quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Ensaios de Gore Vidal devassam o império e sua política

O escritor norte-americano Gore Vidal morreu nesta terça-feira (madrugada de quarta no Brasil), aos 86 anos, em sua residência em Los Angeles, nos EUA.

Leia abaixo a análise do jornalista Amir Labaki publicada na Folha de 28 de junho de 2001, em ocasião do lançamento do livro “The Last Empire Essays 1992-2000″ (O Último Império Ensaios 1992-2000).

FOLHA SP

Ensaios de Gore Vidal devassam o império e sua política

Há oito anos Gore Vidal venceu o prestigiado National Book Award americano com “United States Essays 1952-1992″ (Estados Unidos Ensaios 1952-1992), um catatau de 1.300 páginas reunindo 140 textos sobre cinema, política, história, literatura e, claro, Gore Vidal. É provável que seja esse, mais que qualquer de seus romances, o volume que lhe garanta um lugar no panteão dos homens de letras dos EUA do século 20.

Comparado à primeira coletânea, o recém-publicado “The Last Empire Essays 1992-2000″ (O Último Império Ensaios 1992-2000) mais parece um posfácio expandido. Contam-se 48 ensaios, resenhas e cartas publicados desde o aparecimento de “United States” até janeiro deste ano.

Além da evidente superioridade estrutural da primeira antologia, o Gore Vidal de “The Last Empire” parece mais repetitivo e dogmático, ainda que na maioria dos textos não faltem a argúcia e a inquietude esbanjadas em “United States”. Tudo somado, Vidal continua a ser um dos maiores ensaístas em atividade. Nada mais natural, assim, que mais uma vez busque a aproximação com o mestre do gênero nos EUA, celebrando Edmund Wilson (”Rumo à Estação Finlândia”) desta vez no ensaio de abertura (”Edmund Wilson, Homem do Século 19″).

Como Wilson, o Vidal maduro tempera cada texto com toques autobiográficos. “Ele dá certamente o seu melhor”, escreve Vidal de Wilson, “quando ele volta suas luzes para uma figura literária a quem conhecia e então como que caminha em torno dela”.

Os ensaios de “The Last Empire” foram todos escritos sob o signo de Edmund Wilson (1895-1972). A tese básica de Vidal, a dos EUA como “o último grande poder global” numa era de crescente “irrelevância” do “Estado-nação” como o forjado pelo capitalismo moderno, é um desenvolvimento quase em linha reta de um dos textos mais polêmicos e menos conhecidos de Wilson, “The Cold War and the Income Tax” (A Guerra Fria e os Impostos, 1963). Nele, Wilson vinculava o aumentos dos impostos pessoais nos EUA do pós-guerra, em contraste com a declinante contribuição relativa das empresas, à voracidade do complexo industrial-militar justificado internamente pelo “Grande Satã” (Vidal) soviético.

O autor do recente “A Era Dourada” (Rocco, 512 páginas, R$ 41) reconhece a dívida explicitamente no ensaio que empresta título à nova antologia, publicado originalmente no recentemente revigorado “Vanity Fair” em novembro de 1997. “Desde 1941″, elabora Vidal, “quando Roosevelt tirou-nos da Depressão, bombear dinheiro federal em rearmamento, em tempos de guerra ou não, tem sido o principal motor de nossa sociedade”.

“Desde 1950″, desenvolve mais adiante, “a dominação de outros países tem sido exercida por meio da economia (o Plano Marshall depois da Segunda Guerra) e da presença militar, de preferência sutil (como a OTAN na Europa ocidental), e politicamente por meio de polícias secretas como a CIA, o FBI, o DIA etc.”.

Internamente, o jogo é outro. Vidal define a política americana como “um sistema de partido único (com duas alas de direita, uma chamada de democrata, outra de republicana)”, financiado pelo dinheiro das grandes corporações, que espertamente distribuem sua produção bélica pelo maior número possível de Estados a fim de garantir a simpatia dos deputados e senadores de cada região, leais assim a um crescente orçamento militar (previsto para US$ 329 bilhões em 2002, pouco menos que todo o orçamento brasileiro). Fecha-se o círculo, CQD, exulta Vidal.

O presidente democrata Harry Truman (1945-1953) surge como o grande arquiteto dessa estrutura e como vilão preferencial de “The Last Empire”. A seu lado, como continuadores, Vidal elenca, surpreendentemente, John Fitzgerald Kennedy (1961-1962), e, sem espanto, Richard Nixon (1969-1974), Ronald Reagan (1981-1989), o primeiro Bush (1989-1993) e o atual (2001).

No campo oposto, há espaço para poucos. Jimmy Carter (1977-1981) é solenemente desprezado, mas Vidal exibe uma crescente admiração por Bill Clinton (1993-2001), cujo embate contra Kenneth Starr e a inquisição Lewinsky são lidos como uma “conspiração reacionária” contra um raro presidente que ousou uma política de transferência, ainda que limitada, de recursos da indústria armamentista para o campo social.

Política é a obsessão deste experiente Gore, ocupando nada menos que três das quatro partes de “The Last Empire”, mas o volume reserva seu terço inicial para outras paixões. Vidal abre a temporada de revalorização dos romances de Sinclair Lewis (1885-1946), defende Mark Twain (1835-1910) da sanha “politicamente correta”, bate continência às artes de Thomas Mann (1875-1955), Anthony Burgess (1917-1993) e do grande poeta grego C. P. Cavafy (1863-1933) e chora a morte de Sinatra. Entre as baixas, a mais contundente é a da reputação de John Updike como romancista (”agarrado à facilidade”), a partir de uma leitura devastadora de “Na Beleza dos Lírios” (Companhia das Letras, 1997).

Por estas e por outras que, se as reedições de Lewis se avolumarem, críticas menos condescendentes a Updike surgirem, ataques ao mito JFK se sucederem, e o ex-vice e provável recandidato Al Gore, em 2004, repetir o ex-vice e depois presidente Nixon, em 1968, ao se vingar de uma derrota eleitoral infligida à contrapelo da lei, todos podem culpar Vidal.
Edmund Wilson era impulsivo e idiossincrático, mas não um polemista e jamais kamikaze. Este é Gore Vidal, certo ou errado, homem do século 20.

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