domingo, 16 de setembro de 2012

O LOBISOMEM


O amor é para mim um Iroquês

De cor amarela e feroz catadura

Que vem sempre a galope, montado

Numa égua chamada Tristeza.

Ai, Tristeza tem cascos de ferro

E as esporas de estranho metal

Cor de vinho, de sangue, e de morte,

Um metal parecido com ciúme.



(O Iroquês sabe há muito o caminho e o lugar

Onde estou à mercê:

É uma estrada asfaltada, tão solitária quanto escura,

Passando por entre uns arvoredos colossais

Que abrem lá em cima suas enormes bocas de silêncio e solidão).



Outro dia eu senti um ladrido

De concreto batendo nos cascos:

Era o meu Iroquês que chegava

No seu gesto de anti-Quixote.

Vinha grande, vestido de nada

Me empolgou corações e cabelos

Estreitou as artérias nas mãos

E arrancou minha pele sem sangue

E partiu encoberto com ela

Atirando-me os poros na cara.

E eu parti travestido de Dor,

Dor roubada da placa da rua

Ululando que o vento parasse

De açoitar minha pele de nervos.

Veio o frio com olhos de brasa

Jogou olhos em todo o meu corpo;

Encontrei uma moça na rua,

Implorei que me desse sua pele

E ela disse, chorando de mágua,

Que era mãe, tinha seios repletos

E a filhinha não gosta de nervos;

Encontrei um mendigo na rua

Moribundo de fome e de frio:

“Dá-me a pele, mendigo inocente,

Antes que Ela te venha buscar.”

Respondeu carregado por Ela:

“Me devolves no Juízo Final?”

Encontrei um cachorro na rua:

“Ó cachorro, me cedes tua pele?”

E ele, ingênuo, deixando a cadela

Arrancou a epiderme com sangue

Toda quente de pêlos malhados

E se foi para os campos da lua

Desvestido da própria nudez

Implorando a epiderme da lua.

Fui então fantasiado a travesti

Arrojado na escala do mundo

E não houve lugar para mim.



Não sou cão, não sou gente - sou Eu.



Iroquês, Iroquês, que fizeste?

Décio Pignatari

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