quarta-feira, 24 de outubro de 2012


É um ignorante aquele que acredita que o criador pode sentir. Todo verdadeiro e sincero artista sorri da ingenuidade deste engano charlatão; melancólico, talvez, mas sorri. Pois aquilo que se diz nunca deve ser o essencial, mas tão-somente o material, indiferente em princípio, de que se compõe a criação estética numa leve e serena superioridade. Se der demasiado valor àquilo que tem a dizer, se o seu coração bater com calor demasiado por isso, pode estar certa de um completo fiasco. Você
torna-se sentimental, algo de pesado, de sério-desajeitado, sem ironia, desgovernado, sem tempero, monótono, banal se forma sob suas mãos, e o fim é nada mais que indiferença por parte das pessoas, nada mais que desilusão e lamentação de sua parte ... Pois, Lisavieta: o sentimento, o cálido e cordial sentimento é sempre banal e sem utilidade; artísticos são somente nossas irritações e os frios êxtases de nosso corrompido e artificioso sistema nervoso. É preciso que se seja algo fora da humanidade ou desumano, que se esteja para a humanidade numa relação estranhamente distante e indiferente, para ser-se capaz de interpretar ou mesmo sentir-se tentado a isso, interpretar para apresentar de modo efetivo e com gosto. O dom para o estilo, forma e expressão já pressupõe esta fria e descontente relação para com a humanidade. Pois o sentimento são e forte - isto está confirmado - não tem gosto. Morre o artista quando se torna homem e quando começa a sentir."


"Tonio Kröger", Thomas Mann, in: "Morte em Veneza e Tonio Kröger", Thomas Mann, p. p. 22 e 23, Abril Cultural, 1971

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