É um ignorante aquele que acredita que o criador pode
sentir. Todo verdadeiro e sincero artista sorri da ingenuidade deste engano
charlatão; melancólico, talvez, mas sorri. Pois aquilo que se diz nunca deve
ser o essencial, mas tão-somente o material, indiferente em princípio, de que
se compõe a criação estética numa leve e serena superioridade. Se der demasiado
valor àquilo que tem a dizer, se o seu coração bater com calor demasiado por
isso, pode estar certa de um completo fiasco. Você
torna-se sentimental, algo de pesado, de sério-desajeitado,
sem ironia, desgovernado, sem tempero, monótono, banal se forma sob suas mãos,
e o fim é nada mais que indiferença por parte das pessoas, nada mais que
desilusão e lamentação de sua parte ... Pois, Lisavieta: o sentimento, o cálido
e cordial sentimento é sempre banal e sem utilidade; artísticos são somente
nossas irritações e os frios êxtases de nosso corrompido e artificioso sistema
nervoso. É preciso que se seja algo fora da humanidade ou desumano, que se
esteja para a humanidade numa relação estranhamente distante e indiferente,
para ser-se capaz de interpretar ou mesmo sentir-se tentado a isso, interpretar
para apresentar de modo efetivo e com gosto. O dom para o estilo, forma e
expressão já pressupõe esta fria e descontente relação para com a humanidade.
Pois o sentimento são e forte - isto está confirmado - não tem gosto. Morre o
artista quando se torna homem e quando começa a sentir."
"Tonio Kröger", Thomas Mann, in: "Morte em
Veneza e Tonio Kröger", Thomas Mann, p. p. 22 e 23, Abril Cultural, 1971
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