bolsa Família está formando um
camada ativa e produtiva economicamente?
Eu não acredito nas coisas. Ou há estudos ou não há. E pelas
pesquisas não há evidência empírica que mostre que o beneficiário do PBF deixe
de trabalhar. Baseio-me no estudo de Oliveira, Luís Felipe Batista de; e
Soares, Sergei S. D. “Efeito preguiça” em programas de transferência de renda?.
Programa Bolsa Família : uma década de inclusão e cidadania. Organizadores:
Tereza Campello, Marcelo Côrtes Neri.Brasília : Ipea, 2013.
- É necessário existir portas de saída para o Bolsa Família?
Quais seriam elas? O senhor acredita que o governo tem dedicado atenção a estas
“saídas”?
Como forma de assegurar a inserção no mercado de trabalho da
população em situação de vulnerabilidade, o Programa Nacional de Acesso ao
Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) já ofertou 800 mil vagas em cursos para
beneficiários do Bolsa Família.
- O Bolsa Família já está atingindo a segunda geração das
famílias. Há o risco de se criar uma dependência do benefício? Caso positivo,
como evitar isso?
Ver as duas respostas anteriores.
- Programas como o Bolsa Família são um caminho para a
cidadania?
Sim, à medida que aquele que tem dinheiro não precisa se
submeter a viver de favores do mandão local, do "coronel". Walquiria
Leão Rego e Alessandro Pinzani escreveram um livro chamado Vozes do Bolsa Família
- Autonomia, Dinheiro e Cidadania (Editora UNESP, 2013). Ouviram, entre 2006 e
2011, mais de 150 mulheres, nas regiões mais pobres do país, onde a circulação
de dinheiro é escassa ou inexistente. A lógica do PBF inverte a gramática do
favor em troca do prato de comida e dá dignidade ao titular do cartão. Tem-se a
liberdade sobre o que se vai comprar, adquire-se responsabilidade sobre o
gasto. Walquiria declarou numa entrevista à Folha de S. Paulo em junho de 2013
o seguinte: "(O que mais me surpreendeu na pesquisa foi) Quando vi a
alegria que sentiam de poder partilhar uma comida que era deles, que não tinha
sido pedida. Não tinham passado pela humilhação de pedi-la; foram lá e
compraram."
- O Bolsa Família é jovem. O senhor acredita que estamos
ainda na curva de aprendizagem? Quais aprimoramentos poderiam ser feitos?
Para enfrentar a pobreza e o desamparo dos muitos pobres no
Brasil, o PBF é um passo importante mas ainda tímido. É preciso fazer mais e
mais.
Adriano Nervo Codato
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