O CONCEITO DE CULTURA
LESLIE WHITE
A diversidade de comportamento dos seres humanos sempre foi
um enigma. Todos os outros seres, existentes na natureza, apresentam
comportamentos de espécie, repetitivos, limitados, com possibilidade quase nula
de variações individuais. O homem é o único que, ao nascer, pode viver mil
vidas diferentes. Qualquer um de nós poderia ser Mozart, qualquer um poderia
ser Hitler. A criação de sinfonias e a perpetração de genocídios são
possibilidades inscritas em nossa mais íntima constituição.
As primeiras tentativas sistemáticas para compreender a
nossa diversidade buscaram explicações no corpo dos indivíduos, no contexto da
antropologia física. Sua culminância foi a construção do conceito de raças
humanas, o mais importante e mais desastrado empreendimento das ciências
sociais europeias no século XIX. Ecos desse desacerto nos assombram até hoje.
A superação desse caminho, pela antropologia cultural, teve
como ponto de partida a constatação de que o homem não apenas age, como os
demais animais, mas interpreta a sua ação. Todas as ações humanas têm origem em
alguma interpretação, e ao mesmo tempo são ações interpretadas. Compreender o
comportamento humano exige compreender os sistemas de interpretação construídos
pela imaginação do próprio homem, o que nos remete aos universos simbólicos,
constitutivos da nossa existência tanto quanto os nossos corpos físicos.
Objetos materiais, crenças e atitudes estão imersos nesses
universos simbólicos que são transmitidos entre indivíduos, povos e gerações
por meios não biológicos. Cria-se assim uma ordem suprabiológica e
extrassomática de coisas e fatos, que flui no espaço, de um grupo a outro, e no
tempo, de uma época a outra. É o mundo humano por excelência, que precisa ser
descrito e analisado a partir de seus próprios princípios e leis. Estamos
falando de cultura, o conceito-chave da antropologia e uma das mais importantes
aquisições conceituais das ciências sociais em todas as épocas.
Leslie White (1900-1975) dirigiu por muito tempo o
Departamento de Antropologia da Universidade de Michigan e foi professor também
nas universidades de Chicago, Yale, Colúmbia, Harvard e Califórnia (Berkeley).
Em 1961, no auge da carreira, foi convidado pela Universidade do Colorado a dar
oito aulas a professores, para fornecer uma visão de conjunto de sua
disciplina. Gravadas, transcritas e revisadas, elas formam este pequeno e
precioso volume que trata, justamente, do conceito de cultura.
César Benjamin
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